sexta-feira, 15 de abril de 2016

PRIMEIRAS ELEIÇÕES LIVRES ANGOLANAS

ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992
Mapa do autor, com a localização onde operavam todos os oficiais da FAP

O diálogo político entre os dois maiores partidos políticos angolanos sempre foi difícil. O partido que detém o poder desde a independência – Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) – e o maior partido da oposição – União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) - recorreram à confrontação armada, envolvendo-se numa guerra civil que durou cerca de 27 anos.
A UNITA, liderada por Jonas Savimbi, alegava que o MPLA, liderado por Eduardo dos Santos, tinha recebido o poder directamente da potência colonial (Portugal) e não por sufrágio livre e universal do povo Angolano. Desta forma, para a UNITA, o MPLA estava a usurpar o poder. Por seu turno, Eduardo dos Santos afirmava que a UNITA nunca tinha evoluído de uma força insurgente anticolonialista, com métodos terroristas, pelo que não era um interlocutor político credível.
Contudo, em 1992 houve um entendimento entre os dois partidos, que tentou transferir esta confrontação do campo de batalha militar para a arena do debate político. Para o efeito, as Nações Unidas (ONU) ficaram encarregues de liderar e apoiar um processo eleitoral, que colocasse no poder um Governo eleito pela vontade popular. Este processo recebeu o nome de “Primeiras Eleições Livres Angolanas”.
Em Angola, as Nações Unidas estavam representadas pela missão United Nations Angola Verification Mission (UNAVEM II). Esta missão tinha a liderança política dos assuntos angolanos na comunidade internacional. Contudo, como acontece noutras partes do mundo, as questões técnicas eleitorais são conduzidas pelo Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ciente da dimensão territorial de Angola e de o país constava na lista dos territórios mais minados do mundo, o PNUD iniciou a maior campanha aérea que a ONU alguma vez havia lançado, para um ato eleitoral.
Sob a tutela da UNAVEM II, o PNUD contratou 40 helicópteros M-17 e 10 aviões (Antonov-26, Hércules C-130, Beechcraft e King Air), maioritariamente operados por tripulações russas. Os custos, rondando os 40 milhões de dólares (preços de 1992), foram suportados por doadores internacionais. Tudo isto a somar aos já existentes 14 helicópteros e dos 2 aviões que a UNAVEM II operava normalmente em Angola.
Contudo, o planeamento e gestão da actividade de todos estes meios aéreos era um sério desafio, pelo que o PNUD solicitou a Portugal o envio de uma equipa de 10 gestores de operações aéreas para Angola.
É aqui que começa esta estória de missão, que levou dez oficiais da Força Aérea Portuguesa, ao serviço da ONU, a participar no apoio ao ato eleitoral angolano.
Às 18H20 do dia 16 de Setembro de 1992, um C-130 da Força Aérea descolou do aeroporto militar de Figo Maduro (Aeródromo de Trânsito N.º1), com destino a Luanda. Levava como passageiros um grupo de 5 Pilotos Aviadores e 5 Controladores de Tráfego Aéreo, com a finalidade de apoiar o PNUD na organização da campanha aérea para as eleições angolanas. A viagem irá durar 21 horas, com duas paragens, de uma hora cada, para reabastecimento, em Cabo Verde e em São Tome e Príncipe.
Aeroporto de Luanda

Quando chegámos a Luanda, o C-130 manobrou sobre a Cidade, a fim de se posicionar melhor para a aterragem, permitindo-nos observar a verdadeira dimensão da urbe. Para além da zona da baía e do centro da Cidade, com os seus edifícios altos, avenidas amplas e bairros de bonitas vivendas coloniais, a grande Luanda estendia-se a perder de vista num enorme musseque.
Era naquele caos, constituído por trilhos sinuosos de construções térreas feitas de barro, que viviam mais de 70% dos 2 milhões de habitantes de Luanda. Sob a nossa asa esquerda apareceram os restos queimados de uma refinaria, testemunhos da recente guerra civil. 
Cartoon do autor
Durante a aterragem conseguiu-se observar que o aeroporto estava militarizado, com muitas antenas de radar, e outros equipamentos com aspecto bélico distribuídos entre as placas e as pistas. Contudo, aquilo que mais atraiu a atenção, foi um conjunto de três veículos enferrujados que jaziam para além da soleira da pista. Eu reconhecia aquelas máquinas, mas não conseguia ligar o objecto com o local ou a função.
Quando desembarcámos, éramos gentilmente aguardados por uma delegação da Embaixada Portuguesa em Luanda. Perguntei-lhes o que eram aqueles equipamentos estranhos no final da faixa. Foi-me respondido que eram “limpa-neves”, oferecidos pela ajuda Soviética.
-“Limpa neves? Em Luanda?” - Perguntei contendo o riso, para não ofender os presentes.
Alegadamente, para os Soviéticos, qualquer aeroporto que se preze teria de estar dotado com limpa-neves. A localização geográfica era um mero detalhe.
Claro que aquelas máquinas nunca foram usadas e apodreceram no local onde tinham sido descarregadas.
Durante uma curta, estadia em Luanda, recebemos a explicação um pouco mais detalhada sobre o que nos era solicitado. Iríamos operar isolados uns dos outros, cobrindo a maior quantidade de território angolano possível.
Calhou-me em sortes a (enorme) Província do Moxico, no extremo Leste do País, com sede em Luena (a antiga cidade do Luso).
No dia seguinte, fomos enviados aos nossos destinos. 




(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)




Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração.
Bem Haja.

1 comentário:

  1. Ora, um Especialista da minha área com um óptimo relato da época!...Venha o livro! Os meus parabéns. Vítor Oliveira

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