No interior deste avião, não sei se o silêncio era absoluto. O barulho dos dois motores em estrela ficava fora, na madrugada que clareava a cor prata do 2519. Os meus colegas pesavam o silêncio, a viagem não era um passeio agradável.
No interior desse avião, eu estava a acabar. O meu corpo extinguia-se por dentro, as hemorragias eram fatais, a perna esquerda e algumas costelas fracturadas eram o menos, o meu cérebro adormecido – sonharia com palmeiras? – acordou uma vez durante a viagem – lembro-me de rostos indecifráveis que me olhavam de cima.
O dia amanheceu cedo, no Leste de Angola, do ar do AB 4 para o ar da vila do Luso, o rumo era o hospital militar. O dia 9 de Maio de 1970.
O Beech deve ter-se feito à pista conforme os procedimentos, no interior da minha mente, como no interior do avião, nada, silêncio.
Recobrei os sentidos na mesa de operações, para voltar a entrar num túnel.
Voltei da anestesia geral horas depois, regressei das mãos de Deus e do cirurgião militar, há quarenta e quatro anos.
Aquele Beech (na foto estacionado na placa do AB4, Henrique de Carvalho), não sei hoje onde está, talvez sucata apaixonada, não sei que voos fará, de certeza só nas nossas memórias, dos que ainda vivem.
© João Tomaz Parreira
Boa malha,dos fracos não reza a estória.Muita saúde.
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