sexta-feira, 26 de setembro de 2014

OS TRÊS DE KATMHANDU *



Fizemos a recruta juntos (1ª de 70) e após a especialidade, cada um foi para o seu destino, encontrámo-nos em Henrique de Carvalho, durante o ano de 1971, eu fui o primeiro a chegar do meu ano de incorporação e fui dando as boas vindas ao restante pessoal, que a partir de 1972 era maioritário na Esquadra de Comunicações. 
Embora fosse amigo de todos eles tinha especial empatia com dois improváveis amigos, o “Dylan” Gomes , e o "Alentejano" Costa, o primeiro porque era um Lisboeta como eu e um “pinta marada”, o segundo Alentejano de gema pelas suas qualidades humanas e de camaradagem.  
República dos OPCs-
foto AfonsoPalma
Fizemos vários destacamentos juntos e com a criação do Secarleste, fez-se a divisão natural, quem gostava de Henrique de Carvalho, ficou por lá, quem como nós os três, não morria de amores pelas chefias, e preferia a cidade do Luso, ofereceu-se para integrar o quadro do Secarleste, passando a fazer os destacamentos do Luso, Cuito, Neriquinha e Cazombo. O Gomes gostava mais do Luso, o Costa gostava mais do Cuito, eu de Gago Coutinho, por isso sempre que nos encontrávamos no Luso era farra pela certa e loucura atrás de loucura. 

Numa nessas noites de “cadela”, já bastante bebidos, resolvemos desafiar o resto do pessoal da República a fazer a volta dos tristes, que consistia em ir rondando todos os restaurantes, bares, botecos, bebendo em cada um uma bebida diferente, quem quis vir veio, quem não quis ficou em casa. 
Havia um restaurante chamado “candimba” ou coisa semelhante que julgo queria dizer “coelho”, onde nunca íamos, mas sempre que por lá passávamos metíamos a cabeça nas portas de vai vem tipo “saloon” e miávamos desalmadamente até que alguém nos perseguisse. Nessa noite porque as pernas nos pesassem íamos sendo apanhados, quando chegámos a casa, a sede era mais que muita, e continuámos a beber cerveja a fumar uns “cigarritos” e porque era uma noite especial fizemos mais algumas “misturas” noite alta da varanda da sala, uns cantavam os Vampiros a plenos pulmões, enquanto outros caminhavam pelo rebordo da varanda a mais de três metros do passeio. 
A vizinhança, que a princípio deve ter achado graça, resolveu chamar a polícia. Quando eles chegaram, o Zé Galo, tinha subido a uma árvore que estendia uma das pernadas para perto da varanda e uivava à lua cheia que banhava a rua com um luar de prata, os mais atinados, rodeavam o tronco, pedindo-lhe que descesse. Na confusão, o Zé Galo ia fugindo cada vez mais para a ponta do ramo onde se encarrapitara, continuando a uivar, com a previsível quebra do ramo que já vergava com o seu peso, eu o Costa e o Dylan, estávamos numa mística a ouvir o Ravi Shankar e o seu "Sitar" e solenemente a fazer uma jura, quando, e se saíssemos dali inteiros, iríamos os três à boleia até Katmandu, onde curtiríamos uma verdadeira cena .
Eram tempos de rebeldia, que nos era perdoada por quem de nós dependia para ter uma vida aparentemente normal, mas que rapidamente esquecia o quanto passámos quando estávamos ausentes da casa que era simultaneamente, para eles motivo de curiosidade e desassossego, mas o nosso porto de abrigo. 

Previsivelmente, quando voltei escrevi a dar o endereço da base onde estava e aguardei que eles me contactassem, o Costa nunca deu sinal de vida, o “Dylan” morreu de “acidente” em 12/05/1974 em Henrique de Carvalho. 
Katmandu, foi mais uma das promessas adiadas, mas não esquecidas.


Luso, 1973
Escrito por:
JFMA OPC


* Dedicado ao DYLAN, haveremos de nos encontrar em Katmandu.

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