sexta-feira, 9 de maio de 2014

A PACHANCHO (1961)


Na formatura para o almoço de segunda-feira, o oficial de dia anunciou em voz alta:- O presidente da junta de freguesia da Ota, pede-me para vos informar, que está uma bicicleta motorizada no leito do rio Ota, junto à ponte, à entrada da aldeia. Se pertencer a algum de vocês o melhor é ir lá retirá-la. 
- É minha mas podem ficar com ela! – Respondeu peremptório o Manel Bento, algarvio de Tavira e especialista de abastecimento na esquadrilha dos electrónicos.
Durante o almoço Alfredo procurou inteirar-se do que se havia passado com o colega de esquadrilha, para que a motorizada dele tivesse aparecido no rio. Ficou a saber pela voz do próprio Bento, que não fora só em Cheganças que tinha havido confusão entre militares e civis durante o fim-de-semana. Também na aldeia da Ota os ânimos se exaltaram, quando um grupo que integrava o Manel Bento, tentou entrar no baile da paróquia sem pagar. Como já estava toldado pelo vinho, o que não era raro, as coisas deram para o torto e houve mesmo troca de sopapos entre os contendores. Goradas as intenções de entrar no baile, Manel Bento, furioso, montou a velha motoreta com a intenção de regressar à base. Era tal a piela que entre o salão de festas e a ponte, numa distância de pouco mais de duzentos metros, caiu da motorizada por cinco vezes. Como a última foi precisamente em cima da ponte, não esteve com meias medidas e atirou com o chaço ao rio fazendo o resto do percurso a pé.
- Ó Bento, então depois da trabalheira que nos deu ir buscá-la a Vila Franca, atiraste com ela ao rio? – Admirou-se Alfredo.
- Estava bêbado. Mas também não se perdeu grande coisa. – Completou Manel Bento.
A vinda da motorizada do Algarve para a Ota fora mais uma das muitas aventuras em que Alfredo, involuntariamente, participou. Numa sexta-feira, à saída do trabalho nos electrónicos, Bento perguntou ao amigo:
- Alfredo, queres ir amanhã comigo a Vila Franca buscar a minha “Pachancho” que veio de comboio de Tavira?
- Pachancho?! Que raio é isso? – Perguntou Alfredo.
- É uma motorizada.
- Não conheço. É alguma marca nova?
- Já não é nova mas está impecável.
Na tarde do dia seguinte, Sábado, Alfredo e Bento lá foram na camioneta da base para Vila Franca.
Oh surpresa das surpresas! Quando Alfredo viu a motorizada exclamou:
- Isto nem amanhã está na Ota, Bento!
Veio à memória de Alfredo o velho “Cucciolo” do amigo Du Fernandes, da Praia do Bispo. Só que a “Pachancho” estava bem pior.
- Não de preocupes Alfredo, o motor está impecável. Tenho é de ir arranjar uma garrafa de mistura porque o depósito deve estar seco. – Disse Bento.
- Já agora vê se arranjas também uma bomba para encher o pneu da frente.
- Pois é! Está vazio, porra! – Exclamou o amigo já menos entusiasmado.
- Sendo assim o melhor é ir com ela à mão até à primeira estação de serviço. Há uma da Sacor à saída da vila. – Acrescentou Manel Bento.
Atestado o depósito de combustível e depois de cheio o pneu que estava vazio, lá conseguiram pôr o motor a funcionar após várias tentativas.
- Monta, Alfredo. – Convidou Bento enquanto mantinha o motor acelerado para que não se fosse abaixo.
Alfredo sentou-se na grade metálica que servia de assento do pendura e lá partiram deixando um rasto de fumarada e um intenso cheiro a óleo queimado.
- Pára, Bento! Pára! – Gritou Alfredo ainda mal haviam percorrido cem metros.
Alfredo desmontou da motorizada, tirou o blusão e dobrou-o em quatro para servir de almofada.
Motorizada Pachancho
- O assento estava a magoar-me o cagueiro. – Justificou-se Alfredo enquanto se faziam novamente à estrada.
Foi curta a etapa pois ainda antes de chegarem ao Carregado, o pneu de trás furou.
- A câmara de ar deve estar ressequida. – Disse Bento a tentar justificar o contratempo.
- É isso Manel... e o pneu da frente já está outra vez quase vazio.
Bento abriu a pequena caixa cilíndrica pendurada entre o selim e a grade metálica, na esperança de encontrar algum remendo. Apenas continha uma ferrugenta chave de fendas e tiveram outra solução que não fosse procurar ajuda na povoação do Carregado, para onde se dirigiram empurrando a motorizada.
Depois do Carregado ainda se verificaram mais três paragens forçadas o que, feitas bem as contas, dava quase tantos quilómetros a levar a motorizada, como a motorizada a levá-los a eles.
Chegaram à base a altas horas da noite, cansados, esfomeados e sem um tostão pois o pouco dinheiro que levavam foi inteirinho para pagar os remendos.Era esta desgraçada “traquitana” que jazia agora no leito do rio Ota.”
Ota - a ponte

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2 comentários:

  1. A PACHANCHO era toda feita em PORTUGAL, embora não fosse nenhuma obra prima, numa época em que a ciência por cá estava muito atrasada. Mas hoje passados cerca de 60 anos o que produzimos?

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  2. Boa tarde
    O meu pai esteve pela Ota nesse ano.
    Por acaso conheceu o cabo miliciano Granja?
    Obrigado

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