Tirar fotografias “para mais tarde recordar”, era um dos clássicos passatempos a que nos entregávamos apaixonadamente, o reverso é que nos destacamentos mais isolados não havia nenhuma possibilidade de revelar e imprimir as tão desejadas fotos, e na maior parte dos casos os negativos perdiam qualidade.
Em Gago Coutinho, existia um fotógrafo que supria essa falta, mas a qualidade dos banhos “revelador e fixador”, para não falar mal do “fotógrafo”, deveriam ser muito deficientes pois passado pouco tempo as fotos desapareciam ou ficavam sem qualquer qualidade.
Numa dessas idas à vila para fazer algumas compras e ver se revelava um rolo, fomos no camião das obras aproveitando a ida do mesmo ao rio Nhengo, para carregar areia.
Na volta, resolvemos ir beber umas cervejas e o condutor, o 1º. cabo Lamares, levou-nos directos ao “Bar Americano”. Não me perguntem o porquê do nome pomposo para uma construção com quatro pilares, um telhado de chapas de zinco, e paredes formadas por grades de cerveja, sem porta ou cadeiras, mas com muitas “mininas” muita confusão e música “autóctone” acima dos decibéis recomendados por um qualquer otorrinolaringologista.
Numa dessas idas à vila para fazer algumas compras e ver se revelava um rolo, fomos no camião das obras aproveitando a ida do mesmo ao rio Nhengo, para carregar areia.
Na volta, resolvemos ir beber umas cervejas e o condutor, o 1º. cabo Lamares, levou-nos directos ao “Bar Americano”. Não me perguntem o porquê do nome pomposo para uma construção com quatro pilares, um telhado de chapas de zinco, e paredes formadas por grades de cerveja, sem porta ou cadeiras, mas com muitas “mininas” muita confusão e música “autóctone” acima dos decibéis recomendados por um qualquer otorrinolaringologista.
Entrámos animados, sob o olhar guloso das presentes, e da luz esfuziante do exterior, passámos a uma penumbra amarelada e poeirenta, coada pelas garrafas vazias das grades das paredes, e provocada pelo bater dos pés descalços na terra batida do interior. Num dos cantos um balcão com um branco entroncado, a atirar para o barrigudo, careca, com uma camisola interior de alças outrora branca, que nos perguntou o que queríamos beber.
Pedimos Nocais, e ele virou-se para uma arca que tinha por detrás, retirou as cervejas e uma a uma foi retirando as caricas não de qualquer forma conhecida, mas apanhando o rebordo rugoso com as falanges das articulações dos dedos médio e anelar da mão direita, depois de tirar as caricas, voltou a colocá-las entre os mesmos dedos e dobrou-as ao meio e ainda não satisfeito voltou a repetir a operação e a dobrá-las novamente, atirando-as por cima do ombro direito para uma pilha existente ao lado da arca no chão de terra batida.
Tudo sem aparentar o mínimo esforço ou desconforto, olhando-nos nos olhos e atirando num tom neutro, “mais alguma coisa”? Os nossos olhos estavam pregados naqueles dois trambolhos, calosamente deformados por anos de maus tratos, só me ocorreu perguntar-lhe onde poderia comprar tabaco, sem me responder, apontou uma porta interior que dava para uma “quitanda” comum em todas as povoações do leste de Angola onde se vendia de tudo.
Levei a Nocal comigo, não ia meter a boca no gargalo de uma garrafa afagado por uma mão daquelas, e de caminho entornei alguma da cerveja e limpei o gargalo na fralda da camisa, cruzei a porta e o cheiro mudou do perfume barato das "mininas", para o de peixe seco e outras iguarias, olhei em volta deslumbrado, do chão até ao tecto, pilhas de alguidares de plástico, peças de fazenda, ferramentas e sacas com os mais variados cereais e leguminosas enchiam todo o espaço visível, passei os olhos pelas prateleiras mais altas, e num canto mais escuro e distante, dois vultos chamaram-me a atenção, o meu coração disparou e aproximei-me curioso, aquelas latas vermelhas com desenhos e letras douradas, eram exactamente iguais às da fábrica “Dominguez & Dominguez”, da minha terra adoptiva, a Golegã.
Agarrei num escadote e com o coração aos pulos trepei na ânsia de não me ter enganado, como é que era possível, duas latas de cinco quilos cada, do melhor pimentão que se fabricava no Ribatejo, estarem ali, no “cu de judas” à minha espera, desci com os olhos marejados de lágrimas, mais carregado que subira, e perguntei ao espantado moleque que estava atrás do balcão quanto era pelas duas latas, ele não sabia e berrei-lhe “vai perguntar ao patrão, molenga!” como ele demorasse, atravessei novamente a porta de ligação com uma lata debaixo de cada braço, na certeza que dali já não sairiam. O careca, olhou-me com o mesmo ar de espanto com que eu assistira ao retirar das caricas das Nocais, e atirei-lhe por cima da música, quanto custam as duas latas?
Ele balbuciou, não sei! Tenho de procurar a lista dos preços que o antigo dono tinha quando lhe comprei o negócio, e não sei se a vou encontrar. Não desisti, aproximei-me ainda mais do balcão e disse-lhe: olhe amigo, a fábrica que faz esta preciosidade é ao fim da minha rua lá na terrinha, se verificar no fundo da lata, terá a data de validade e o preço recomendado, e enquanto falava, virei uma das latas em cima do balcão e terminei, dou-lhe o dobro do que lá estiver escrito.
Ele olhou-me nos olhos e retorquiu, são suas, quando fizerem um churrasco, convidem-me e ficamos pagos, demos um aperto de mãos e viemos embora rapidamente, esquecendo a música e as “mininas”, não fosse o fulano mudar de ideias e eu ter de devolver as minhas queridas latas de pimentão, que iriam fazer as delícias do meu amigo civil, Eduardo Pita-Groz.
Dali em diante tudo o que fosse comida, levaria pimentão, da sopa à sobremesa...
Pedimos Nocais, e ele virou-se para uma arca que tinha por detrás, retirou as cervejas e uma a uma foi retirando as caricas não de qualquer forma conhecida, mas apanhando o rebordo rugoso com as falanges das articulações dos dedos médio e anelar da mão direita, depois de tirar as caricas, voltou a colocá-las entre os mesmos dedos e dobrou-as ao meio e ainda não satisfeito voltou a repetir a operação e a dobrá-las novamente, atirando-as por cima do ombro direito para uma pilha existente ao lado da arca no chão de terra batida.
Tudo sem aparentar o mínimo esforço ou desconforto, olhando-nos nos olhos e atirando num tom neutro, “mais alguma coisa”? Os nossos olhos estavam pregados naqueles dois trambolhos, calosamente deformados por anos de maus tratos, só me ocorreu perguntar-lhe onde poderia comprar tabaco, sem me responder, apontou uma porta interior que dava para uma “quitanda” comum em todas as povoações do leste de Angola onde se vendia de tudo.
Levei a Nocal comigo, não ia meter a boca no gargalo de uma garrafa afagado por uma mão daquelas, e de caminho entornei alguma da cerveja e limpei o gargalo na fralda da camisa, cruzei a porta e o cheiro mudou do perfume barato das "mininas", para o de peixe seco e outras iguarias, olhei em volta deslumbrado, do chão até ao tecto, pilhas de alguidares de plástico, peças de fazenda, ferramentas e sacas com os mais variados cereais e leguminosas enchiam todo o espaço visível, passei os olhos pelas prateleiras mais altas, e num canto mais escuro e distante, dois vultos chamaram-me a atenção, o meu coração disparou e aproximei-me curioso, aquelas latas vermelhas com desenhos e letras douradas, eram exactamente iguais às da fábrica “Dominguez & Dominguez”, da minha terra adoptiva, a Golegã.
Agarrei num escadote e com o coração aos pulos trepei na ânsia de não me ter enganado, como é que era possível, duas latas de cinco quilos cada, do melhor pimentão que se fabricava no Ribatejo, estarem ali, no “cu de judas” à minha espera, desci com os olhos marejados de lágrimas, mais carregado que subira, e perguntei ao espantado moleque que estava atrás do balcão quanto era pelas duas latas, ele não sabia e berrei-lhe “vai perguntar ao patrão, molenga!” como ele demorasse, atravessei novamente a porta de ligação com uma lata debaixo de cada braço, na certeza que dali já não sairiam. O careca, olhou-me com o mesmo ar de espanto com que eu assistira ao retirar das caricas das Nocais, e atirei-lhe por cima da música, quanto custam as duas latas?
Ele balbuciou, não sei! Tenho de procurar a lista dos preços que o antigo dono tinha quando lhe comprei o negócio, e não sei se a vou encontrar. Não desisti, aproximei-me ainda mais do balcão e disse-lhe: olhe amigo, a fábrica que faz esta preciosidade é ao fim da minha rua lá na terrinha, se verificar no fundo da lata, terá a data de validade e o preço recomendado, e enquanto falava, virei uma das latas em cima do balcão e terminei, dou-lhe o dobro do que lá estiver escrito.
Ele olhou-me nos olhos e retorquiu, são suas, quando fizerem um churrasco, convidem-me e ficamos pagos, demos um aperto de mãos e viemos embora rapidamente, esquecendo a música e as “mininas”, não fosse o fulano mudar de ideias e eu ter de devolver as minhas queridas latas de pimentão, que iriam fazer as delícias do meu amigo civil, Eduardo Pita-Groz.
Dali em diante tudo o que fosse comida, levaria pimentão, da sopa à sobremesa...
Gago Coutinho 1973
OPC ACO
Tenho uma vaga ideia de me ter cruzado com este camarada.Sou da zona, Carregueira, Chamusca. Abençoado pimentão - dá para entender que o Asseiceiro retornou por breves momentos à sua querida Golegã.
ResponderEliminarCaro Anómimo, viva !
EliminarAgradecidos pelos vossos comentários.
Já agora, não podemos saber quem sois realmente ?!
Abraço.
Pelos Editores
Caro António Neves
ResponderEliminarDepois de várias pesquisas na net acabei por encontrar esta referência às latas de pimentão Águia da empresa Dominguez & Dominguez, praticamente única.
Tenho uma colecão de latas antigas da qual faz parte uma dessas latas de pimentão; estou a catalogar a coleçao e procuro acrescentar alguns apontamentos sobre a história das mesmas. Como refere que a Golegã foi a sua terra de adoção pergunto-lhe se me pode dar algumas pistas sobre a empresa que produzia o pimentão Águia. É que parece ter-se evaporado...
Obrigada
Estimada Helena.
ResponderEliminarAgradecidos pela sua participação e pelo seu interesse no tema.
Esclareço, que o artigo não foi escrito por mim, mas pelo nosso companheiro JFMA, eu apenas como editor limitei-me a publicá-lo.
Vou contactá-lo via mail, informando-o deste seu comentário, pode ser que ele tenha elementos que a ajudem na sua colecçao.
Entretanto, se quiser fazer o favor de nos facultar uma foto do pimentão referido, ele ainda poderá ser incluído no artigo e ficamos-lhe gratos.
Os nossos cumprimentos.
Pelos Editores
Antonino Neves