quinta-feira, 12 de agosto de 2021

O BOXE NA OTA


No dia em que eu disse que não quero lutar…

Fazia sol na parada da Ota, naquele verão de 1969, quando os recrutas, incluindo eu, se preparavam para fazer boxe pela primeira vez. Eu, como os meus camaradas, estávamos na expectativa de um pouco de exercício e praticar um novo desporto.
Na minha esquadrilha, os dois cabos instrutores trouxeram vários pares de luvas e, iam seleccionando de entre nós quem iria lutar contra quem.
Observei que camaradas e amigos, quando iniciavam o combate, alguns pareciam mudar de personalidade e tornavam-se bastante agressivos, ao ponto de ficarem furiosos se perdessem ou fossem atingidos pelos murros do adversário. Reagiam com intenso fulgor e via-se que já não pensavam no amigo com quem lutavam, mas sim num adversário a derrubar. Isto a mim não me impressionou e não gostei de ver a reviravolta de atitude que tinham uns para com os outros. Isto para mim não era desporto.
Quando chegou a minha vez, eu disse ao cabo que não queria lutar. Ele, apanhado de surpresa, perguntou-me qual era a razão para isso. Disse-lhe que não achava graça ver companheiros a lutarem com tanto empenho e rancor, sem mostrar desportivismo, que era o que eu esperava dum treino daquele tipo. O cabo, apanhado de surpresa e talvez estupefacto com a minha ingenuidade, foi falar com o aspirante, comandante da nossa esquadrilha. O aspirante veio e eu respondi-lhe com a mesma razão. Entretanto, os outros grupos seguiam lutando e o incidente não foi notado pela maior parte do grupo.


Só tudo parou quando o comandante da recruta, o Major Canais, caminha em minha direcção e, sem querer dar muito nas vistas, me pergunta novamente a razão da minha recusa.
Eu, sem sequer me aperceber da gravidade da situação e as consequências que aquilo podia acarretar, aleguei mais uma vez a falta de vontade para esmurrar um camarada. O Major Canais, chamou-me para o lado e, no seu melhor bom senso e diplomacia, perguntou-me:
- Mas tu não tens medo, pois não?
- Não sr. Comandante. Medo não tenho, mas não acho bem que pessoas que duma maneira geral são cordiais umas com as outras, se tornem em adversários ferrenhos, só por uma luta sem consequências.
O Major, virou-se para mim e, lendo o meu nome no crachá da camisa, disse:
- Olha ó Santos, é muito importante que se cumpram as ordens e exercícios, mesmo que não se concorde com eles. A tropa é assim, se queres continuar aqui, deves acatar o que é dito. Mas para provar que és um bom soldado, vamos mostrar a estes gajos que tens tomates para esta tropa. Calça as luvas e vamos lutar os dois.
O combate, foi mais simbólico do que real.
Foi assim que eu, o rapaz mais ingénuo da recruta talvez, fiz pugilismo com o comandante e ainda estou vivo para o contar!...

Por: Álvaro Santos Sá

2 comentários:

  1. Curioso, a foto de cima é do meu Juramento de Bandeira, 1ª/70. Na frente vê-se o Manel Santiago e o Alex a "lutarem" e, mais atrás ainda é visível o António Coutinho. Também estou lá para o meio.

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  2. Idêntica cena, mas com mais piada aconteceu na 1ª de 68 em que um comandante de Secção ao verificar que um dos recrutas estava com mêdo de aleijar o parceiro de luta, tirou as luvas ao que estava mais encolhido e foi enfrentar o que, pelos movimentos, se percebia que estava mais á vontade com tal desporto. O que o alferes não sabia é que esse recruta praticava boxe a serio e levou uma surra em poucos segundos que o fizera acabar logo com o treino.! Não mais se deve ter esquecido deste
    episódio o alferes Castro.

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