O Quissange é um instrumento rudimentar que se encontra em quase todo o continente africano e que pode tomar várias formas. Compõe-se de uma tábua e de uma série de “teclas” sob a forma de lamelas metálicas com alguma flexibilidade para que possam ser dedilhadas. As lamelas são montadas sobre um suporte rectangular, de ferro, e o conjunto das teclas é mantido em posição por uma travessa que é amarrada à tábua por arames. O comprimento e a espessura de cada palheta metálica define o som que produz. O número de palhetas é muito variável. Pode ter ainda uma “caixa de ressonância” que amplifica o som. Dependendo da região, o Quissange pode ter vários nomes como, por exemplo, Kissange, Kalimba, Karimba e muitos outros nomes. Pode ainda ser chamado, mais tecnicamente, lamelofone.
Alguns modelos de Quissange |
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Eu não era o único que, de vez em quando, “explorava” as zonas
envolventes dos destacamentos assim como dos acampamentos que serviam de base a
operações militares. A sós ou em pequenos grupos lá íamos num passeio a pé para
matar o tempo e “fazer turismo”.
Numa dessas saídas entrei num quimbo e a dada altura ouvi uma toada que
me chamou a atenção. Procurei a origem do som e, à sombra de uma palhota baixa,
encontrei um velhote que cantava numa língua local.
Pelo ritmo, acho que a
canção não seria muito triste. Sentado no chão, de calções desajeitados e corpo
mirrado, o velhote acompanhava a sua canção tocando um Quissange. Sem nunca
deixar de cantar e sem se preocupar com a minha presença, sorriu um pouco
quando me aproximei dele.
Tocadores Quiocos |
Penso que o velhote tinha feito o seu próprio Quissange o qual era
particularmente simples e pequeno. Mas o som era agradável e fazia um conjunto
harmonioso com a sua voz. As palhetas eram feitas de pregos achatados a
martelo. A caixa de ressonância era meia cabaça. Um cordel atava a tábua à
cabaça para que não se separassem uma da outra. O velhote, enquanto cantava
segurava o Quissange entre as duas mãos e, com ambos os polegares, dedilhava as
teclas produzindo o som que me guiou até ele.
Fiquei ali, de cócoras, junto ao artista, a ouvir aquilo que achei ser
uma verdadeira maravilha. Mas fui o único. Mais ninguém no quimbo parecia
notá-lo. O “concerto” já devia ser bem conhecido de todos.
Quando acabou a canção o velhote pousou o Quissange e voltou a sorrir.
Devia estar surpreendido com o meu interesse pela sua actuação.
“Quero comprá-lo.” – disse-lhe eu, apontando para o Quissange. Mas ele
não se convenceu e disse-me que não o vendia porque não tinha outro. Seguiu-se
uma negociação amigável e divertida em que ele usou vários argumentos para me
dissuadir do desejo de comprar o Quissange mas, perante a minha insistência,
ele começou a ceder e eu avancei com a proposta irrecusável: “Pede o que
quiseres que eu pago!” Foi aí que ele viu a oportunidade de me fazer desistir.
Endireitou um pouco as costas, olhou-me nos olhos e, com um sorriso matreiro,
pediu-me um preço que me iria deixar quase sem resposta: “Quero… dois e
quinhento!”
Tive de fazer uma pausa e pensar um pouco antes de continuar. Na sua
simplicidade e inocência ele tinha-me posto numa situação que eu não esperava.
Num mundo que eu não conhecia, onde os valores materiais tinham outra dimensão.
Tinha-me posto no seu Mundo. O que me estava a pedir era uma pequena fracção do
que eu poderia e gostaria de lhe dar. Dei-lhe os 2$50. A sua expressão passou a
ser uma mistura de surpresa, mas também de
vitória na negociação. Passei a ser
o novo proprietário do Quissange e ele riu com vontade quando eu, sem sucesso,
tentei tirar algum tipo de “música” do instrumento. Conversámos mais um pouco e
depois dei-lhe mais 2$50. Ele agradeceu muito e eu parti com o Quissange.
Imagino que o quimbo ficou sem música ambiente durante uns dias. O tempo de
fazer um novo Quissange.
Já não me lembro onde isto aconteceu exactamente mas sei que foi na zona
de Gago Coutinho.
Agora, quarenta e tal anos depois, eu ainda não aprendi a tocar
Quissange e o “instrumento” deve estar agora guardado nalguma caixa junto com outras recordações dos tempos de Angola. Deveria
tê-lo deixado ficar com o músico que o construiu pois teria sido muito mais
útil para ele do que para mim.
Na nossa gíria de então nós chamávamos Quissange aos aparelhos de rádio
(que davam a música).
E que tal uma visita ao acervo de máquina fotográfica pronta, disparos sucessivos, letras agrupando-se com sentido, artigos que no-lo dê a conhecer, ao acervo. Obrigado.
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