quinta-feira, 10 de março de 2022

SÓ HÁ DUAS MACAS, SÓ POSSO LEVAR DOIS FERIDOS!


"Só há duas macas, só posso levar dois feridos!
Vai este e vai aquele." A decisão é fria, rápida e lógica. Resume-se a quem será salvo. E quem fica para resistir ou morrer.
-"Não sei se fazíamos bem. Provavelmente não. Mas tinha de ser assim. Quando éramos nós a fazer a seleção, levávamos aqueles que estavam em choque, com sinais evidentes de grandes hemorragias internas e que, se não fossem, iriam morrer pouco tempo depois." 
Rosa Serra a 13 de Março de 1968, foi para a Guiné por 13 meses. Regressou a Moçambique em 1973, para o mesmo tipo de operações, no Alto dos Macondes:
-"Foi o pior sítio onde estive. Aterrávamos em zonas de conflito, em pleno mato ou aquartelamentos. Quando chegávamos raramente ouvíamos tiros, porque já tinham feito a limpeza. Mas, numa guerra, tudo é inesperado e a qualquer momento podia acontecer qualquer coisa." Para a enfermeira, há um grupo de militares que tem todas as razões para estar traumatizado: -"Os que tinham de pegar nos mortos ou feridos extremamente esfacelados e levá-los para a retaguarda enquanto o homem do rádio pedia socorro." O cenário onde Rosa Serra aterrava de helicóptero era a pouca distância de onde havia os conflitos: -"Ouvia-se os bombardeiros, o helicanhão e os caças enquanto tratávamos dos feridos, que eram trazidos em unimogs ou às costas." O balanço dos mortos é grande: -"Muitos. Amigos e inimigos; civis e mulheres." Se medicava portugueses, também o fazia com inimigos: "Um deles, na Guiné, causou mais burburinho quando cheguei ao hospital porque era um chefe da guerrilha."
Não esquece aquilo que os soldados feridos evocavam:
-"Sempre pela mãe. Quando trazia alguns mortos, fazia algumas preces e ficava com problemas de consciência se me tivesse esquecido de rezar por algum. Pedia a Deus que confortasse as famílias quando soubessem o que acontecera àquele filho, marido ou namorado. Eu acho que eram corajosos, mesmo que se lamentassem mais do que os negros - que não davam um "ai" - com a dor.
Diziam: 'Meu Deus, quando a minha mãe souber que perdi uma perna!'."
texto CM e DN.

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