sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O SHELLTOX PARA O CABELO !

Como muitos se devem lembrar, o serviço de saúde de Henrique de Carvalho enviava regularmente para os destacamentos, tudo o que era necessário para a sobrevivência "sanitária" do pessoal destacado. 
Em embalagens de cartão castanho, semelhantes às que acondicionavam as rações de combate, eram criteriosamente arrumados os famosos comprimidos “LM” (tradução) Laboratório Militar, para a prevenção do Paludismo, Cólera, Febre tifóide, Diarreias, pomadas para Micoses e Infecções de transmissão Sexual, para além de Preservativos, haviam ainda os spray para os insectos, rastejantes ou voadores, entre eles o famoso Shelltox. Alguns dos comprimidos eram para tomar via oral, ou desinfectar a água a ingerir, as pomadas para aplicar directamente sobre as partes a tratar, no caso das infecções cutâneas, ou para aplicar directamente no “instrumento”, como prevenção para “matar a bicharada”, quando os machões , ou ignorantes, não usavam protecção, evitando a gonorreia ou sífilis. 
Devo dizer que em alguns destacamentos existiam armários próprios que faziam de farmácia com dezenas de embalagens aparentemente nunca usadas.
Pela minha parte, quando cheguei ao fim da comissão tinha um saco de plástico cheio de comprimidos, nunca bebi água em Angola, muita cerveja e whisky, seven Up para fazer a barba quando não havia água, ou de ressaca como auto flagelação. 
Quando estive no Cazombo, pela primeira vez, recebi do meu antecessor a cama e a lavadeira de nome Isabel, que pouco falava muito menos em Português, regularmente após as entregas da roupa, dava pelo desaparecimento do armário onde tinha os medicamentos e “afins” das embalagens de spray especialmente do Shelltox, nunca percebi o porquê, até um dia que ela chegou com a roupa lavada e passada a ferro; toda produzida, mini-saia, penteado Afro em balão e toda“perfumada com Shelltox”. 
E, por mais que eu lhe dissesse que aquilo não era laca para o cabelo, nem desodorizante, que ela corria o sério risco de envenenamento pela absorção do produto através da pele e de que podia até morrer, ou cegar, ela não desarmou: “o minino não sabe nada! eu é que sei! Isto faz brilhar o cabelo, é cheiroso e não faz mal à mosca, nem ao mosquito, nem a nada! 
Fiquei desarmado com a quantidade de palavras e do teor do próprio discurso e sobretudo com o sorriso dengoso de satisfação dela. 
Calei-me, afinal quem era eu para contrariar aqueles argumentos; mas agora já vislumbrava porque é que não haviam mosquitos na casa dela na Sanzala, e o Shelltox desaparecia contínua e misteriosamente do armário...


Cazombo, 1971
Artigo escrito por:
OPC ACO

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