(ficção sobre factos reais)
AB4 Esquadra operacional |
Henrique de Carvalho, manhã de Sexta-Feira, Dezembro de 1971, andava no ar um cheiro a Natal, levantara-me cedo, entrava de serviço na cifra às 08H00 Zulo, num turno de 8 horas que acabaria pelas 16H00, imbuído do espírito mercantil da coisa, assobiava uma canção de época quando entrei na sala de despacho e cumprimentei os presentes a caminho do "cofre", nome porque era conhecido o espaço onde se processava todo o trabalho e arquivo de mensagens originadas e recebidas nos vários sistemas de cifra operados pela FAP.
O operador que ia sair de turno passou-me o serviço e comecei imediatamente a trabalhar. Pelas 10H00 da manhã, veio uma mensagem do CEMGFA, (traduzindo) "Chefe do Estado Maior General da Força Aérea" com prioridade "Zulo", como estava sozinho deixei o que estava a fazer e imediatamente comecei a decifrá-la; à medida que ia introduzindo os grupos de cinco letras aleatórias, a máquina ia processando a descodificação e imprimindo numa fita de papel a respectiva classificação, "Muito Secreto" e o texto, como era regra ia deitando um olho à fita para verificar se saía tudo limpo de erros e compreensível, quando surgiu o meu nome, parei para ler tudo que tinha saído até ao momento e fiquei de olhos colados no texto, lendo e voltando a ler "ordeno a apresentação imediata do 1º CB OPC 507/EP, no Comando da 2ª Região Aér..." introduzi o resto dos grupos da mensagem e não fiquei esclarecido, só me ordenavam a apresentação, não diziam (para, nem porquê?) grande caldinho me tinham arranjado, era com certeza o efeito dos registos que efectuara no "LRO" (traduzindo) Livro de Registo de Ocorrências, que como o próprio nome indicava servia para registar tudo o que de anormal se passasse durante os turnos, quer do posto de rádio, quer da sala de despacho, quer da cifra.
E que sempre que era utilizado para registar outra coisa que não fosse o protocolar "nada a declarar" tinha que ir ao Comandante da Base, para ele tomar conhecimento. Agora era tarde para medos e lamurias, escrevera vários registos, tinha de assumir por inteiro a responsabilidade sobre os mesmos.
Como o sargento não estava presente, telefonei para o Gabinete do Comandante, avisando que tinha serviço "Muito Urgente" para entregar, como o mesmo não estava, pedi ao Oficial de Dia que o localizasse e me avisasse para assim que ele estivesse presente, lhe fosse levar o serviço...
Quando entrei no Gabinete, e lhe entreguei a mensagem aguardando que a lesse para saber se haveria resposta, fui vendo a sua reacção, até que ele me disse: tem consciência do que se passou para o mandarem apresentar-se imediatamente?
Respondi convicto: não Meu Comandante.
Ele adiantou: tenho assuntos a resolver em Luanda, eu mesmo o levo, esteja na placa às 14H00, está dispensado do serviço.
Rumei à camarata, meti várias mudas de roupa, umas latas de atum, um rolo de papel higiénico, o estojo da barba, o "aftershave" e o desodorizante, todo o dinheiro que tinha e a máquina fotográfica na mochila, e zarpei para o bar para almoçar e aguardar o transporte.
Beechcraft 2521 - foto de Alfredo Anacleto Santos |
Às 13H50, já estava junto ao 2521, para espanto do MMA, que preparava o avião, ainda antes da hora, comecei a ver três oficiais a vir na nossa direcção, um deles era o Adjunto do Comando e nosso Capitão, estava mesmo feito num oito. No bar todos os meus companheiros me perguntaram porque é que eu tinha ido entregar serviço e não voltara, o Capitão anunciara em alto e bom som, que desta vez eu não escapava ao máximo da sua competência, mas como eu não dei qualquer explicação, todos foram unânimes em dizer-me: tu é que sabes, vais ver na volta o que te espera... aguardei sereno com o coração apertado.
Cumprimentei-os fazendo a continência, o Comandante, mandou-me pôr à vontade e que entrasse depois deles, aguardei que o Capitão também entrasse e ele desabridamente, mandou-me entrar, e voltou costas ao avião, peguei na mochila perante o espanto do cabo MMA e acomodei-me no interior do avião... Acomodei-me num dos acentos e adormeci ao som do ronronar dos motores, dormir era a melhor forma de deixar correr o tempo, acordei por diversas vezes e a última com o baixar do trem de aterragem, à vista a cidade de Luanda banhada por um Sol tropical saudava-nos.
P2V5 na BA9 - foto de Amável Silva |
Quando a porta se abriu, saí para a placa, e aguardei na expectativa de ver se alguém me dizia o que fazer... o Comandante saiu e ordenou-me que me dirigisse ao P2-V5 que estava estacionado na placa em frente do Hangar, peguei na mochila fiz a continência e lá segui pouco convencido se aquilo seria boa ou má ideia. Quando me aproximava do avião, um 1º. Sargento gritou-me de longe, ó nosso cabo, mexa-me essas pernas que já estamos atrasados...
Entrei no avião e perguntei para onde é que íamos? E ele de passagem atirou-me: para casa, arranje lá atrás um sítio onde se aboletar e não mexa em nada. Olhei em volta, do escuro da cauda alguém me fez sinal que avançasse, quando cheguei mais perto reconheci um dos OPC'S que fizera o curso de cifra comigo, depois dos cumprimentos, disse-me que vinha da Beira, mas desconhecia o porquê da viagem, já éramos dois...
Com a mochila como travesseiro, e o sol e mergulhar no mar à nossa esquerda, estávamos a voar para Norte, portanto o que o Sargento dissera fazia sentido. Dormi intermitentemente durante horas e voltei a acordar com o trem de aterragem a descer e pela clarabóia confirmei que lá fora era tudo escuro como breu.
BA12 - Bissalanca - foto de Antonio Correia |
Aterrámos, reconheci a silhueta do aeroporto mesmo às escuras, estávamos na Guiné, só deu para esticar as pernas e voltámos a descolar rumo ao desconhecido, com mais um OPC do curso de cifra, o motivo e destino da nossa viagem continuavam a ser desconhecidos mas tinham com certeza a ver com a nossa credenciação, único elo que nos ligava.
O rumo continuava a ser Norte/Noroeste como indicava a pequena bússola que sempre me acompanhava mas o destino era tão negro como a noite, acordei várias vezes e só os companheiros de dormida é que se iam alternando, o dia já clareava quando aterrámos novamente. Ao abrir da porta um cheiro a brisa do mar, chegou-me às narinas, meti a cabeça de fora e não sabia onde estava até olhar para o lado oposto da placa e ver a silhueta de vários aviões militares americanos, estávamos nas Lajes nos Açores.
Uma viatura aproximou-se e dela saiu um alferes PA, que nos perguntou os nomes, e nos mandou segui-lo, fomos directamente levados ao Oficial de Dia, que nos arranjou de comer e nos mandou regressar ali novamente, estávamos proibidos de falar com outros militares e de dizer-mos onde estávamos colocados. Voltámos mais reconfortados e finalmente tudo se esclareceu, presentes estavam o militar Israelita que nos dera o curso de cifra, e o oficial e o sargento que também tinham participado no mesmo, no Domingo 12 Dezembro, realizar-se-ia uma cimeira entre o presidente Americano, Richard Nixon e o homólogo Francês George Pompidou, para discutirem o sistema monetário internacional, sob o beneplácito de Marcelo Caetano na qualidade de anfitrião.
BA4 Lajes - foto de Afonso Palma |
A chegada de Richard Nixon, ao fundo o Concorde de Pompidou - foto DN |
A França na altura a "locomotiva" Europeia, não deixou de o vincar, levando o seu presidente até aos Açores no moderno Concorde (ainda em voos experimentais), obrigando o presidente Americano a retardar a sua chegada para efectuar a aterragem já de noite, evitando que os jornalistas presentes filmassem e fizessem comparações entre os dois meios de transporte.
E porque é que nos trouxeram de tão longe? Os três países eram membros fundadores da NATO, existiam sistemas de comunicações comuns para além dos criados especificamente para serem usados entre os exércitos da também designada Aliança Atlântica, de que nós éramos os únicos credenciados presencialmente na Força Aérea, e a situação particular da Base das Lajes a meio caminho dos dois Continentes, permitiam o isolamento e criação de condições de segurança para a realização do encontro.
Passámos três dias fechados na Base, em alerta máximo, não vi nenhum dos Presidentes, nem efectuei nenhum serviço, e no Domingo, voltei a fazer o percurso inverso, Lajes, Guiné, Luanda. Na ida tive transporte VIP, na vinda cheguei aos TAM da BA9 e foram peremptórios comigo, sem guia de marcha ninguém embarcava.
Passámos três dias fechados na Base, em alerta máximo, não vi nenhum dos Presidentes, nem efectuei nenhum serviço, e no Domingo, voltei a fazer o percurso inverso, Lajes, Guiné, Luanda. Na ida tive transporte VIP, na vinda cheguei aos TAM da BA9 e foram peremptórios comigo, sem guia de marcha ninguém embarcava.
Acabei por ter de ir ao posto de rádio pedir para falar com o operador de serviço em Carvalho, para que me autorizassem o regresso, e só uma semana depois e mais por já não me poderem ouvir, é que me deixaram embarcar no Nordatlas semanal.
Quando finalmente me apresentei no posto de rádio, tive honras de entrevista cerrada dentro da cifra pelo Capitão e Sargentos, a todas as perguntas respondi da mesma maneira, não me era permitido partilhar nada do que presenciara durante os dias que estivera ausente, a única coisa que lhes podia dizer, é que estivera em Luanda, na Guiné e nos Açores. Acabando todos os presentes por me dizerem que tudo o que eu dizia não passava de mais uma das minhas embrulhadas, talvez mais por essa que outra razão qualquer, na escala dos destacamentos, que indicava a sequência das partidas de Henrique de Carvalho, o meu nome surgiu sem qualquer justificação na substituição do operador de Neriquinha.
Neriquinha - 1972 - foto de C.Caç. 3441 |
Nunca ninguém tinha sido mandado para um primeiro destacamento para um local onde só havia um OPC e um MELEC, e nos "mentideros" do bar de especialistas, já toda a gente sabia que o MELEC que iria para Neriquinha, era um que viera comigo no mesmo avião, e que também não era muito estimado pelas chefias...
E numa segunda-feira de uma vez, lá partiram os dois problemas que infernizavam as chefias das duas Esquadras, e que podiam com o seu comportamento, dar aos recém chegados e aos que lhes se seguiriam, argumentos para sobressaírem da massa "uniforme" dos que como nós compunham a guarnição da unidade...
*Macaronésia, nome porque são conhecidas as ilhas Atlânticas do Noroeste e da Costa Africana: Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde.
Henrique de Carvalho
OPC (ACO) 1971
Em que ano é que se passou isso?
ResponderEliminarEu já não devia estar aí no AB4
Em que ano foi isso Asseiceiro?
ResponderEliminarEu já não devia estar aí no AB4.