quinta-feira, 16 de agosto de 2018

ANTES DE TER SIDO PILOTO DE ALOUETTE III

 Ponte do rio Cassai, na estrada entre o Dala e o Luso 


Fiz esta estrada inúmeras vezes...sinto saudade das madrugadas que passei nela, em tempo de férias, acompanhando o meu Pai! Neste local, tenho uma passagem curiosa.
Em 1969,vínhamos do Dundo, fizemos uma paragem no Dala, que seria a última, para comer e o meu progenitor, fazer uma sesta, que lhe era habitual. Eu, no alto dos meus 16 anos fui dar uma volta pela terra que já tinha deixado há uns anos para trás definitivamente. Depois de ouvir a buzina, entro em passo de corrida e aí vou eu ao seu encontro. Era hora de regressar para retomar a viagem até a casa. Eu ia com o meu Pai, sempre na expectativa de conduzir alguns troços do longo caminho, que me davam um gozo que eu não sei explicar! Ao chegar ao camião, já este estava a funcionar e o meu Pai encontrava-se sentado no lugar do "pendura". Era sinal que aquele troço de estrada me cabia inteirinho a mim. Pois eu adorava conduzir!
Uma viagem para Luanda
O Camião era um COMMER, avermelhado, guarda-lamas pretos e tejadilho branco, uma máquina singular. Eu gostava imenso do "cantar" daquele motor Roots, com compressor volumétrico que lhe dava um silvo peculiar. Para um pesado mais parecia um ligeiro a andar, atingindo os 100Km com muita facilidade e ligeireza. Quem viajou com o "Sr.Sequeira, sabe que ele saía pela adormecida madrugada, 02H00 e fazia o "pior percurso" Lumege-Cassai, o Luxia, que fica entre estes, era o ponto crítico. Pela fresca madrugada planáltica, sempre sem coluna militar, pois esta só saía por volta das 6H00 da manhã....
E, quando neste sentido (Dala-Luso), passo a ponte, do lado direito, onde se vislumbra as duas viaturas na ligeira curva à esquerda, estava um pelotão "20/25"homens, de guarda permanente à ponte do Cassai, estes pertenciam a uma Companhia estacionada no Buçaco.
Esta ponte era a única do trajecto que tinha uma guarnição militar, por ser muito comprida e se fosse sabotada, Saurimo ficaria sem abastecimento vindo através do CFB e depois transportado por rodovia por esta estrada. Não era fácil e rápido substituí-la em espaço de tempo razoável.
Iniciei a marcha e quando chego aos militares, que sempre nos saudavam, o Alferes estava à beira da estrada e manda parar o camião. Ao aproximar-se, vê um "miúdo" ao volante e balbuciando, disse:- então quem é o condutor? Já tínhamos feito 22Km, eles conheciam o camião que passava ali sempre "fora de horas", o "MAIS VELHO" Sequeira, teve que responder:- o rapaz vem a conduzir e vai continuar, há alguma novidade? Ao que respondeu o Alferes:- Sim! Soubemos através do nosso rádio, que na vertente do Luxia, há uma hora atrás, atacaram um camião que aqui passou carregado de madeira.
Esse camião estava parado no Dala quando nós ali chegámos. Como nós ainda íamos comer, o motorista disse que ia andando, porque a sua marcha era mais lenta e nós, com o nosso vazio ainda o apanhávamos pelo caminho.
Os tiros foram ouvidos no Buçaco e a tropa está a organizar a saída para o local. 

O rio a seguir, depois de um vale que era conhecido como "vietname", pelos muitos ataques que a guerrilha ali perpetrou a motoristas viajando solitários, principalmente madeireiros...quem se lembra do levantamento ou greve, que houve no Luso, feita pelos camionistas? Foi precisamente pelos ataques naquela zona! 
Mas,voltando ao caso: o Kota Sequeira, respondeu ao Alferes: -Bem meus amigos nós vamos seguir caminho, porque a esta hora,(17H30), os guerrilheiros já estão longe e portanto a estrada está livre, além disso quem podemos encontrar será a tropa que vem para o local da emboscada.
Retorquiu o Alferes: -a responsabilidade é toda sua e deixa o "miúdo", ir a guiar? A que o
O jovem Carlos Sequeira "Mambo"
meu KOTA , respondeu: -tanto faz ser ele como eu e agora cabe-lhe a ele, portanto até amanhã se Deus quiser, fez-me sinal e eu pus em marcha aquele grande "brinquedo" que me dava um gozo acrescentado.
Passados 15 km, entrávamos na baixa do "vietname", mais 1km e começamos a descer para o Luxia, passámos a ponte e a meia encosta estava o camião na perpendicular, todo fora da estrada do lado direito, carregado de madeira de "mussibi" a arder, ainda estava completo, com os pneus cheios e a cabine cinzenta ainda mantinha a cor, era um camião Mercedes. Passamos e na primeira curva à direita antes de chegar ao Buçaco, lá vinha a coluna militar para reconhecer o local...paramos porque assim os militares quiseram, perguntando-nos como conseguimos passar, ao que o meu Pai lhes disse aquilo que atrás narrei.
Ao outro dia, no Luso, soubemos que tinham sido mortos os dois ocupantes ao serem alvejados de frente, quando o veículo se encontra mais vulnerável, ao progredir em marcha reduzida, devido à carga e à inclinação acentuada da subida.
Um dia depois estávamos a passar no mesmo sítio, onde se encontravam os restos calcinados da Mercedes, cujo "chassi" estava vergado pelo peso da madeira que não ardeu na totalidade.
Passagens que não se esquecem e fazem parte do meu amadurecimento.
Tenho outra passagem neste troço de estrada que um dia conto..


Por:


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