ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992
A situação de segurança em Luena estava
complicada. Explicaram-me que havia um aquartelamento da UNITA e outro das
Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) pertencentes ao MPLA fora
da cidade. Cada força opositora tinha cerca de 8.000 homens, devidamente
armados e municiados, o que incluía armamento pesado. As feridas da guerra
civil estavam longe de terem cicatrizado em Luena e as escaramuças eram
constantes. No dia em que cheguei, morreram 15 civis em Luena, vítimas
colaterais destes incidentes que, em certas alturas, tinham dimensão de
confronto aberto.
Cartoon do Autor |
Pista de Luena ex AM44 Luso |
No antigo AM 44 esperava-me uma pequena
frota de aeronaves, constituída por três helicópteros russos modelo MI 17 e um
Cessna Caravan (namibiano). Dois dos helicópteros estavam caracterizados como
UN mas eram alugados à Aeroflot, o terceiro era militar e mantinha a camuflagem
original do Exército Vermelho. Contava ainda com apoio pontual – a pedido – de
um C-130 alugado à TransAfrik. No chão, aguardavam-me 11 tripulantes de
aeronaves (10 russos e um namibiano) e 5 funcionários do PNUD (dois
internacionais e três angolanos). Um dos MI 17 haveria
depois de destacar para
o Cazombo, no extremo Este de Angola (anteriormente conhecido pela tropa
portuguesa como o “Quadrado da Morte”) com um oficial controlador da FA, para
cobrir as necessidades eleitorais daquela remota região.
Cazombo AM43 em 1973, foto de Ribeiro da Silva |
Normalmente, as tarefas de um operacional
da ONU vão muito para além da descrição de funções (job description), se quiser
sobreviver com o mínimo de qualidade. Os títulos pomposos que me atribuíam não
me dispensavam de executar funções de apoio básico à missão. Na delegação do
PNUD de Luena todos nós tínhamos uma segunda tarefa que executar para o bem
comum. Enquanto uns cozinhavam e outros faziam a manutenção das instalações e
aeronaves, e quem não estava a fazer nada disso tinha a nobre tarefa de buscar
água para a higiene do pessoal.
Recordo a primeira vez que o fizemos.
Dirigimo-nos a uma zona na margem do Rio Luena que permitia o acesso a carros.
Previamente, tínhamos instalado um depósito para recolher a água na nossa
carrinha de caixa aberta. Com o recurso a uma pequena bomba de extração,
abastecemos o depósito. Depois dirigimo-nos a uma área mais frequentada pela
população local, e decidimos dar um mergulho no rio. Fui logo avisado:
- “Comandante, isto é tudo gente boa. Se
você deixar a carteira na margem do rio provavelmente não vai acontecer nada.
Mas se deixar o sabão, de certeza que não vai lá estar, quando você sair da
água.”
Rio Luena - foto de Armando Monteiro |
Meses mais tarde, já em Portugal, soube
que num dos locais onde havíamos tomado banho, tinha ocorrido um incidente
envolvendo um elemento ao serviço da ONU e um crocodilo. Alegadamente, durante
a estação das chuvas, que estava prestes a começar em Outubro, o nível das
águas aumenta bastante e entra dentro das tocas onde os crocodilos estão a
hibernar, nas margens dos rios, despertando-os. Nós tínhamos estado a
banhar-nos no limite entre as duas épocas, seguindo o exemplo das crianças e
adultos locais. O outro indivíduo atuou isoladamente e não terá tido a mesma
sorte.
(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)
Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração.Bem Haja.
(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)
Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração.Bem Haja.
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