Edifício do Comando Operacional |
Não resisto a contar um episódio engraçado, revelador da boa camaradagem e espírito de corpo que é apanágio da Força Aérea, que tive a feliz oportunidade de assistir ao fim de poucos dias de ter chegado ao AB 4. Foi assim:
- Um dia de manhã dirigi-me ao Grupo Operacional (este órgão coordenava e determinava as operações aéreas para o esforço da guerra em colaboração com as forças terrestres), a fim de consultar os mapas geográficos da região para apoiar o meu trabalho topográfico.
O comandante do Grupo era o então capitão piloto-aviador Neto Portugal, irmão da esposa do general Ramalho Eanes.
Naquela manhã, ao chegar à entrada principal do edifício, encaro com o capitão Neto Portugal com uma vassoura na mão a fazer que varria o átrio. Ao passar por ele, pois conhecia-o bem, fiz a respectiva continência cumprimentando-o sem ligar à vassoura que tinha na mão. Em vez de me corresponder à continência põe o indicador da mão direita no nariz a mandar-me calar e seguir o meu caminho. Surpreendido, reparo então que, em vez de ter os galões de capitão nos ombros, tinhas as divisas de 1.° cabo. Logo desconfiei que estava para haver ali alguma praxe. Segui e, ao entrar na secretaria, deparo com os oficiais e sargentos, todos meus conhecidos, com os galões e as divisas trocados! No meio deles estavam dois furriéis pilotos imberbes, tímidos, de uniforme n.° 1, a fazer a apresentação formal. Tinham chegado na véspera da Metrópole onde concluíram o curso de pilotagem. À entrada já tinham passado pelo cabo (capitão) que logo se pôs em sentido ao mesmo tempo que ia resmungando mal da tropa. Lá dentro o meu colega 1.° sargento Sousa com os galões de Capitão e o brevet de piloto aviador ao peito: os dois sargentos com galões de tenente e os oficiais e o cabo com divisas de sargento.
Perante aquele cenário deu-me vontade de rir, mas para não estragar a praxe, aguentei e até colaborei tratando os sargentos com galões por tenentes. Entretanto, os dois furriéis, um por um, com todo o rigor, em sentido foram fazendo a apresentação aos "oficiais" como manda o Regulamento.
Concluída a apresentação formal, o capitão (1º.sargento) chama os dois furriéis para a sala de operações onde, perante um grande mapa da zona de guerra, lhes explica o ponto da situação, extremamente complicada por falta de pilotos e que, por isso, ao outro dia de manhã cedo, tinham já uma missão de ataque aéreo, cada um pilotando um avião T-6.
Os furriéis ficaram da cor da cera, quase entraram em pânico, lamentando-se que mal tinham acabado de chegar da Metrópole onde fizeram o curso de piloto à pressa e logo são informados para entrar em combate ao outro dia da chegada!
O "capitão" peremptoriamente respondeu:
- Meus senhores, aqui estamos em guerra e não há tempo a perder! Ordens superiores.
Terminado o briefing o capitão mandou os furriéis mudar de farda e, depois do almoço, apresentarem-se no Grupo Operacional com o fato de voo.
Durante toda esta encenação o cabo (capitão Neto Portugal) andava por ali a queixar-se da tropa e a resmungar da sua situação ajudando a conferir ainda mais credibilidade à.praxe preparada.
O acaso tinha-me levado àquele Comando do Grupo Operacional e, por isso, tive a ocasião de assistir e até ajudar à brincadeira que, embora se tratasse duma apresentação séria e formal dos jovens furriéis, tratava-se tão somente de uma simples praxe. Já não vi o que se passou da parte da tarde quando os furriéis voltaram ao Grupo Operacional e encontraram os galões e as divisas nos ombros dos militares correctamente.
Contaram-me mais tarde.
Neto Portugal, numa sessão de fados no Clube dos Especialistas |
Os atarantados furriéis pilotos, primeiro ficaram baralhados e confusos, olhando para uns e para outros, o capitão parecia-se com o cabo, o 1°. sargento com o capitão, etc.. Depois, passados uns longos minutos desta estupefacção, é que se aperceberam que tinham levado uma valente praxadela.
A reacção foi espontânea: rebentaram todos numa gargalhada geral com os furriéis a serem abraçados pelos oficiais e sargentos numa grande manifestação de camaradagem, amizade e espírito de corpo como, aliás se cultiva na Força Aérea Portuguesa.
Nesse dia, à noite, para comemorar a chegada ao AB 4, os dois furriéis pilotos custearam uma caixa de camarões e umas grades de cerveja para todo o pessoal do Grupo Operacional, para onde eu também fui convidado. Petiscou-se, bebeu-se e conversou-se animadamente, em franca e aberta confraternização, finda a qual todos ficamos amigos e unidos no mesmo espírito de missão que nos tinha levado àquela Base situada nos confins do nordeste de Angola em pleno distrito da Lunda.
Agradecemos ao Sr. Major Serafim Esteves, nos ter permitido transcrever este texto do seu livro "As Memórias do Major".
Sem comentários:
Enviar um comentário