Embora seja uma situação rara que não aconteça todos os dias à maioria de nós, a possibilidade de termos de fazer uma aterragem de emergência na água, mesmo longe de um oceano ou de um rio é algo que tem de estar permanentemente na cabeça de qualquer piloto. Mesmo horas antes de voar.
Tal como, espero, a esmagadora maioria de vós, ainda não me calhou na rifa ter de amarar. Este termo passa despercebido da maioria dos pilotos, possivelmente porque os aparelhos em que voamos, jamais serão vistos em pleno oceano fora do alcance visual de terra, envoltos em tempestades caindo sobre ondas de seis metros. Voamos quase sempre sobre terra. Por isso, amarar é algo que raramente passa pela nossa cabeça durante mais do que alguns segundos .
A aterragem forçada do Airbus do Comandante Sullenberger no Hudson, além de toda a exposição mediática de ter sido considerado um milagre da Aviação, veio sobretudo abrir o debate na comunidade aeronáutica de que uma amaragem pode ter de acontecer quando menos se espera, e sobretudo, que o seu desfecho não está dependente de uma entidade sobrenatural mas antes de uma preparação mental constante para esta eventualidade. Aposto, que quando o Comandante Sullenberger empurrou as manetes de potência para descolar do aeroporto de La Guardia, já tinha na sua cabeça a probabilidade de uma possível amaragem.
Foi isso que salvou aquela gente toda.
Este é uma tema muito vasto e complexo, e um tema sobre o qual tenho muita curiosidade e interesse. Como sabem vivo numa ilha, e mais do que isso, numa uma ilha polvilhada por lagos e rios. E onde graças à quantidade de pilotos de ultraleves que se aventuram “ fora de portas”, não raro somos surpreendidos por notícias mais ou menos felizes acerca de uma aterragem de emergência no meio líquido.
Pensar numa amaragem, é incompreensivelmente para muitos pilotos um pensamento que apenas ocorre quando o barrote pára subitamente sobre um lago ou sobre a travessia de um rio. Não pode ser.
A minimização dos efeitos de uma amaragem começam logo na navegação, quando planeamos o vôo na noite anterior. Será que este vôo passa por grandes superfícies de água? Será que não podemos fazer um pequeno desvio e atravessar numa zona mais estreita? Mas curiosamente, e paradoxalmente, a escolha de grandes superfícies de água pode significar um aumento da segurança de vôo: por exemplo, se eu tiver uma floresta para atravessar, e o motor me falhar aí, prefiro amarar do que meter o ultraleve em cima dos pinheiros. A amaragem assume assim um papel quase omnipresente em cada vôo, de uma forma que nunca imaginámos.
Na eventualidade de ter de amarar, seja por não ter outra opção, seja porque realmente é a “melhor” opção, há que ter em conta de um modo automático na nossa cabeça certos aspectos. E estes aspectos têm de vir tão rapidamente à nossa cabeça como quando a nossa professora da primária nos perguntava quanto era 2+2. A primeira coisa, mal nos apercebamos que estamos em perigo, é lembrar-nos da máxima da Aviação: “Aviate, Navigate, Comunicate”. Manter o avião no ar, decidir onde é que o vamos pôr, e se houver tempo, comunicar. Isto pode não ser possível à posteriori com um Iphone e um rádio submersos.
Mas paciência!
Posto isto, deve-se eleger o terreno para aterrar. Em caso de ter de escolher entre uns pinheiros ou uma pedreira, e um lago ou um rio, obviamente escolherei o lago ou o rio.
Mas paciência!
Posto isto, deve-se eleger o terreno para aterrar. Em caso de ter de escolher entre uns pinheiros ou uma pedreira, e um lago ou um rio, obviamente escolherei o lago ou o rio.
Ao escolher o meio líquido, convém tentar aperceber-mo-nos de alguma zona onde se encontrem pessoas ou viaturas, que possam ajudar. Convém aterrar de forma paralela à margem, o mais junto possível de modo a poder ser socorrido ou poder nadar para a margem. Como a aterragem deve ser efectuada contra o vento, um truque que aprendi para verificar o vento é observar as pequenas ondinhas no lago ou no rio, e sobretudo em como não existem ondas junto à margem de onde o vento ocorre!
Sobrevoar praias é uma das actividades mais apetecíveis e inesquecíveis de todo o espectro da Aviação. Muitos de nós sobrevoam praias com regularidade. Todo aquele extenso areal lisinho com pessoas a dizerem-nos adeus, e um azul a perder de vista . Quando as coisas correm menos bem, muitas vezes será necessário pôr o avião na água, pois a não ser que seja Inverno ou uma praia muito vasta, o areal vai estar cheio de pessoas. É desejável que este procedimento seja feito também paralelo à costa e perpendicular à ondulação, e o mais possível junto da margem para possibilitar o socorro ou o abandono da aeronave. Convém escolher uma área onde ocorra a menos ondulação possível.
Existe a percepção errada de que é o impacto na água que provoca a perda de vidas humanas. Mas na maioria das situações de amaragem, os ocupantes sobrevivem, e é um conjunto de situações posteriores que potencia a perda de vidas humanas. Uma das principais causas é o choque térmico. A entrada na água fria, acompanhada de um pânico compreensível, e a necessidade de ter de sair dali rapidamente antes que o aparelho se afunde.
Começam já a existir organismos e empresas civis onde se pode treinar num tanque ou piscina com mergulhadores de prevenção, a eventualidade de uma amaragem e onde se pode experimentar este choque. A maioria dos participantes nestes cursos, admite que ficam muito impressionados e surpreendidos, em como, mesmo num ambiente controlado de uma piscina com auxílio imediato, perdem rapidamente a orientação, entram em choque térmico, e ficam extremamente stressados com a situação. Isto numa piscina.
É de esperar no momento que o avião toque na água, uma desaceleração brutal, e mesmo destruição de parte deste. Uma destruição que pode por exemplo, impedir-nos de sair rapidamente do seu interior. Muitas das vezes o avião capota devido ao embate, ficando voltado de pernas para o ar, impedindo os ocupantes de saírem e aumentando a desorientação de uma forma fatal.
Posto isto, a aproximação à água tem de ser feita na menor razão de descida possível, à menor velocidade possível. Certos pilotos experimentados falam em como tentam deliberadamente tocar primeiro com a cauda na água. No momento do embate, toda a carga que esteja solta dentro do avião irá ser deslocada violentamente para a frente. Malas atrás do banco e outro equipamento que vai ferir ou dificultar o já de si reduzido espaço de manobra para sair do aparelho. Embora se deva ter o cinto colocado no momento do embate, em aviões onde isso seja possível, os ocupantes devem manter as pernas quase para fora do aparelho ou prontas de maneira que possam ficar desimpedidas, evitando que fiquem presas dentro do avião. Esta parece ser uma dica válida veiculada por quem já teve de amarar. As portas devem estar destrancadas.
É triste saber que a maioria das pessoas sobrevive a uma amaragem, apenas para perderem a vida devido a hipotermia ou afogamento posterior.
Cada vez mais se usam Personal Locating Beacons(PLBs), que são dispositivos que emitem um sinal de socorro captado imediatamente pelos serviços de busca a salvamento. Comunicar ou pedir socorro quando dispomos de poucos minutos para descrever a nossa localização, nem sempre é possível. Principalmente se nem rádio tivermos. E muito menos quando já dentro de água todos molhados e com falta de ar a lutar por sobreviver.
Efectuar um Plano de Vôo e fechá-lo na conclusão do vôo é sempre uma forte ajuda.
A travessia do canal da Mancha por exemplo obriga a que se vista um colete salva-vidas. Nisto dos exemplos e sugestões tudo é bem-vindo. Este texto que aqui vos trouxe hoje não é nenhum manual. O seu objectivo é lançar o debate e colocar a hipótese constante de uma amaragem na cabeça dos meus amigos que prezo e convivo.
Amarar pode ter um desfecho trágico mesmo num lagozito, num rio ou numa barragem a poucos Km num aeródromo do interior do país e não necessariamente num oceano. Estejam à vontade para acrescentar ou debater estes procedimentos nos comentários em baixo. Um forte abraço e bons vôos.
Sem comentários:
Enviar um comentário