sexta-feira, 18 de março de 2016

A MINHA "IDA" A ANGOLA

O Boeing 8801
Um mês e pouco após a chegada ao CCIVM (Centro de Controle e Informação de Voo Militar) na Portela AB1 – Figo Maduro, mobilização para Angola. 
Agora que estava a ter uma vidinha de Zé Especialista e com todos os matadores, é que me estragam os planos, e os engates. 
Enfim, a noticia chega a casa e aos amigos, muita comoção em casa, mas grande oportunidade para os amigos, recordo a noite anterior ao embarque, a mesa do café onde estivemos após o jantar tinha 4 ou 5 pilhas de copos de brandy/bagaço e a famosa 1920 juntamente com o Constantino. 
Não foi possível dormir essa noite, às 10h00 da manhã estava à porta do AB1. 
O embarque fez-se às 23h desse mesmo dia. Um dia que passou pela minha vida sem dar por ele, digamos que foi um incógnito, ainda hoje por identificar. 23h00 – E a malta em fila indiana, sob uma chuvinha de inverno e temperatura senão negativa estava perto, lá vamos embarcando e mirando o terminal com os familiares e amigos acenando, e lacrimejando, lá vamos entrando no autocarro que nos leva à placa onde o Boieng 01 (zero um - também só havia dois) nos espera de portas abertas. 
A viagem foi boa. Um MMA, de quem não me recordo o nome, e amigo de café (a Nilo, em Benfica), chega perto e desafia-me para beber umas garrafinhas miniaturas que havia no avião, e lá vou eu para a parte traseira sentamo-nos nos bancos individuais da tripulação, e bota abaixo, não cheguei a ressacar da noite anterior, aliás dizem que a ressaca é o pior da bebedeira, pois confirmo que continuando a beber não se apanha ressaca. 
BA9 - Luanda
07h00 da manhã – chegada a Luanda, um calor do caraças, deviam estar a esta hora uns 23 / 24 graus, quem chega de Lisboa com 2 ou 3 graus e apanha esta chapada de ar quente, então é que a ressaca apareceu, e de que maneira... após as formalidades de desembarque o pequeno almoço no espectacular clube de especialistas da B.A. 9, digo espectacular e quem tenha por lá passado deve certamente confirmar. Surpresa para mim, e ainda hoje me questiono porque não fui praxado em Luanda. Bom não fui em Luanda, mas em Henrique Carvalho desforraram-se. 
Aguardando uns dias para obter colocação, e dando umas voltas por Luanda, não podia deixar de ser guiado pela malta a fazer a ronda dos bares americanos. Quem chega da metrópole e só conhece os bares do Cais do Soda, que era o meu caso, fica de boca aberta com tantas e tão boas – louras e morenas, mulatas ou mais escurinhas, enfim um deleite para as vistinhas. Se tinha guardado alguns trocos para as primeiras impressões, evaporaram-se, e tive de ir jogar umas lerpas para poder sustentar-me até vir a colocação. Não fui muito feliz na lerpa, mas safei-me no King e no Poker ainda deu para uma semanita de cerveja e gajas. 
Finalmente lá fui informado que ia para o Leste, assim à
"Barriga de ginguba"
primeira vista, não foi muito agra
do do cá do rapaz, mas que havia de fazer? Numa manhã de verão abrasador lá me enfiaram no Barriga de Ginguba, e digo foi uma viagem que nem turista estrangeiro, primeira escala Lumbala, e depois todas as paragens até ao AB4, parecia o comboio correio, com paragens em todas as estações e apeadeiros. 
Na chegada ao AB4, se tinha antes ficado espantado com o clube de especialista de Luanda, agora é que fiquei mesmo de queixo caído, o nosso clube era de facto uma maravilha, um jantar servido com o maior requinte, os funcionários civis de camisa branca e laço – onde estamos? 
A messe
E o Clube de Especialistas - fotos de Azuil Jacinto
Num restaurante cá da terra? Nah....Nah era mesmo o nosso clube, aqui quero deixar os maiores e muito sinceros cumprimentos a toda a malta que mantinha aquele clube a funcionar, as recordações desse clube tanto à chegada como no regresso são inesquecíveis, (praxe incluída), e toda a malta era do melhor que a Nação produziu, jovens com todos os defeitos e virtudes da idade – estamos a falar de malta com 19 – 20 – 21 anos, e que lições que alguns me deram de maturidade, responsabilidade e também de como se apanham grandes besanas. 
Tudo isto me parece característico de uma juventude que iniciou a sua fase adulta combatendo. 
Em Henrique de Carvalho pelo pouco tempo que lá estive pareceu-me que se exigia responsabilidades, mas também existia liberdade adequada à juventude deste pessoal. Quero referir o meu grande amigo Morais OPC, como eu, e da mesma recruta, que me fez as apresentações tanto no posto de rádio, como pela cidade. 
Inesquecíveis momentos. Aqui fica um abraço de amigo dedicado para o Morais. 
Após uns dias (talvez uma semana) a partida para o ARLuso (AM44). Alguns companheiros não sei se a sério, ou a picar o maçarico diziam-me: eh pá tás lixado – no Luso o cmdt., é f*dido, vais de certeza apanhar umas porradas – referiam-se ao Ten. Cor. Sachetti, com quem nunca tive o menor desentendimento, excepto claro umas quantas chamadas de atenção para o cabelo, dizia ele : - tá na hora de passar pela barbearia. 
República dos Táriráris
Agora uma menção muito especial para todos os que passaram na “República dos Táriráris”. Não posso nomear todos, nem sequer a maior parte, mas vejamos de quem me lembro...Zé Galo (alentejano), Dylan, Neves (a quem fui substituir), Garção (tripulação Dakota - Portalegre), Moutinho, Shorty (tripulação Dakota, Porto), Ribeiro (Guiné), Mango(Guiné), Brazão(Madeirense), Roque ( Voltou ao “puto” para frequentar curso Pil.), Sousa (Maçorra), Zé Almeida (natural do Luso e grande amigo), Soares (Porto), Aguiar (jogador de baskett do FCP, Porto), e naturalmente as chefias 1º. Sarg. Sereno, 1º. Sarg. Martins (cripto) e o grande chefe Ten. Manique, pessoa de grande carácter, e provadas qualidades de comando. 
O primeiro jantar no Luso, foi “à pála” do maçarico, na hora aprazada e depois de terem sido enviadas msgs. para todos os “táriráris”, disseram-me que iam mostrar-me o pitoresco da cidade, ao sair da república nem 50mts andei, e logo me disseram que um dos sítios mais pitorescos era mesmo ali, o restaurante Noite e Dia, pertença dum Famalicense, de quem ainda hoje relembro com nostalgia – o Martins. Pois e lá fomos entrando e o amigo Martins de pronto vai de juntar umas mesas para o pessoal que parecia que não comia desde que embarcou para o ultramar. Bifes de caça (pacaça ou palanca ou javali, ou em alternativa também podiam ser de vaca....), bons e memoráveis momentos. 
Cuito Cuanavale
Depois vem a verdadeira comissão, destacamentos no Cuito Cuanavale, foi o 1º. para não lesionar logo à chegada, depois Gago Coutinho, para me ambientar, e finalmente N´Riquinha. 
Se bem me recordo, dois destacamentos no Cuito, onde tive o prazer de privar com o Cap. Gamboa, excelente piloto, que devido a lesão na coluna não estava apto para voar, e que ao “sobe e desce” me levou mais de 50 paus, não tem mal, porque talvez por sentimento de culpa me emprestava o jipe, para irmos á vila, fazer as nossas jantaradas de caça. 
Recordo igualmente as viagens ao Runtu, base dos primos, de onde vinham os operacionais para destacamento. 
Eduardo Pita-Groz 
Dois em Gago Coutinho, onde encontrei a figura mais castiça que conheço o Sr. Pita-Groz, responsável pelas infraestruturas da FAP. Prato especial confeccionado por ele – mioleira de cão. Sorte a minha não gostar de mioleira senão tinha marchado, tal como aconteceu com outros. Saudações ao cúmplice Luciano, do exército que nos apresentava após o jantar uma dádiva caída dos céus, o Néscafé, cafézinho em destacamento era luxo. Três em N´Riquinha. Saudações ao Fur. Cunha da “pacaça”, exímio fotografo com sala de revelação e muito talento. 
As operações com os primos (sul-africanos), eram sempre de caixão à cova, whisky, aguardente de cana, bagaço de batata ou arroz, de tudo um pouco, no final o Norte era Sul e o Oeste passava para Este. Eles tinham uns comprimiditos que eram miraculosos, ao deitar tomar um, segundo a prescrição, e de manhã nada se tinha passado. 
João Cavaleiro
Aqui deixo também a meu respeito e apreço ao Alferes Cavaleiro, oficial da Academia julgo eu, a sua postura e liderança, eram a de um verdadeiro militar de carreira. 
E assim, nesta cadência chega o 25 de Abril.
Noite de 26 para 27 eu e o amigo Lourenço (da Arábia), meu vizinho em Benfica, estamos sentados no posto de rádio aí pelas 2/3h da manhã, com o nosso Cmdt. Ten Cor. Sachetti sentado na secretária da recepção, recebendo os comunicados do MFA. Ambos mirando as suas reacções. O Homem estava calmissimo, apenas ordenava que não se distribuísse, nem se falasse, nestes comunicados sem autorização superior, que isto seria como o avanço das Caldas, não ia dar nada. Aí pelas 06h30 da matina já toda a malta andava a perguntar o que se passava, pouco depois aí pelas 7h30 durante o pequeno almoço, já se discutia a democracia, a liberdade, as benesses do socialismo e os malefícios do capitalismo...sem saber, nem sonhar no que viria a dar... 
Em Fevereiro ou Março de 75 o acontecimento mais marcante da minha estada, a batalha do Luso. 
Mortos devem ter sido qualquer coisa a rondar os 200,(milícias dos partidos, de brancos não tenho conhecimento, mas talvez tivesse havido algumas baixas) comentou-se que seriam para cima de 400, mas pelo que vi ao serem baixados à terra numa vala comum perto de Sacassange, por uma maquina de terraplanagem, o meu numero não deve estar muito longe da verdade. 
B26
Safou-nos um B26 enviado de Luanda, que amedrontou, ao que parece, os combatentes dos partidos, durou este combate umas boas 16 / 18 horas. 
E assim chegámos a 75 ano da minha retirada do Leste, regresso ao AB4, onde durante a comissão fui por duas ou três vezes sempre recebido de forma muito cordial e com grande amizade pelo velho e sempre amigo Morais, visitei a sua casa na cidade, que julgo compartilhava com outros companheiros. 
Toda a gente estava a preparar-se para a partida, muita actividade para desactivar a nossa base, muita ansiedade para o regresso a casa. 
Luanda de novo, onde fui uma única vez durante toda a comissão, é claro de boleia do Dakota. A imponente BA9 com toda a azafama duma grande base. Muito diferente do Luso, onde as coisas caminhavam ao seu próprio ritmo, sem stress...e umas cervejitas ao fim da tarde, para aperitivo. 
Por fim e depois de uns dias em Luanda, com os amigos Brazão e Freitas ambos madeirenses, fizemos as nossas despedidas aos conhecidos bares americanos. Nesses dias pouco dormimos, eram tempos de comemoração. Finalmente a partida, 03h00 da manhã do último dia em Angola, chegada a Lisboa para almoçar. 
O resto é história, colocação no EMFA, por pouco tempo, onde estava aquando do 25 de Novembro, e a tentativa de ocupação do edificio pelas “Páras”, saudações ao Abilio companheiro com quem contactei recentemente, e finalmente o Iberlant. 
A peluda chegou no AB1. Recordação do Sarg. Aj. Bicudo, açoreano e militar de outros tempos, proveniente da marinha, o 1º. Sarg. Mesquita que dormia de vez em quando na relva de regresso dos Bombeiros, e por fim as memoráveis “lerpas”, no canil dos Páras (cinotecnia como agora se chama), e o cão que de vez em quando ficava sem pequeno almoço, porque durante a noite a jogar “lerpa” a fomeca apertava e não havia nada, a não ser os cinotecnicos bifes. Um óptimo final, quase como no inicio, passeios pelo aeroporto, “galanços” nas hospedeiras, mas tudo muito diferente, o edifício, as estruturas, já não existia o 115, a modernidade instalou-se, tal como as amplas liberdades. 

Em rodapé deixo o muito respeito que mantenho por todos os especialistas, que como eu, serviram a Nação, e que nunca por vencidos se conheceram. 
Igualmente as mais sinceras desculpas, a todos que não mencionei, não por falta de consideração nem por detrimento, mas apenas por falhas de memória, em que a idade e a própria vida são contribuintes.

Por:

Sem comentários:

Enviar um comentário