A cidade de Henrique de Carvalho, ao fundo o AB4 |
Este é naturalmente e tão só um testemunho pessoal, mesmo muito pessoal, que aqui deixo passados
tantos anos, quase cinquenta, e que
contrasta naturalmente com outras vivências que por aqui vão aparecendo.
Abordo aqui, hoje, um
dos aspectos mais marcantes da minha passagem (de quase 3 anos, até Agosto 75) por
Angola-AB4, Henrique de Carvalho-Saurimo, o mesmo é dizer que até ao fim: até ao seu fecho, melhor dito até à sua "desactivação" como Aeródromo Base da FAP em
Agosto de 75, tendo naturalmente trazido
as "chaves", salvo seja, pelo menos uma das cópias das chaves...
Cheguei como quase todos os que por ali passaram num Nord apinhado de tudo e de todos, que saía
de Luanda manhã cedo. Aquelas 2/3 horas
no ar foram agradáveis, depois de quase dois meses em Luanda na expectativa de ali
ficar…mas valores mais altos se levantaram e eis-me a caminho da descoberta da excelente paisagem aérea de
Angola; chegava-se a uma "terra" bem diferente de Luanda: ambiente, clima, a
beleza singela e a vastidão da paisagem das Lundas. A Base uma enorme e grande surpresa.
Como militar fui colocado no CA (Conselho Administrativo) da Base, mesmo ao lado da Secretaria, e portas
meias com o Comando; o CA era aquele sítio onde se ia "receber" o
pré/vencimento e muito mais; tínhamos também um leque muito grande de
responsabilidades atribuídas: os "tais" vencimentos, ajudas-de-custo, a
cantina, a agro-pecuária, os combustíveis e lubrificantes (auto e de avião), o
cinema, as aquisições, a cerâmica, a gestão
de bebidas brancas e todas as outras…enfim havia muito que fazer.
Como a própria foto da época abaixo mostra, a minha passagem
pelo AB4 teve uma faceta "civilista" -
de civil ! – muito acentuada, mesmo muito. O dia a dia passava-o sim na Base,
quando não tinha, pontualmente, de me deslocar ao Camaxilo, ao Cazombo, ao Luso e outras zonas das terras do fim do mundo, do "cú de
judas" como lhe chamou Lobo Antunes; da Luiana ao Cuito, de Gago Coutinho a Serpa
Pinto (sempre ir e vir). Mas enfim, também
almoçava na "messe" quase todos os dias em que ali me encontrava. Jantar já não…só raramente e aos sábados ou domingos!
No CA do AB4 |
Tinha o meu carocha-branco VW, que me dava alguma autonomia
sem nunca ter falhado nos dois anos e meio que me pertenceu, foram dois anos e
meio em que ele nunca me deixou ficar mal. Comprara-o ao dr. Baeta, alferes miliciano
médico no AB4 de 1970 a 73. Lembram-se?
Mas nessa rotina de muitos
meses, pelas sete da matina já estava na
Escola I.C. /Liceu de Henrique de Carvalho até às 9 h
e lá regressava após as 18h muitas vezes até às 22h da noite.
Isto porque fora convidado no dia seguinte à
chegada ao AB4 para ali leccionar. Convite feito num fim de semana, para
leccionar na Escola/Liceu onde também alguns
dos alunos militares da Base estudavam. O
então Director dr. Ferreira Dias (falecido no ano passado) no 1º. Domingo seguinte
ao da minha chegada, aparecera para me convidar e aceitei depois de falar com o
Comandante, Coronel J.Sachetti. Um "sim" no escuro pois de todo ignorava a
realidade local.
E assim passei de
facto a ter uma actividade intensa e multifacetada: a de um professor (à força!
mas muito bem pago, verdade!) com apenas
23 anos, experiência de ensino até ali
nula, mas que se foi adquirindo e se tornou muito enriquecedora e de que guardo
excelentes recordações, que hoje revivo
pelas fotos e testemunhos que fui guardando, e de que aqui deixo uma. O actual
Governador do Moxico, por exemplo, foi
ali no Saurimo meu aluno, no curso comercial e como me lembro daquele ambiente
e daquelas turmas, grande Muandumba!!.
Pic-nic |
Daí que quando vou ao meu espólio fotográfico de então, -
não muito grande com grande pena minha - as fotografias são na sua maioria à "civil" e raramente fardado. Incontestável.
O permanecer e viver na cidade de Henrique de Carvalho , a
actividade e as relações múltiplas com gente dali – comércio local, bares,
restaurantes, cafés, cinema, o ter vivido também na Pousada do Governo da
Lunda, coisa que só alguns privilegiados puderam, (verdade e com cunha, pois houvera
vaga, após ter passado uma semana no
hotel do Pereira & Rodrigues), a pousada era um local absolutamente ímpar à
época, um luxo. Atenção que chegara ao
AB4 casado. Mais tarde residiria no novo
bairro da FAP à entrada da cidade, lado direito de quem vinha do AB4.
A pousada |
Contudo o conviver de perto com tanta gente diferente da
cidade, o participar em pic-nics com
alunos e colegas (civis e militares) nos
fins de semana no Chicapa e arredores, as petiscadas aqui e ali, os jogos à
noite no "rinque" da cidade, acentuavam de facto esse toque civilista que
referi. Claro que quando havia cinema na Base lá ia quando podia, era aliás uma
das actividades de que era responsável, através do Conselho Administrativo,
pois tinha então também essa tarefa de
receber os filmes que no Nord chegavam às 2ªs. e 6ªs.feiras, - ás vezes também na DTA -
devolver e relatar e pagar os alugueres. Por vezes lá iam ao Cine Chicapa, a
pedido, para ali ficarem e serem exibidos. Algumas vezes "produzi" pequenos
resumos e achegas escritas em A4 dobrável sobre o filme a exibir. Lembro que "O
Padrinho" por exemplo foi exibido em dois dias seguidos no AB4 - com guião escrito
e tudo - e só depois foi para o Cine Chicapa.
De Luanda guardo também esta outra fotografia, tirada algures
no Mirante da Lua, Barra do kuanza, a caminho do Bengo, naturalmente e sempre à
civil e com o velho blusão FAP de couro, para compor. Estávamos já em 1975,
penso que em Abril, depois de ter vindo a Lisboa…encomendar, pasme-se, "bebidas brancas" !
Um dia na Base, pela manhã,
o Major Sampaio então 2º. comandante, entrou no Conselho Administrativo e
disse-me: Oh Santos Nunes, farde-se
(!) que daqui a meia hora vamos ao Camaxilo! È verdade farde-se…O capitão Carvalho
e comandante do Dakota, estariam algures à espera na "placa". Era uma
experiência-passeio de que se gostava naturalmente: ir e vir a um AM. Por lá
estariam os amigos Barbosa, Bernardino, Pimenta, Fernandes, e companhia bem "alimentada".
Dir-se-á que tive sorte! Nem mais, mesmo muita e é fácil reconhecer. Foram quase três
anos de
vivências algo peculiares, singulares e diria que únicas para quem ali chegou com estatuto de "militar" puro e simples. Recordamo-nos bem de que quando se chegava a Luanda
na mira de ali ficar, e nos davam guia de marcha para o AB4. Quão difícil era
de digerir. Foi o meu caso, com substituição nominal em Luanda…mas que em boa
hora seguiria para Henrique Carvalho.
As Lundas eram outra
coisa, outra realidade. E a minha foi esta.
Para terminar relembro que nas escalas de serviço de Oficial de Dia
estavam poucos oficiais, a maioria ou eram operacionais ou comandavam
destacamentos. Daí que de oito em oito, dez em dez dias, quinze no máximo lá estava no
render da parada às dez! Aí estavam as minhas 24 horas de permanência, no AB4,
com aqueles imprevistos tão peculiares e situações inimagináveis; o estar de
serviço implicava muitas vezes trocas e baldrocas para poder conciliar tudo e
as noites eram uma surpresa quase sempre. E de que maneira…
E foi assim que esta espécie de civil foi militar no AB4. Momentos menos
houve com toda a certeza, mas prefiro estes "slides" a cores que aqui deixo…
Por:
Polícia aérea de 74/75, quando aconteceu o 25 de Abril, estava no camaxilo com o alferes Barbosa e o sargento gasolinas, vários cabos especialistas, entre eles o opc Andrade.
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