A Missão que não cumpri...!
A
todos os mecânicos especialistas que em
África serviram voando ALIII !
Poucos
mecânicos de voo foram reconhecidos publicamente pelo seu espírito de missão,
sacrifício e coragem demonstrados em combate!
Esta singela
homenagem que lhes presto, na pessoa do meu mecânico de vôo, pretende colmatar
essa lacuna na parte que a mim diz respeito.
De facto o
protagonista deste episódio representa bem tudo o que essa classe de
especialistas tinha e mostrou de bom!
Formiga
Por terras do Fim do Mundo
1968!
Gago Coutinho (actual Lumbala N`guimbo) era a sede do Batalhão de Caçadores
19..!
A
“Batalhoa” como as tripulações da Força Aérea ali destacadas o apelidávamos
pelo seu fraco desempenho em operações!
Era
também sede um dos dois destacamentos aéreos (DC ”G”) no Leste de Angola. Os
meios aéreos atribuídos permanentemente, eram, um helicóptero ALIII da Base
Aérea 9 (Luanda), dois T-6 Harvard e um Dornier DO-27 do Aeródromo Base nº4
(Henrique de Carvalho/Saurimo). As respectivas tripulações eram substituídas
quinzenalmente... se não houvessem surpresas!
O
Renato e o Estima eram dois dos pilotos do AB4 que habitualmente ali estavam
destacados e com quem me encontrava regularmente nesse destacamento compartilhando
o prazer de passarmos juntos 15 dias naquele cu de Judas.
A
repetição das mesmas caras na rotação dos destacamentos queria apenas dizer que
éramos muito poucos e na prática eram sempre os mesmos destacados! Este facto
contribuiu muito para uma sólida camaradagem que perdurou ao longo dos anos e
que o tempo não consegue destruir.
Recordo com saudade a
designação carinhosa de “helioto”, com que o Renato me brindava
pretendendo significar piloto de helicóptero e da sua recusa brincalhona de
entrar dentro do meu helicóptero ainda que estivesse no estacionamento! Esta
camaradagem estendia-se igualmente aos mecânicos já que,como foi tradicional da
Força Aérea, sabia-se fazer a distinção entre serviço e “conhaque”.
Análise da
situação
No
período a que este episódio se reporta (1968), a actividade aérea no
destacamento de Gago Coutinho não era muito intensa. Não só porque a carência
de meios assim o determinava mas também porque não existiam objectivos que a
justificassem. Tal situação dava para que o pessoal ali destacado pudesse
acalmar dos momentos de maior tensão que se viviam no Norte de Angola!
A
guerrilha não estava definitivamente instalada no Leste! Servia sim de porta de
entrada aos movimentos de libertação provenientes da Zâmbia que tinham total
apoio do governo de Lusaka. Era excepção à pouca actividade, o trabalho de
acção psicológica da UNITA levada a cabo junto das populações pelo seu líder
carismático Jonas Savimbi. Deambulava, ao longo das margens do rio
Lungué-Bungo, afluente do Zambeze entre os seus apoiantes com os quais se
identificava, vivendo entre eles.
As
operações militares não eram muitas mas esporadicamente o Comando do Sector
Leste pedia à Força Aérea missões para transporte de carga, evacuações
sanitárias e eventualmente, de reconhecimento quando as informações recebidas
careciam de confirmação no terreno e a sua importância o justificava.
A
essa data a actividade do batalhão sediado em Gago Coutinho, resumia-se a
operações de patrulhamento, de protecção a colunas militares para
reabastecimento dos seus destacamentos como eram os casos de Sete, Mussuma e
Muié.
Em
Ninda, uns quilómetros a Sul estava destacada permanentemente uma companhia de
páraquedistas.
Estes
conhecimentos da ordem de batalha do Batalhão que os “aviadores” adquiriam,
eram resultado da convivência forçada pela partilha da camarata (a vala comum!)
para oficiais subalternos e sargentos do Batalhão.
A
esse tempo a Força Aérea não tinha instalações próprias como seria de toda a
conveniência para um adequado descanso das tripulações.
Na
verdade o pessoal do exército não tinha necessidade de dormir cedo por não
terem missões inopinadas, ao contrário das tripulações da Força Aérea, que
tinham que manter um estado de prontidão mais elevado, pois a todo o momento
poderiam ter que descolar para uma missão.
Acabávamos
por adormecer embalados pelas conversas, pelo “cantar” do pessoal do posto de
rádio, que passavam uma noite inteira a soletrar o alfabeto fonético na
transmissão das mensagens e também pelo ruído do motor-gerador de
electricidade. Funcionavam como soporíferos. A paragem do gerador inesperada a
meio da noite provocava uma verdadeira emergência. Toda a gente acordava
sobressaltada pelo “silêncio incómodo” que essa paragem provocava.
As
tripulações de helicópteros e aviões ligeiros eram constituídas por gente muito
jovem, marcados pela dureza da vida em constantes operações por todo o
território de Angola.
A
título de curiosidade recorde-se que Angola tem uma superfície de 1 milhão e
300 mil km2, ou seja 14,5 vezes maior que Portugal Continental e que no ano de
1968 a única esquadra de helicópteros em Angola chegou a um mínimo de nove
pilotos (e poucos mais mecânicos de voo) sendo que três estavam nos
destacamentos permanentes de Cabinda, Cazombo e Gago Coutinho.
Admitindo
que poderia haver alguém de licença de férias, podemos imaginar o esforço que
era pedido aos restantes.
Sujeitos
a perigos e incomodidades constantes, estavam endurecidos pela vida, mas como
qualquer mortal, também tinham um coração que palpitava e que em determinadas
situações se deixava tocar pela emoção!
Capazes
da maior violência quando se tratava de garantir a sua sobrevivência, tinham
também momentos de desespero e raiva por não conseguirem minorar a dor de quem
sofria.
Foi o que nessa missão
aconteceu. Mas deixemo-nos de amolecimentos e vamos aos factos da nossa pequena
história!
A Missão
O
Comando Militar do Sector Leste solicitou através do Batalhão de Gago Coutinho
um reconhecimento armado para “localizar e/ou destruir se possível, um
grupo de guerrilheiros armados infiltrados em território nacional, vindos da
Zâmbia, ao longo do rio Mussuma….”
E
como missão secundária o pedido prosseguia:
Caso
não seja localizado grupo In, capturar na área, elemento da população que
eventualmente possa fornecer informações sobre o referido grupo.
O episódio simples e
operacionalmente insignificante que a seguir se descreve passou-se no leste de
Angola, a meio da tarde, junto da fronteira com a Zâmbia, entre as localidades
de Gago Coutinho e Mussuma, na execução do pedido de reconhecimento atrás
referido pelo Comando Militar do Sector Leste (Luso).
O
pedido era resultado do trabalho da rede de informadores indígenas ao serviço
da DGS. Era garantidamente seguro!
A
acção teria que ser efectuado em helicóptero armado, por força dos requisitos
expressos no pedido. Mas neste caso era uma figura de retórica, já que as únicas
armas a bordo eram a espingarda G3 do mecânico e a pistola Walter do piloto.
A
típica savana do Leste de Angola abaixo do caminho-de-ferro, que cruza Angola
desde o mar até à Zâmbia, é um extenso planalto de mata pouco densa, ou coberta
de capim alto. É atravessada por uma rede extensa de rios muitos dos quais
afluentes e subafluentes do Zambeze, Lungué Bungo, Cuito-Cuanaval e
Cuando-Cubango.
Tinham
como característica comum, leitos relativamente estreitos e sinuosos
descrevendo “ésses” preguiçosos e sucessivos como que pretendessem retardar a
chegada ao seu destino. Nas margens larguíssimas podia-se encontrar toda a
espécie de fauna.
Iniciado o voo de
reconhecimento, aquela vasta zona plana junto à fronteira tinha muito pouco
arvoredo. De onde em onde tufos densos de arvores de grande porte, quais
pequenas ilhotas no meio de um mar de capim! Nessas “ilhotas”, muito separadas
umas das outras o arvoredo denso não deixava ver nada abaixo das suas copas,
obrigando a que a missão de reconhecimento de que estávamos incumbidos,
estivesse a ser efectuada com extremo cuidado, “saltando” de uma para a outra,
contornando-a à procura de inevitáveis vestígios da presença humana (trilhos
deixados pela sua passagem no capim).
O Meu Mecânico de Vôo
Quando
em operações, o MMA era também electricista, mecânico de rádio ou atirador, e o
desta missão era bem conhecido pela frieza com que encarava as missões de fogo.
Disparava
à ordem ou pedia autorização para o fazer para que tudo fosse muito coordenado;
e a sua precisão de atirador era impressionante. Era o resultado da já longa
comissão de serviço e do muito tempo em acção.
Imperturbável,
dava a confiança necessária a quem, pilotando um AL-III numa missão de fogo,
apenas podia operar a “máquina”. A equipa que tinha que estar muito bem
“oleada”!
O
voo decorria algo monótono, já que o terreno era muito aberto, com excepção dos
já referidos tufos de arvoredo que poderiam constituir um excelente local de
refúgio, para um pequeno grupo armado que por ali se encontrasse e não quisesse
manifestar-se.
De repente quebrou-se o
silêncio e em simultâneo “saiu” pela interfonia:
- Fumo
“às 11 horas”!
- Fumo à frente,
diz o mecânico!
Usa-se,
para mostrar a outrem sem perda de tempo a direcção de algo que se queira
indicar, o sistema do mostrador do relógio. Para isso, imaginando-nos no seu
centro e convencionamos que a direcção do voo é direcção das 12 horas.
Informamos então quem necessita saber, que esse algo que se avistou, está às 9
horas (de lado, à nossa esquerda), às 11 h (ainda à esquerda mas num sector
frontal) às 2 h (à frente e direita) ou às 4 h, (à direita mas já ligeiramente
para trás).
A
cerca de duas milhas vimos começar a sair da copa das árvores de um desses
tufos uma pequena coluna de fumo, não muito denso, resultante sem dúvida
do apagar repentino de uma fogueira. Era indubitável que havia ali alguém que
ouviu o helicóptero mas que não estava interessado em se deixar localizar. Mas
cometeu um erro. Ao apagar a fogueira provocou mais fumo do que se a tivesse
mantido acesa. Poderia acontecer até que nos tivesse passado despercebida.
Recentemente
(2002) em conversa com um ex-combatente moçambicano foi-me dito que das muitas
dificuldades que um guerrilheiro tinha que enfrentar no terreno, uma das
maiores era o problema da confecção da alimentação. O fumo de dia e o brilho
das chamas à noite eram a grande preocupação, para não serem localizados pela
Força Aérea.
Confesso
que nunca tinha pensado no assunto sob este ponto de vista.
Voámos
em direcção ao fumo e no capim ligeiramente amassado, (muda de tonalidade)
distinguia-se um trilho pouco marcado que levava em direcção ao arvoredo, o que
significava que se tratava de não mais que uma ou duas pessoas, que não
habitava ali em permanência e tinha sido o resultado de recente acesso ao
local.
Era
assim pouco provável que se tratasse do grupo, mas tendo em consideração a
credibilidade da informação, a aproximação aquele local passava a ser perigosa
pelo que tinha que se revestir de toda a a precaução. Isto porque no
reconhecimento visual em zonas arborizadas, a vantagem pertence a quem está no
solo, já que pode ver sem ser visto e um simples tiro de arma ligeira pode
abater o helicóptero.
Quem
quer que ali estivesse, já nos tinha ouvido e estava de sobreaviso. Havia que
não ser apanhado de surpresa pelo fogo adversário. Decidi por isso passar em
velocidade, fazendo fogo para o local. Numa segunda passagem, se não tivesse
havido reacção, passaria em vôo lento para tentar ver por baixo da copa das
árvores.
E
foi assim que, depois de algumas rajadas de G-3, regressando à vertical
avistámos alguém saindo a rastejar da mata e evidentemente ferido. Pela
vestimenta era uma mulher.
Sem
qualquer palavra entre nós, e sem pensar em consequências, decidi aterrar. Fiz
estacionário o mais perto possível dela e aterrei “apalpando” o terreno por
baixo do capim. De pronto o mecânico saltou, desarmado, e correu ao seu
encontro. Senti uma vibração no rotor de cauda e depreendi que estava a cortar
capim. Sorte! Nem sequer pensei no acidente que poderia ter ocorrido na precipitação
da aproximação, mas felizmente não havia qualquer obstáculo escondido.
Regressou
com uma jovem mulher ao colo, ferida, pernas bamboleantes agarrando um filho de
meses contra o peito.
A
imagem ainda hoje me choca. Com tristeza e desânimo a invadir-me um nó na
garganta decidi “abortar”aquela missão.
Merda
de missão! Não estava preparado para esta situação !
Olhei
para trás antes de descolar para me certificar do que se passava. Porta
traseira aberta, uma perna de fora, o mecânico sentava-se no estrado do heli
cobrindo-lhe as pernas com a própria “capulana”, ( pano com que as
mulheres africanas se cobrem e lhes serve simultaneamente de blusa e saia ).
Usam
normalmente uma segunda, com que amarram o filho às costas enquanto trabalham
ou caminham.
A
sua posição não era segura mas compreendi que estava a tentar proporcionar-lhe
o conforto possível na ocasião: o seu abraço seguro e sentando-a entre as suas
pernas!
Os
ferimentos da mulher eram graves, a avaliar pela mancha de sangue na sua
“capulana” que lhe envolvia as pernas, deixando-a com um tronco desnudado.
Quando
a encarei, muito jovem, o seu rosto não deixava transparecer o mais leve esgar
de dor como seria espectável.
Estava
calma a contrastar com a impaciência manifestada por nós ambos.
Segurava
contra o peito desnudado o filho com uns olhos negros, redondos, voltados para
mim e que me transportaram dali para Luanda e para a minha filha da mesma
idade.
Se
alguma dúvida pudesse subsistir em mim quanto à continuidade da missão, aquele
olhar dissipou-a de imediato.
Decidi
regressar. Aquela cena perturbava-me.
Sentia
dificuldade em controlar as emoções! Inspirava rápida e repetidamente tentando
evitar exteriorizar perante o meu mecânico algo que não gostaria de transmitir.
Puta
de vida !
Fiz-lhe
sinal de polegar erguido. Respondeu de igual modo. Estava pronto! Descolei rumo
directo a Gago Coutinho!
E
vociferando palavrões que só eu ouvia ia dando palmadas na coxa esquerda,
sintoma de que algo não me corria bem! Pensava em muita coisa e também na
elaboração do relatório da missão, onde não podia constar esta cena. Era
necessário fazer algo por estes dois seres. Alguma coisa havia de me ocorrer.
Por
gestos, pois continuava com a ficha do capacete de vôo desligada, o mecânico
pedia para que apressasse o regresso apontando-me para as pernas feridas da
mulher e fazendo-me entender que era preciso, após chegada a Gago Coutinho,
proceder a uma evacuação para o Luso.
Aí estava a solução para a
minha preocupação !
Evacuar
aquela mulher era poupá-la a um interrogatório logo na aterragem.
Porém
era o entardecer e em breve seria noite. Iria ser difícil convencer o piloto do
DO-27 a fazer a evacuação! As evacuações nocturnas não eram permitidas no tipo
de aeronaves disponíveis no destacamento, se bem que no Leste fosse
tecnicamente fazível. Não havia obstáculos significativos e a identificação das
poucas localidades com iluminação era fácil. Em último caso seria uma decisão
que só o piloto poderia tomar mas sempre sujeito a eventual sanção disciplinar,
se bem que pouco provável.
Para
dificultar as coisas, não tinha comunicações com o destacamento – Gago Coutinho
não dispunha de facilidades aeronáuticas para além da pista – que me
permitissem pedir alguma antecipação na preparação da missão. Em vão chamei
pelo Renato e o Estima, para a eventualidade de se encontrarem a voar! Mas não
estavam!
Tinha
que esperar pela minha aterragem! Por outro lado talvez fosse melhor assim pois
não provocaria a curiosidade do pessoal da unidade!
Iríamos
ver que rumo as coisas tomariam após a aterragem. Era mais uma missão que
chegava, facto que não constituiria novidade no Batalhão.
Esperariam
que eu chegasse à sala de operações para elaborar o meu relatório e o mecânico
trataria do resto. Não tinha qualquer dúvida de que se iria passar assim.
Pelo
caminho constatei o cuidado com que mecânico tratava aquela jovem que minutos
antes tinha ferido tão gravemente.
Da
parte dela apenas um olhar sereno de quem não compreendia o que lhe estava a
acontecer.
Imaginei
para ela, o diálogo que ela estaria a travar consigo própria.
"Afinal
ela não estava ali porque o “mais velho” lhe tinha determinado cozinhar para
uns quantos camaradas que haviam de passar por ali naquela hora das vinte ?
E
que culpa tinha o seu filho das “macas” dos homens. Foi pena ter deixado as
“inbambas” (objectos pessoais) lá no mato. Talvez as recuperasse quando
voltasse, mas não imaginava bem quando seria! “
Ai
estava eu de novo a fazer romance!
A
aproximação à pista fez-me deixar para trás estes pensamentos que me
incomodavam! Era sinal de consciência pouco tranquila. Iria tomar banho. Talvez
lavasse!
Aterrados
e parqueados,... ninguém por ali como tinha previsto! Tanto melhor!
O
mecânico ao contrário do que era norma desapareceu deixando-nos aos três dentro
do heli.
Por
sua vez pus-me a preencher o livro do helicóptero (coisa que raramente fazia
deixando essa tarefa para o mecânico de vôo), enquanto aguardava o
desenrolar dos acontecimentos. Podia acontecer que o mecânico precisasse de mim
ali por perto!
Tomou
a iniciativa de ir convencer o piloto do DO 27 a efectuar a evacuação, o que a
acontecer, iria ser feita de noite.
Não
assisti, mas soube mais tarde que houve alguma tensão entre os dois, para que a
missão se fizesse. Não sei que argumentos usou, mas foram eficazes.
A
evacuação foi feita!
Regressaram
aos primeiros alvores do dia seguinte e aterraram numa aproximação directa à
pista para não dar azo a perguntas.
E
quando o encontrei, já barbeado e em fato de voo camuflado, exibia um ar sério
e grave, transmitindo a satisfação de dever cumprido! Tenho a certeza que não
tinha dormido!
Cumprimentei-o
com o tradicional bom dia ”Luena”.
-
“Môio”!
- Môio
óbi! Foi a resposta. E prossegui:
- Com
que então o Sr. C-----. esta noite foi “p`rás gajas”!
Nenhum
de nós queria falar do acontecido e esta abordagem servia às mil maravilhas
para o efeito!
Falava-se
sem dizer muito! Dava para nos entendermos.
-
Lá teve que ser Sr. Alferes!....
E
perfilando-se num rigoroso “sentido” acrescentou: - Mas “pronto para
operações”!
Ele
sabia que com esta minha observação, não referindo directamente o assunto, lhe
estava a transmitir a minha concordância para a sua atitude de querer
acompanhar a evacuação.
Mas
sabia mais ! Sabia que lhe estava a dar um louvor pessoal, pois esse é que era
importante para ambos.
Também
não precisava de lhe perguntar como estava a mulher!
Isso
seria trazer à memória algo que não queríamos lembrar. Sabíamos porém, que
ficara o melhor possível, a partir do momento que ficou entregue aos cuidados
do incansável pessoal médico e paramédico dos nossos hospitais de campanha!
O
mesmo já não poderia garantir se ela tivesse ficado em Gago Coutinho onde iria
ser submetida a um interrogatório e onde não teria os mesmos cuidados médicos
que no Luso.
Daí
a pressa em fazê-la sair dali. Nunca soubemos o que foi o futuro daquela mãe e
filho. Tínhamos tentado compensar um mal que não quiséramos fazer e com o qual
não contáramos.
Fui
à procura de guerrilheiros armados e saiu-me do nada, o que a natureza humana
tem de mais sensível e belo: uma jovem mãe e o seu filho!
Estas
eram as contradições que se viviam num conflito no qual, onde a par da
violência desencadeada a cada momento, surgia também uma faceta na qual tudo se
tentava para minimizar a dor de quem sofria.
E
que bem se comportou este guerreiro, habitualmente frio, que era o meu
mecânico.
Na
FA a prontidão das tripulações foi sempre grande, mas nas evacuações sanitárias
era ponto de honra! A disponibilidade era total! Tudo se interrompia para dar
lugar à execução da missão!
Face
a um pedido de evacuação de feridos em combate a refeição era de imediato posta
de lado!
O
raciocínio de cada um dos envolvidos na missão era o lógico: Aprontar o que lhe
competia porque os outros já estavam a fazer a sua parte!
Pilotos,
mecânicos, médicos, enfermeiros, controladores e demais pessoal envolvido no
apoio à missão tinham este procedimento!
Todos
sentimos um enorme orgulho de ter feito parte dessa geração!
Deste
episódio e em jeito de conclusão;
Para
os arquivos da guerra, esta missão de reconhecimento foi de facto efectuada…
No
relatório de missão ficou registado:
Efectuado
reconhecimento na área determinada.
Não
foi detectado qualquer grupo, ou vestígios da sua passagem!
E
era verdade!
O
oficial de operações do Batalhão não perguntou nada!
E
eu, apenas tinha “esquecido” aquela parte da missão atribuída, que rezava:
“…
captura na área, de elemento que possa fornecer informações sobre o referido
grupo”.
Porque estava convicto que
aquela mulher e o seu filho nada sabiam de relevante que pudesse interessar
para a conduta da guerra!
24 de Abril de 2010
"Formiga" - Major-general Queiroga, Piloto de helicópteros, Angola (1967-1970)
PS.
Este
mecânico MMA, tinha um apelido pouco vulgar e glosava sempre que o seu nome
vinha a terreiro. E se lhe perguntavam o nome dizia de forma pomposa que
era......sim, mas o único autorizado na Força Aérea .