O Boeing 8801 |
Agora que estava a ter uma vidinha de Zé Especialista e com todos os matadores, é que me estragam os planos, e os engates.
Enfim, a noticia chega a casa e aos amigos, muita comoção em casa, mas grande oportunidade para os amigos, recordo a noite anterior ao embarque, a mesa do café onde estivemos após o jantar tinha 4 ou 5 pilhas de copos de brandy/bagaço e a famosa 1920 juntamente com o Constantino.
Não foi possível dormir essa noite, às 10h00 da manhã estava à porta do AB1.
O embarque fez-se às 23h desse mesmo dia. Um dia que passou pela minha vida sem dar por ele, digamos que foi um incógnito, ainda hoje por identificar. 23h00 – E a malta em fila indiana, sob uma chuvinha de inverno e temperatura senão negativa estava perto, lá vamos embarcando e mirando o terminal com os familiares e amigos acenando, e lacrimejando, lá vamos entrando no autocarro que nos leva à placa onde o Boieng 01 (zero um - também só havia dois) nos espera de portas abertas.
A viagem foi boa. Um MMA, de quem não me recordo o nome, e amigo de café (a Nilo, em Benfica), chega perto e desafia-me para beber umas garrafinhas miniaturas que havia no avião, e lá vou eu para a parte traseira sentamo-nos nos bancos individuais da tripulação, e bota abaixo, não cheguei a ressacar da noite anterior, aliás dizem que a ressaca é o pior da bebedeira, pois confirmo que continuando a beber não se apanha ressaca.
BA9 - Luanda |
07h00 da manhã – chegada a Luanda, um calor do caraças, deviam estar a esta hora uns 23 / 24 graus, quem chega de Lisboa com 2 ou 3 graus e apanha esta chapada de ar quente, então é que a ressaca apareceu, e de que maneira... após as formalidades de desembarque o pequeno almoço no espectacular clube de especialistas da B.A. 9, digo espectacular e quem tenha por lá passado deve certamente confirmar. Surpresa para mim, e ainda hoje me questiono porque não fui praxado em Luanda. Bom não fui em Luanda, mas em Henrique Carvalho desforraram-se.
Aguardando uns dias para obter colocação, e dando umas voltas por Luanda, não podia deixar de ser guiado pela malta a fazer a ronda dos bares americanos. Quem chega da metrópole e só conhece os bares do Cais do Soda, que era o meu caso, fica de boca aberta com tantas e tão boas – louras e morenas, mulatas ou mais escurinhas, enfim um deleite para as vistinhas. Se tinha guardado alguns trocos para as primeiras impressões, evaporaram-se, e tive de ir jogar umas lerpas para poder sustentar-me até vir a colocação. Não fui muito feliz na lerpa, mas safei-me no King e no Poker ainda deu para uma semanita de cerveja e gajas.
Finalmente lá fui informado que ia para o Leste, assim à
primeira vista, não foi muito agrado do cá do rapaz, mas que havia de fazer? Numa manhã de verão abrasador lá me enfiaram no Barriga de Ginguba, e digo foi uma viagem que nem turista estrangeiro, primeira escala Lumbala, e depois todas as paragens até ao AB4, parecia o comboio correio, com paragens em todas as estações e apeadeiros.
"Barriga de ginguba" |
Na chegada ao AB4, se tinha antes ficado espantado com o clube de especialista de Luanda, agora é que fiquei mesmo de queixo caído, o nosso clube era de facto uma maravilha, um jantar servido com o maior requinte, os funcionários civis de camisa branca e laço – onde estamos?
A messe |
E o Clube de Especialistas - fotos de Azuil Jacinto |
Num restaurante cá da terra? Nah....Nah era mesmo o nosso clube, aqui quero deixar os maiores e muito sinceros cumprimentos a toda a malta que mantinha aquele clube a funcionar, as recordações desse clube tanto à chegada como no regresso são inesquecíveis, (praxe incluída), e toda a malta era do melhor que a Nação produziu, jovens com todos os defeitos e virtudes da idade – estamos a falar de malta com 19 – 20 – 21 anos, e que lições que alguns me deram de maturidade, responsabilidade e também de como se apanham grandes besanas.
Tudo isto me parece característico de uma juventude que iniciou a sua fase adulta combatendo.
Em Henrique de Carvalho pelo pouco tempo que lá estive pareceu-me que se exigia responsabilidades, mas também existia liberdade adequada à juventude deste pessoal. Quero referir o meu grande amigo Morais OPC, como eu, e da mesma recruta, que me fez as apresentações tanto no posto de rádio, como pela cidade.
Inesquecíveis momentos. Aqui fica um abraço de amigo dedicado para o Morais.
Após uns dias (talvez uma semana) a partida para o ARLuso (AM44). Alguns companheiros não sei se a sério, ou a picar o maçarico diziam-me: eh pá tás lixado – no Luso o cmdt., é f*dido, vais de certeza apanhar umas porradas – referiam-se ao Ten. Cor. Sachetti, com quem nunca tive o menor desentendimento, excepto claro umas quantas chamadas de atenção para o cabelo, dizia ele : - tá na hora de passar pela barbearia.
República dos Táriráris |
Agora uma menção muito especial para todos os que passaram na “República dos Táriráris”. Não posso nomear todos, nem sequer a maior parte, mas vejamos de quem me lembro...Zé Galo (alentejano), Dylan, Neves (a quem fui substituir), Garção (tripulação Dakota - Portalegre), Moutinho, Shorty (tripulação Dakota, Porto), Ribeiro (Guiné), Mango(Guiné), Brazão(Madeirense), Roque ( Voltou ao “puto” para frequentar curso Pil.), Sousa (Maçorra), Zé Almeida (natural do Luso e grande amigo), Soares (Porto), Aguiar (jogador de baskett do FCP, Porto), e naturalmente as chefias 1º. Sarg. Sereno, 1º. Sarg. Martins (cripto) e o grande chefe Ten. Manique, pessoa de grande carácter, e provadas qualidades de comando.
O primeiro jantar no Luso, foi “à pála” do maçarico, na hora aprazada e depois de terem sido enviadas msgs. para todos os “táriráris”, disseram-me que iam mostrar-me o pitoresco da cidade, ao sair da república nem 50mts andei, e logo me disseram que um dos sítios mais pitorescos era mesmo ali, o restaurante Noite e Dia, pertença dum Famalicense, de quem ainda hoje relembro com nostalgia – o Martins. Pois e lá fomos entrando e o amigo Martins de pronto vai de juntar umas mesas para o pessoal que parecia que não comia desde que embarcou para o ultramar. Bifes de caça (pacaça ou palanca ou javali, ou em alternativa também podiam ser de vaca....), bons e memoráveis momentos.
Cuito Cuanavale |
Se bem me recordo, dois destacamentos no Cuito, onde tive o prazer de privar com o Cap. Gamboa, excelente piloto, que devido a lesão na coluna não estava apto para voar, e que ao “sobe e desce” me levou mais de 50 paus, não tem mal, porque talvez por sentimento de culpa me emprestava o jipe, para irmos á vila, fazer as nossas jantaradas de caça.
Recordo igualmente as viagens ao Runtu, base dos primos, de onde vinham os operacionais para destacamento.
Dois em Gago Coutinho, onde encontrei a figura mais castiça que conheço o Sr. Pita-Groz, responsável pelas infraestruturas da FAP. Prato especial confeccionado por ele – mioleira de cão. Sorte a minha não gostar de mioleira senão tinha marchado, tal como aconteceu com outros. Saudações ao cúmplice Luciano, do exército que nos apresentava após o jantar uma dádiva caída dos céus, o Néscafé, cafézinho em destacamento era luxo. Três em N´Riquinha. Saudações ao Fur. Cunha da “pacaça”, exímio fotografo com sala de revelação e muito talento.
As operações com os primos (sul-africanos), eram sempre de caixão à cova, whisky, aguardente de cana, bagaço de batata ou arroz, de tudo um pouco, no final o Norte era Sul e o Oeste passava para Este. Eles tinham uns comprimiditos que eram miraculosos, ao deitar tomar um, segundo a prescrição, e de manhã nada se tinha passado.
Aqui deixo também a meu respeito e apreço ao Alferes Cavaleiro, oficial da Academia julgo eu, a sua postura e liderança, eram a de um verdadeiro militar de carreira.
Recordo igualmente as viagens ao Runtu, base dos primos, de onde vinham os operacionais para destacamento.
Eduardo Pita-Groz |
As operações com os primos (sul-africanos), eram sempre de caixão à cova, whisky, aguardente de cana, bagaço de batata ou arroz, de tudo um pouco, no final o Norte era Sul e o Oeste passava para Este. Eles tinham uns comprimiditos que eram miraculosos, ao deitar tomar um, segundo a prescrição, e de manhã nada se tinha passado.
João Cavaleiro |
E assim, nesta cadência chega o 25 de Abril.
Noite de 26 para 27 eu e o amigo Lourenço (da Arábia), meu vizinho em Benfica, estamos sentados no posto de rádio aí pelas 2/3h da manhã, com o nosso Cmdt. Ten Cor. Sachetti sentado na secretária da recepção, recebendo os comunicados do MFA. Ambos mirando as suas reacções. O Homem estava calmissimo, apenas ordenava que não se distribuísse, nem se falasse, nestes comunicados sem autorização superior, que isto seria como o avanço das Caldas, não ia dar nada. Aí pelas 06h30 da matina já toda a malta andava a perguntar o que se passava, pouco depois aí pelas 7h30 durante o pequeno almoço, já se discutia a democracia, a liberdade, as benesses do socialismo e os malefícios do capitalismo...sem saber, nem sonhar no que viria a dar...
Noite de 26 para 27 eu e o amigo Lourenço (da Arábia), meu vizinho em Benfica, estamos sentados no posto de rádio aí pelas 2/3h da manhã, com o nosso Cmdt. Ten Cor. Sachetti sentado na secretária da recepção, recebendo os comunicados do MFA. Ambos mirando as suas reacções. O Homem estava calmissimo, apenas ordenava que não se distribuísse, nem se falasse, nestes comunicados sem autorização superior, que isto seria como o avanço das Caldas, não ia dar nada. Aí pelas 06h30 da matina já toda a malta andava a perguntar o que se passava, pouco depois aí pelas 7h30 durante o pequeno almoço, já se discutia a democracia, a liberdade, as benesses do socialismo e os malefícios do capitalismo...sem saber, nem sonhar no que viria a dar...
Em Fevereiro ou Março de 75 o acontecimento mais marcante da minha estada, a batalha do Luso.
Mortos devem ter sido qualquer coisa a rondar os 200,(milícias dos partidos, de brancos não tenho conhecimento, mas talvez tivesse havido algumas baixas) comentou-se que seriam para cima de 400, mas pelo que vi ao serem baixados à terra numa vala comum perto de Sacassange, por uma maquina de terraplanagem, o meu numero não deve estar muito longe da verdade.
Safou-nos um B26 enviado de Luanda, que amedrontou, ao que parece, os combatentes dos partidos, durou este combate umas boas 16 / 18 horas.
Mortos devem ter sido qualquer coisa a rondar os 200,(milícias dos partidos, de brancos não tenho conhecimento, mas talvez tivesse havido algumas baixas) comentou-se que seriam para cima de 400, mas pelo que vi ao serem baixados à terra numa vala comum perto de Sacassange, por uma maquina de terraplanagem, o meu numero não deve estar muito longe da verdade.
B26 |
E assim chegámos a 75 ano da minha retirada do Leste, regresso ao AB4, onde durante a comissão fui por duas ou três vezes sempre recebido de forma muito cordial e com grande amizade pelo velho e sempre amigo Morais, visitei a sua casa na cidade, que julgo compartilhava com outros companheiros.
Toda a gente estava a preparar-se para a partida, muita actividade para desactivar a nossa base, muita ansiedade para o regresso a casa.
Luanda de novo, onde fui uma única vez durante toda a comissão, é claro de boleia do Dakota. A imponente BA9 com toda a azafama duma grande base. Muito diferente do Luso, onde as coisas caminhavam ao seu próprio ritmo, sem stress...e umas cervejitas ao fim da tarde, para aperitivo.
Por fim e depois de uns dias em Luanda, com os amigos Brazão e Freitas ambos madeirenses, fizemos as nossas despedidas aos conhecidos bares americanos. Nesses dias pouco dormimos, eram tempos de comemoração. Finalmente a partida, 03h00 da manhã do último dia em Angola, chegada a Lisboa para almoçar.
O resto é história, colocação no EMFA, por pouco tempo, onde estava aquando do 25 de Novembro, e a tentativa de ocupação do edificio pelas “Páras”, saudações ao Abilio companheiro com quem contactei recentemente, e finalmente o Iberlant.
A peluda chegou no AB1. Recordação do Sarg. Aj. Bicudo, açoreano e militar de outros tempos, proveniente da marinha, o 1º. Sarg. Mesquita que dormia de vez em quando na relva de regresso dos Bombeiros, e por fim as memoráveis “lerpas”, no canil dos Páras (cinotecnia como agora se chama), e o cão que de vez em quando ficava sem pequeno almoço, porque durante a noite a jogar “lerpa” a fomeca apertava e não havia nada, a não ser os cinotecnicos bifes. Um óptimo final, quase como no inicio, passeios pelo aeroporto, “galanços” nas hospedeiras, mas tudo muito diferente, o edifício, as estruturas, já não existia o 115, a modernidade instalou-se, tal como as amplas liberdades.
Em rodapé deixo o muito respeito que mantenho por todos os especialistas, que como eu, serviram a Nação, e que nunca por vencidos se conheceram.
Igualmente as mais sinceras desculpas, a todos que não mencionei, não por falta de consideração nem por detrimento, mas apenas por falhas de memória, em que a idade e a própria vida são contribuintes.
Por:
Sem comentários:
Enviar um comentário