Enviei isto para a imprensa especializada e mandei cópias para a imprensa "de merda" , mas quero que os meus amigos leiam já em primeira mão.
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Em exclusivo mundial , eis o
manual para cobrir acidentes com aeronaves, usado numa conhecida universidade
de jornalismo. Qualquer semelhança com a coincidência é pura realidade.
Isto dos aviões só interessa e vende papel quando há mortos e tragédias.
Feridos e incêndios. Atrasos e cancelamentos nos vôos ou atentados terroristas.
É sempre uma azáfama nas redacções de alguns jornais, quando acontece um
acidente com um avião, ou alguém liga a dizer que foi arrastado à força para
fora de um avião.
Montar a tenda
Após uma semana a escrever
sobre Bola e socialites , a pôr gatinhos no Facebook e a fazer pesquisas
jornalísticas em sites pornográficos, eis que surge a hipótese de fazer
jornalismo a sério. Quem sabe uma edição extra! Imediatamente começa tudo à
cabeçada e aos encontrões à procura das chaves do Opel Corsa e dos cartões de
memória da máquina fotográfica e a ver no mapa onde fica o local do acidente em
alguidares de cima. O editor grita de dentro do seu gabinete:
“Tragam-me mortos. E fogo. Se possível imagens com coisas a arder”.Já com a equipa de reportagem no carro, ainda grita da janela: “E entrevistem populares. Desdentados e gordos de bigode farfalhudo. E se
tiverem vestido t-shirts com mangas cavas e chinelos ainda melhor...”E assim se monta a tenda para cobrir a “notícia”. Chega-se ao local e toca a
procurar mortos, passageiros indignados, fogo, e tudo o que houver no catálogo
da desgraça.
Encher chouriços
Encher chouriços
Por vezes não existem vítimas
nem danos materiais. Foi apenas um avião que aterrou numa estrada secundária
por falta de gasolina. Mas não vamos deixar que um pequeno promenor como este
impeça de vender papel de embrulhar peixe. Sempre podemos escrever:
“ Ultraleve despenha-se em auto-estrada movimentada causando o caos”. Ou
talvez: “Avioneta alegadamente sabotada por terroristas em pleno vôo despenha-se
tragicamente sobre dezenas de automóveis”.“Avioneta faz pirouetas e cai em cima de automóveis”“Foi um milagre não ter morrido gente”As hipóteses são infinitas, e ao alcance de qualquer miúdo da escola
primária. Não percamos a esperança. Qualquer não-notícia pode ser transformada
em notícia.
Definição do tipo de aeronave
Tal como em qualquer redacção
de um miúdo da escola primária, não importa muito o rigor acerca do tipo de
aeronave. Se tiver uma hélice algures, pode ser sempre chamada seguramente de
ultraleve, ou de avioneta. Aconselha-se fortemente o jornalista principiante ou
desleixado, ou vindo da redacção de assuntos da Bola, a cingir-se
exclusivamente a estes termos para não dar barraca. Como distinguir um termo do
outro?
Não é preciso grande rigor. É como ir à praça e escolher duas alfaces,
compara-se mais ou menos o tamanho uma da outra e leva-se a mais barata. Ou
usa-se uma moeda. Ou dois palitos. Deixemos a designação do tipo de aeronaves
para os media mais respeitados e idóneos, que poderão usar termos mais
apropriados como “ avião”, “aeronave” ou “ aparelho”. Para um jornal que vai
servir para embrulhar peixe amanhâ, ou ser cortado às tiras para um WC de umas
obras, ultraleve ou avioneta dá e sobra. Mas em exclusivo mundial, para
jornalistas preguiçosos e pouco motivados, ou tirados à pressa da redação dos
assuntos da Bola eis, meramente a título de curiosidade, os termos correctos
usados por media idóneos , respeitados e competentes:
Autogiro ( aeronave de rotor não propulsionado)
Não parece haver grande confusão com os helicópteros, que serão sempre
helicópteros, seja um Schweiser ou um Apache. O termo “ avioneta” não é
utilizado na imprensa idónea.
Entrevistar os populares
É imperativo procurar por eles. Nunca é demais sublinhar a importância de populares
desmazelados por barbear com camisas de clubes de futebol e chinelos e com putos a tirar macacos do nariz por trás, que garantem que o telespectador se identifique imediatamente com a situação, e deseje também lá estar. Velhotas bisbilhoteiras de bibe (e claro, chinelos) são também de procurar e convidar para um depoimento em directo. (“ Sim, paxou além por xima da casa da ti Gertrudes um avião dexes todo escangalhado”) Não importa muito recolher os nomes dos entrevistados, pode-se sempre aldrabar na montagem, ou escrever “ José, testemunha”. Seja como fôr, por baixo estará a passar em rodapé os resultados do Portimonense / Rio-Ave. Ninguém vai notar.
Autoridades
As autoridades devem sempre ser
convidadas para uma entrevista. Não deverá haver problema em encontrar
autoridades, pois em redor de um acidente haverá sempre autoridades a dar com
um pau. Não só polícia como protecção civil, bombeiros ou membros da autarquia.
Basta percorrer as fileiras intermináveis de carros com luzes no tejadilho e
procurar alguém com um colete reflector com palavras escritas nas costas. Será
seguramente uma autoridade. Existe uma grande preferência do público sobretudo
em ouvir falar responsáveis da policia. Porque dá impressão que quanto mais
sobem na hierarquia, mais necessidade têm de falar com palavras caras, gerando
momentos lúdicos de grande interesse. Por exemplo, para descrever uma simples
frase como
Usem e abusem do alegadamente. O alegadamente cobre tudo e valida tudo. É uma espécie de tinta contra a ferrugem. Podem-se dizer as maiores barbaridades e factos não confirmados desde que polvilhados amiúde por “ alegadamente”. Reparem:“O ultraleve de carga terá alegadamente explodido em vôo após, alegadamente o piloto ter ligado o piloto automático e alegadamente, ter ido beber champanhe com a hospedeira”. “O ultraleve militar de passageiros terá alegadamente sido atacado por mísseis terra ar lançados alegadamente de uma avioneta da marinha”.
“O avião caíu por volta das 17 horas e chegámos aqui cerca das 17.30, isolando o local “, o oficial de cabelo cortado à militar, chapéu sobre os olhos, óculos escuros postos às oito da noite e com os ombros cheios de riscos amarelos dirá: “Cerca das 17 horas fomos alertados via telefone para a verificação de um despenhamento de uma aeronave neste local ao que prontamente os efectivos da nossa força policial se deslocaram ao local, tendo estado aqui presentes por volta das 17 horas e trinta minutos tendo verificado por conseguinte o efectivo despenhamento e a destruição de uma aeronave de porte ultraleve ligeira de passageiros, tendo os nossos efectivos procedido imediatamente á circunscrição e isolamento da área de modo a evitar o ingresso e a incursão de curiosos no perímetro definido pelo acidente “. Responsáveis de bombeiros também costumam proporcionar momentos únicos de verborreia enfolada. Se não houver responsáveis policiais, procure responsáveis de bombeiros. Ignorar autarcas, com os seus discursos políticos e enfadonhos a culpar a falta de verba e as outras forças políticas pelo acidente.
Alegadamente Usem e abusem do alegadamente. O alegadamente cobre tudo e valida tudo. É uma espécie de tinta contra a ferrugem. Podem-se dizer as maiores barbaridades e factos não confirmados desde que polvilhados amiúde por “ alegadamente”. Reparem:“O ultraleve de carga terá alegadamente explodido em vôo após, alegadamente o piloto ter ligado o piloto automático e alegadamente, ter ido beber champanhe com a hospedeira”. “O ultraleve militar de passageiros terá alegadamente sido atacado por mísseis terra ar lançados alegadamente de uma avioneta da marinha”.
Caso nada disto se verifique, e uma vez reposta a verdade por outros media, facilmente se consegue descalçar a bota. “Alegadamente”, é portanto uma boa frase para principiantes, que lhes dá sempre um ar de profissionais maduros. A não esquecer.Não esquecer também que o objectivo principal de notícias sobre Aviação é, além de vender papel e publicidade, cumprir o papel social de informar e prevenir o cidadão.Instigar o medo na população sobre esta coisa perigosa que é a Aviação. De afastar as pessoas dos aeroportos e das escolas de pilotagem, e de dirigir o entusiasmo para áreas seguras como o futebol ou os reality shows. Cada popular que nos aparece na rua, no supermercado e nos diz “ai que horror eu vi ontem a sua reportagem, eu tenho muito medo de aviões “ é motivo de orgulho em ver o nosso trabalho reconhecido em prol da comunidade. Usar e abusar de imagens de casas destruídas ou a arder, estradas cortadas e ambulâncias. Não há necessidade de debruçar sobre quem vinha a bordo do avião, das suas capacidades ou das condições climatéricas no momento do acidente, nem que eles e as suas famílias foram dos que mais sofreram e vão sofrer com isto. Basta referir a eles como “ os ocupantes” no início da peça e pronto.
Nota Final
Por fim, e meramente como nota final sem importância, apenas como curiosidade e sugestão, porque não em tempos mortos na redação numa semana sem notícias, elaborar peças que celebrem o fascínio e a História da Aviação. Falar sobre Sacadura Cabral em vez do penalti do Mbantane. Sobre Bartolomeu de Gusmão ou Óscar Monteiro Torres. Carlos Bleck e Costa Macedo. Humberto Delgado. Sobre como voar foi tão importante para um viúvo realizar um sonho de menino nos últimos anos da sua Vida, ou para colmatar a perda da sua companheira, ou foi determinante para um paraplégico redescobrir o prazer de viver. Sobre obras de caridade que levam produtos a áreas remotas usando pequenos aviões, os tais “perigosos aviões” dos desastres de abertura de telejornal. Sobre feitos e salvamentos levados a cabo pela nossa Força Aérea. Sobre a paixão escondida de muitas das figuras da nossa praça acerca da Aviação. Os fantásticos eventos que decorrem no país de Norte a Sul durante todo o ano. O esforço de empresas pequenas que com a prata da casa lançam serviços regionais e vôos turísticos. Sobre como seria o nosso Mundo se não existisse a Aviação. As hipóteses seriam imensas. Mas infelizmente a Aviação não está sozinha neste desprezo dos "merdia". Infelizmente, todos sabemos que a próxima vez que a Aviação for tema de notícia em Portugal será certamente devido a um acidente ou a uma polémica, relatado por um tablóide ou por uma galinha esganiçada a cacarejar em directo. Tristemente, nesta sociedade inundada de média mas pouco esclarecida onde a notícia só acontece no campo da Bola ou na tragédia, interessa mais que um avião regresse ao solo com tragédia ou polémica a bordo, do que com uma causa justa ou com uma notícia inspiradora.
Texto de Mike SilvaImagens, pesquisa e inserção de A. Neves
Assino por baixo Mike, infelizmente estamos inundados de media, porém 90% dela é só para encher chouriços e confundir ainda mais o pessoal.
ResponderEliminarTriste mas verdadeiro!!!
Sérgio Durães
OPC 1/68
Meu caro, excelente critica.
ResponderEliminarSe me permite vou usar os moldes deste texto e adaptá-lo a uma outra área.
Texto estupendo, bela prosa cheia de ironia e verdade!
ResponderEliminarJacto comercial de passageiros, aonde é que está esta?? ����
ResponderEliminarAcho ainda pior do que a da Avioneta que pressuponho ser um diminutivo do Avião, como camião ou camioneta.
Já está assinado por baixo.
ResponderEliminarObrigado.
Crítica excelente pelo conteúdo e pela escrita. Falta espaço para este tipo de exercício de qualidade. Mas afirmando a critica assim será possível promover o bom senso. Obrigado.
ResponderEliminarCrítica excelente pelo conteúdo e pela escrita. Falta espaço para este tipo de exercício de qualidade. Mas afirmando a critica assim será possível promover o bom senso. Obrigado.
ResponderEliminarMagnífica critica sobre e Mediocridade em que se transformaram os Meios de Comunicação Social . Infelizmente é o retrato do que temos !
ResponderEliminarQuem disse que o Cessna que aterrou na Praia de S. João na Caparica, nem sabia o que dizia, ao mencionar a Cova do Vapor como opção. Nessa praia quase não há espaço para um autocarro. Dá para entender?
ResponderEliminarPergunta de leigo (muito a ver com a fruta da imagem de capa): não é suposto evitar danos a terceiros quando se pilota uma aeronave? O que poderia ser evitado a quem não tinha nada a ver com o caso?
ResponderEliminarConheço - e haverá muitas mais por certo - histórias de HERÓIS que arriscaram tudo (literalmente tudo) para evitar tragédias e que mereciam ser notícia mas isso não justifica que um acidente trágico não o seja..
NÃO CONCORDO COM A ÚLTIMA PARTE; DEUS NO GUARDE DESTA GENTE A FALAR DO QUE NÃO SABE.
ResponderEliminarQuando se discorda deve-se dizer porquê, e não invocar o Deus em vão, que destas coisas aeronáuticas deve perceber tanto como vós !
EliminarTerá faltado a diferença entre as aeronaves de asa alta e as de asa baixa?
ResponderEliminarGostei.
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