quinta-feira, 19 de agosto de 2021

LINHA AÉREA IMPERIAL, 1947


Era a mais longa linha aérea do mundo operada em Douglas DC3 "Dakota", aviões que serviram na II Guerra Mundial e depois estiveram na origem de dezenas de companhias aéreas. A TAP foi uma delas.

O objectivo era ligar Lisboa a Lourenço Marques, em Moçambique, com passagem por Luanda, Angola. O Império, portanto, ou parte dele. Só que devido à limitada autonomia do avião a travessia de África era feita "aos saltinhos": doze escalas e sete dias de viagem, nada mais e nada menos. Eram 12.280 quilómetros no total, fora os outros que se faziam devido a erros de navegação ou a fugir das tempestades. Muitas emoções ali se viveram.
Com início em Lisboa, a rota passava por Casablanca, Villa Cisneros, Bathurst, Robertsfield, Accra, Libreville, Luanda, Leopoldville, Luluabourg, Elisabethville, Salisbury e Lourenço Marques. Sete tripulantes e dez passageiros. À chegada eram todos amigos. Ou inimigos, depende.
Cada viagem era uma aventura. Tive a honra e o enorme prazer de voar com alguns dos pilotos dessa época, que me contaram episódios verdadeiramente extraordinários. Dramáticos alguns, risíveis outros. Foram os anos de ouro da aviação comercial.
Ando com vontade de escrever um livro sobre o assunto. Que achais?




As fardas da tripulação foram especialmente concebidas para as travessias de África. O "look" colonial era de rigor e a leveza dos tecidos saltava à vista.
Os pilotos usavam luvas para pilotar por causa da transpiração e porque por vezes era preciso fazer muita força no "manche". Estava-se no tempo dos cabos e roldanas; o luxo dos macacos hidráulicos para assistir os comandos de voo ainda era uma miragem. Havia macacos com fartura nas escalas, mas esses só atrapalhavam.
Havia também passageiros muito especiais. Um deles, o capitão Fletcher, transportava consigo a mala diplomática com o correio de Sua Majestade para as colónias inglesas onde o Dakota fazia escala. Por razões de segurança, não fosse o diabo tecê-las, o capitão trazia sempre a mala algemada ao pulso esquerdo. Sim, um par de algemas de metal com chave e tudo. Como se tal não bastasse, durante o voo fazia tricot, coisa nunca antes vista num avião da TAP. Um homem a fazer tricot ?! Pois fazia e consta que com muito mérito. "Ajuda a passar o tempo", respondia o inglês quando confrontado com os olhares desconfiados de passageiros e tripulantes.
Estava cheio de razão. Muitos anos mais tarde, quando as viagens de avião eram muito mais longas e monótonas, também me ocorreu arranjar qualquer coisa para me ocupar durante os meus turnos de descanso ou quando viajava de passageiro. Pensei em várias coisas, mas tricot confesso que nunca me passou pela cabeça. Se tivesse passado hoje tinha a casa cheia de tapetes de Arraiolos.


Artigo de "O Aviador", Comt. José Correia Guedes


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