ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA
AÉREA: ANGOLA – 1992
A UNITA, liderada por Jonas Savimbi, alegava que o MPLA, liderado por Eduardo dos Santos, tinha recebido o poder directamente da potência colonial (Portugal) e não por sufrágio livre e universal do povo Angolano. Desta forma, para a UNITA, o MPLA estava a usurpar o poder. Por seu turno, Eduardo dos Santos afirmava que a UNITA nunca tinha evoluído de uma força insurgente anticolonialista, com métodos terroristas, pelo que não era um interlocutor político credível.
Contudo, em 1992 houve um entendimento
entre os dois partidos, que tentou transferir esta confrontação do campo de
batalha militar para a arena do debate político. Para o efeito, as Nações
Unidas (ONU) ficaram encarregues de liderar e apoiar um processo eleitoral, que
colocasse no poder um Governo eleito pela vontade popular. Este processo
recebeu o nome de “Primeiras Eleições Livres Angolanas”.
Em Angola, as Nações Unidas estavam
representadas pela missão United Nations Angola Verification Mission (UNAVEM II).
Esta missão tinha a liderança política dos assuntos angolanos na comunidade
internacional. Contudo, como acontece noutras partes do mundo, as questões
técnicas eleitorais são conduzidas pelo Programa da Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). Ciente da dimensão territorial de Angola e de o país
constava na lista dos territórios mais minados do mundo, o PNUD iniciou a maior
campanha aérea que a ONU alguma vez havia lançado, para um ato eleitoral.
Sob a tutela da UNAVEM II, o PNUD
contratou 40 helicópteros M-17 e 10 aviões (Antonov-26, Hércules C-130,
Beechcraft e King Air), maioritariamente operados por tripulações russas. Os
custos, rondando os 40 milhões de dólares (preços de 1992), foram suportados
por doadores internacionais. Tudo isto a somar aos já existentes 14
helicópteros e dos 2 aviões que a UNAVEM II operava normalmente em Angola.
Contudo, o planeamento e gestão da
actividade de todos estes meios aéreos era um sério desafio, pelo que o PNUD
solicitou a Portugal o envio de uma equipa de 10 gestores de operações aéreas
para Angola.
É aqui que começa esta estória de missão,
que levou dez oficiais da Força Aérea Portuguesa, ao serviço da ONU, a
participar no apoio ao ato eleitoral angolano.
Às 18H20 do dia
16 de Setembro de 1992, um C-130 da Força Aérea descolou do aeroporto militar
de Figo Maduro (Aeródromo de Trânsito N.º1), com destino a Luanda. Levava como
passageiros um grupo de 5 Pilotos Aviadores e 5 Controladores de Tráfego Aéreo,
com a finalidade de apoiar o PNUD na organização da campanha aérea para as
eleições angolanas. A viagem irá durar 21 horas, com duas paragens, de uma hora
cada, para reabastecimento, em Cabo Verde e em São Tome e Príncipe.
Aeroporto de Luanda |
Quando chegámos a Luanda, o C-130 manobrou
sobre a Cidade, a fim de se posicionar melhor para a aterragem, permitindo-nos
observar a verdadeira dimensão da urbe. Para além da zona da baía e do centro
da Cidade, com os seus edifícios altos, avenidas amplas e bairros de bonitas vivendas
coloniais, a grande Luanda estendia-se a perder de vista num enorme musseque.
Era naquele caos, constituído por trilhos sinuosos de construções térreas feitas de barro, que viviam mais de 70% dos 2 milhões de habitantes de Luanda. Sob a nossa asa esquerda apareceram os restos queimados de uma refinaria, testemunhos da recente guerra civil.
Era naquele caos, constituído por trilhos sinuosos de construções térreas feitas de barro, que viviam mais de 70% dos 2 milhões de habitantes de Luanda. Sob a nossa asa esquerda apareceram os restos queimados de uma refinaria, testemunhos da recente guerra civil.
Cartoon do autor |
Durante a aterragem conseguiu-se observar
que o aeroporto estava militarizado, com muitas antenas de radar, e outros
equipamentos com aspecto bélico distribuídos entre as placas e as pistas.
Contudo, aquilo que mais atraiu a atenção, foi um conjunto de três veículos
enferrujados que jaziam para além da soleira da pista. Eu reconhecia aquelas
máquinas, mas não conseguia ligar o objecto com o local ou a função.
Quando desembarcámos, éramos gentilmente aguardados por uma delegação da Embaixada Portuguesa em Luanda. Perguntei-lhes o que eram aqueles equipamentos estranhos no final da faixa. Foi-me respondido que eram “limpa-neves”, oferecidos pela ajuda Soviética.
Quando desembarcámos, éramos gentilmente aguardados por uma delegação da Embaixada Portuguesa em Luanda. Perguntei-lhes o que eram aqueles equipamentos estranhos no final da faixa. Foi-me respondido que eram “limpa-neves”, oferecidos pela ajuda Soviética.
-“Limpa neves? Em Luanda?” - Perguntei
contendo o riso, para não ofender os presentes.
Alegadamente, para os Soviéticos, qualquer aeroporto que se preze teria de estar dotado com limpa-neves. A localização geográfica era um mero detalhe.
Claro que aquelas máquinas nunca foram usadas e apodreceram no local onde tinham sido descarregadas.
Durante uma curta, estadia em Luanda, recebemos a explicação um pouco mais detalhada sobre o que nos era solicitado. Iríamos operar isolados uns dos outros, cobrindo a maior quantidade de território angolano possível.
Calhou-me em sortes a (enorme) Província do Moxico, no extremo Leste do País, com sede em Luena (a antiga cidade do Luso).
Claro que aquelas máquinas nunca foram usadas e apodreceram no local onde tinham sido descarregadas.
Durante uma curta, estadia em Luanda, recebemos a explicação um pouco mais detalhada sobre o que nos era solicitado. Iríamos operar isolados uns dos outros, cobrindo a maior quantidade de território angolano possível.
Calhou-me em sortes a (enorme) Província do Moxico, no extremo Leste do País, com sede em Luena (a antiga cidade do Luso).
No dia seguinte, fomos enviados aos nossos
destinos.
(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)
Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração.
Bem Haja.
Ora, um Especialista da minha área com um óptimo relato da época!...Venha o livro! Os meus parabéns. Vítor Oliveira
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