ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992
Cartoon do autor |
Na missão ONU para as eleições de Angola,
de todos os tripulantes russos que tinha em Luena, só um falava Inglês. Quando
aquele elemento estava a voar, eu tinha de um desafio extra para comunicar com
os restantes russos. Acabei por instituir umas folhas com uns bonequinhos
desenhados - que simbolizavam passageiros - uns cubos - que simbolizavam carga
- e umas setas com os nomes das localidades - que indicavam para onde eles
deveriam de voar. Desta forma, um papelinho com o se...guinte grafismo:
- “ UN#05 21/09/92 - 10 X (desenho de um)
boneco + 5 X (desenho de um) cubo = 150 kg- Luena 08H10 ↑ (seta) NgugiLuena↓//
”
Significava:
- “O helicóptero UN número 05 deverá
embarcar dez passageiros e cinco volumes de carga com 150 quilos, descolando de
Luena para a cidade de Ngugi, com uma descolagem prevista para as oito horas e
dez minutos, da manhã do dia 21 de Setembro de 1992. Regressa depois a Luena
onde faz aterragem final.”
Eram as nossas AirTasks [ordem de missão].
Para os trajetos mais complicados, com várias paragens e
embarques/desembarques, o plano de voo parecia uma obra do abstracionista
Volpi, mas funcionava.
Uma das dificuldades com que nos
debatíamos era encontrar os locais nos mapas. Os russos tinham cartas de
navegação magnificamente atualizadas, com muito detalhe, mas estavam escritas
em cirílico. Por exemplo, a aldeia de Ngugi, em cirílico, escrevia-se Hгущи.
Isto constituía uma dificuldade para correlacionar o que era coordenado nas
reuniões com a Comissão Eleitoral, com o planeamento de voo para as
tripulações. Tivemos de construir uma tabela de conversão dos sistemas de
escrita Latino/Cirílico, com os nomes das principais as localidades da
Província. Nem sempre batia certo mas as aproximações fonéticas também
contavam. Em seguida tiravam-se as coordenadas do local, metia-as no GPS e lá
iam eles. Em 90% dos casos tivemos sucesso com este processo e os passageiros
também ajudavam. Para os outros 10% tínhamos de lá voltar, comigo a servir de
navegador e interprete. Primeiro voávamos para uma população que se pensava ser
próxima do destino; aterrávamos; e eu ia perguntar, em Português onde ficava o
local:
- “Olhe, desculpe, podia-me dizer para
onde fica a Comuna do Malundo?”
Era a maravilha de se voar em helicóptero;
com respostas do tipo:
- “Depois daquele bananal, lá ao longe,
siga o rio pela direita. A comuna que procura fica ao pé de um monte com três
imbondeiros”.
De referir que os diálogos não eram tão
fáceis quanto possam parecer, porque os angolanos coloriram a Língua Portuguesa
com as sonoridades das línguas locais, dificultando o meu entendimento das suas
mensagens. Mas era melhor do que um Russo a tentar falar Português.
(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)
Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.
(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)
Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.
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