---O Ti Nicolau surgiu na borda do rio, cigarro apagado a enfeitar a boca falha de dentes , naquele sorriso matreiro que a todos cativava. Com a mão esquerda movimentava lentamente o remo, na tentativa de encostar o barco à margem. Vinha sentado no banco, tábua rasa que unia os lados da velha carcaça de pesca, num balouçar atrevido que nos desafiava para uma volta pelo "braço" da Congida.
Bom dia, pessoal. Hoje não se vê nada de jeito! Umas boguitas e uns escalos e já é um pau...
Tens muita sorte, atirou meu avô. Estamos aqui desde as sete da manhã e nem uma escama.
-Ó Eugénio, valha-te Deus!... Então que estou eu a fritar nesta sertã?- Riu a avó Zaira.
-Ora, já te “descaíste” mulher! Esse figurão está aqui, está a saltar para terra. Prepara o "quedorno" que companhia já temos!...
Nesta altura já o ágil pescador saltava do barco e punha o pé num morro de terra húmida, vestida de junco solto, bem perto da água.
-Estão grandes os raparigos, são os do Antoninho!..
-Sim, são os "esmelgos" gostam muito de vir até aqui.
O Ti Nicolau sorriu, fez-nos uma careta ternurenta que forçou um leve sorriso no nosso rosto, há muito focado noutro local.
O meu irmão, só via uma coisa naquele rio. Eu acompanhava-o naquele olhar cheio de querer e fascínio. No lado de lá daquele "braço"de água, sentado numa rocha, o Luciano esperava a vontade para mais um mergulho. Não demorou muito, levantou os braços bem ao alto e aí vai ele como um torpedo a deslizar ao sabor do impulso.
Quando emergiu, iniciou a travessia com braçadas largas, bem ao seu jeito, rumando na nossa direcção. Levantámo-nos e fomos até junto do barco atracado, pelo pescador. O Luciano, naquela sua fina maneira de nadar, estava cada vez mais próximo. Era a hora de estarmos perto dele. Deslizou suavemente depois da última braçada, o barco ondulava com a aproximação do nadador. Agarrou a proa e num leve esforço, apanhou chão seguro na margem do rio. Sentimos a sua mão molhada a saudar-nos o rosto. O nosso herói estava junto de nós, espera de desejo cumprido. Dentro de breves momentos voltaria até ao outro lado, num vai vem ininterrupto, a que, só o final do dia, punha fim.
Anos mais tarde, o rio foi com ele para a eternidade, jovem e cheio de esperanças, abraçou aquelas águas e resolveu partir para onde os rios desaguam no céu.
Bragança já era casa da nossa adolescência, quando ...
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