quinta-feira, 11 de julho de 2019

ÚLTIMO VOO PARA PORTO HARCOURT-BIAFRA


O último voo para o Porto Harcourt antes de ser capturado foi a minha experiência mais perigosa. 
Os combates desenrolavam-se bem perto do aeroporto quando recebi uma nota urgente da doutora Lucy O'Brien. Lucy foi uma irmã missionária que foi médica responsável do programa médico da Cáritas no Biafra.
"Nós estamos simplesmente desesperados. Nunca esteve pior. Sem medicamentos, sem pensos, sem simples algodão, sem seringas. O nosso piso hospitalar está coberto de pessoas morrendo. Tony, tenta trazer-nos alguns suprimentos o mais rápido possível. Lucy."
Pedi a muitos pilotos para voarem, mas eles sentiram que era muito perigoso. Um piloto português, o capitão Manuel Reis, veio ao meu escritório.
"Tony, estou pronto para arriscar. Você vai voar comigo?"
"Claro que sim. Você acha que nós podemos, Manuel?"
"Se fizermos um pouso em espiral, vai ficar tudo bem."
Eu não fazia ideia do que ele queria dizer por "um pouso em espiral" e de alguma forma eu tinha certeza que seria melhor para os meus nervos se ele não explicasse. Eu saberia em breve o suficiente.
Estava uma noite escura quando saímos de de São Tomé, sem luar, uma linda noite para o nosso propósito. Sentado no cockpit com João à medida que nos aproximamos da Costa Biafra, a distante artilharia parecia silenciada. À medida que chegamos mais perto, a escala do bombardeio tornou-se aparente mais intensa. Eu tinha visto fogo anti-aeronave, "Flak", muitas vezes, mas nunca vi nada assim. A intensidade do bombardeio estava além da minha compreensão. Parecia impossível que qualquer um pudesse sobreviver lá em baixo.
Vimos muitos blindados a lutar a algumas milhas do aeroporto. Manuel estudou-o por um momento. A responsabilidade pela decisão de continuar, ou voltar atrás, foi unicamente sua: "meu Deus! Tony, está uma luta pesada lá em baixo."
Vamos aproximar-nos do aeroporto antes de começarmos a espiral. Vai reduzir um pouco o perigo.
Mantenha-se calmo e continue orando. Ok.
Aqui vamos nós!
A terrível lembrança do que eu tinha visto e experimentado durante os últimos dias no Biafra substituiu os meus medos. Aquela visão nunca me iriam deixar. Os mortos e os moribundos deitados por todo o lado nas ruas. Os gritos das crianças famintas, o assustador som das explosões e a desesperança reflectida no rosto de pessoas famintas e deslocadas. Eles se mudaram de um campo de refugiados para outro, tentando evitar o avanço do exército nigeriano. Agora o país deles está reduzido a um pequeno enclave, deixando-os sem lugar nenhum para correr, sem nenhum lugar para fugir.
A cara assustada de um jovem soldado deitado imóvel num camião do exército, sem ambas as pernas, estava bem vivo na minha mente. Eu tinha-lhe dado os últimos sacramentos, mas além disso, tudo o que eu poderia fazer era segurar as suas mãos quando morreu. Havia outros soldados, também, fugindo da frente da guerra, despindo os uniformes dos seus corpos cheios de fome, misturando-se com civis, esperando perder a sua identidade.
Pensando na causa original desta guerra amarga - os ricos recursos de petróleo do Biafra - fez-me espumar de raiva. Esta guerra poderia nunca ter acontecido se esses recursos não estivessem lá. Ninguém precisava de ter morrido.

A minha raiva aumentou quando pensei nos países que tinham vendido ou doado ajuda militar para a Nigéria e o Biafra. Os bombardeamentos que nos tinham aterrorizado em Uli tinham vindo de caças Mig russos, fornecidos pela Rússia e tanques doados pelos britânicos. Estes países usaram armamentos para o seu próprio benefício económico ou político à custa da vida de muitas pessoas inocentes.
Não! Nenhum inocente precisava ter sido sacrificado a estes modernos cultos do petróleo e da ganância.

"Transporte aéreo para o Biafra" (violando o bloqueio) Reverendo Padre Tony Byrne c.s.sp

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