sexta-feira, 13 de maio de 2016

CAXIPEMBE



ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992

Numa certa manhã, após os nossos meios aéreos terem partido como um bando de pássaros, sentei-me para descansar e liguei o meu leitor de cassetes para ouvir uma música suave. Nessa altura verifiquei que as pilhas estavam gastas. Abri o aparelho e iniciei o procedimento de troca das pilhas. Um miúdo que andava por ali, a tentar catar os desperdícios de combustível de avião Jet A-1, aproximou-se observando cuidadosamente todos os meus movimentos. Quando eu me preparava para guardar as pilhas velhas, a criança dirigiu-me a palavra:
- “Sôr, dá-me essas pilhas.” - Pediu ele.
- “Companheiro, estas pilhas estão gastas, já não funcionam, perderam a eletricidade. Entendes?” – Respondi-lhe.
- “Não faz mal, Sôr. Dá-me as pilhas, por favor”. – Insistiu o miúdo.
- “Ho rapaz, eu dou-te as pilhas mas elas não te vão servir de nada. Não consegues tirar nada daí de dentro” – retorqui enquanto lhe dava as três pilhas AA do leitor de cassetes portátil.
- “Consigo, consigo“ – disse ele – “abro-as com uma catana e meto-as dentro de um panelo com fruta e farelo de milho a fermentar, para fazer a Caxipembe [aguardente de milho]. O ácido das pilhas apressa as coisas e amanhã o Caxipembe já está pronto para eu vender no bazar!”
- “Ora toma” - pensei eu em voz alta – “acabaste de receber uma aula de química aplicada, de um puto com 12 anos! Então é assim que vocês fazem Caxipembe Expresso?” – Perguntei.
Mas a criança já tinha descolado em direção aos portões do aeródromo, com as três pilhas na mão direita e uma lata com Jet A-1 na outra. Fiquei apreensivo com a qualidade da poderosa aguardente que tinha estado a beber, com os meus amigos Russos, numa das serenatas dessa semana. Seria feita à base de aceleradores de fermentação do tipo: ácido sulfúrico? Pela forma como os Russos a consumiam à noite, quando chegarem a Moscovo vão ter de trocar de fígado! A partir desse dia passei a beber só bebidas estrangeiras, engarrafadas no exterior.


(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)




Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.

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