Nota Introdutória
Situamos os “especiais” a caminharem pela Avenida Central, (Soares Carneiro), aquela
que deixava para trás os Correios. Subia, subia e dirigia-se para os lados da
Grande Rotunda e do Depósito Branco da Água. Observem as fotos e localizem-nos.
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VITO – Ohhh…Joca.
VITO – Antes de irmos matar
a sede ao Bar dos Passarinhos…vamos visitar o Juli à Cerâmica.
JOCA – Aquele teu
conterrâneo? O alcunhado de Soba?
VITO - Soba, “sanzaleiro”, “muatan”, “xacala”, “muata”. Eu sei
lá!...
JOCA – Pareces que és
formado em zoologia! Tantos nomes animalescos? Porquê a visita?
VITO – Tem sempre histórias
para contar. E, depois, talvez nos apresente algum pitéu fora do vulgar.
Conhece os “musseques” todos…
VITO – Estás a dar em “tahí”. Adivinhas tudo. Foi!…Falou com
o Capelão…disse-lhe que gostava de estar presente para o batismo da filha…e lá
conseguiu a cunha.
JOCA – Mas ele até não é
muito religioso?!...
VITO – Mas é esperto que
nem um “nganga”. Olha a tropa
dele!... Nem conhece a Base. Os serviços de prevenção, paga-os aos colegas para
o fazerem. Assim, não sai dos “quimbos”
e junta-se às “tusulas”. À linda Rosa que vive perto do Rádio Farol. Conheces?
VITO – Chiuuu… Vem aí o
nosso “muquixe”.
JULI – “Moyo”
JULI – “Kanawa”. Perderam-se por estas bandas?
VITO – Quisemos fazer-te
uma visita. Ausentaste-te da Base e não dás confiança aos conterrâneos!...
JULI – Vou fazendo a vida
por aqui até ao final da comissão. Estou habituado a esta gente. Faço uns
trabalhos na Cerâmica e os serviços da FAP…na vigília do Tanque da Água.
Consegui uma “cubata” nos arredores…e estou com a minha “pwo”…pretinha!...
Vamos ao petisco? Tenho ali umas coisas guardadas para os amigos…
VITO / JOCA – “IACAMOKA”!...Já não era sem tempo!
Marrador – Muita conversa
se soltou. Abancados na tabanca, conversavam, conversavam. O “muatchianvua”…era o bravo Juli, com as
suas histórias de negros!...
JULI – Oiçam mais
esta!...Há dias, combinei com alguns companheiros de armas, em fazermos um
pitéu à maneira. Precisávamos de roubar um cabrito na sanzala vizinha porém, este tipo de “sacar” é muito perigoso
perante as leis dos Sobas.
Já noitinha, pela cacimbada,
soltámos um cabrito e trouxemo-lo através do matagal. Perdidos, caminhámos
entre arbustos e não avistávamos qualquer saída. O bichinho, balia, balia com
frequência…e nós começámos por sentir um aperto no coração…e um formigueiro nos
pés!
Nisto, ouvimos vozes irritadas a proclamarem…ladrões, ladrões…Enfim,
uma multidão empunhando os seus “jimbos”
percorria a savana à procura do cabrito e dos “cabrões”!... O que fizemos?
Procurámos uma toca, escondemo-nos muito agachados uns aos outros, e segurámos
no cabrito – desejosos que ele não balisse… Mas ele balia, balia, comprometendo
a nossa vida. Um de nós, pegou-lhe no focinho e manteve-lhe a “fussa “
fechada…até que as vozes deixaram de se ouvirem. Resultado, cabrito morto por
asfixia…livrámo-nos dumas catanadas, mas não dum “cagaço” terrível!
VITO – Este Juli parece um
papagaio a palrar. Será tudo verdade?!... Uma coisa é certa, partiu de férias,
foi ao batizado da filha, e quando voltou do “puto”…voltou arreliado!
JOCA – Estragou-se lá?
Como, se foi para se divertir?
VITO – A mulher viu uma
fotografia dele junto a uma mulata com um bebé mestiço.
JOCA – Desconfiou da
“marosca”? Seria dele?
VITO – Mistérios de
África!…
JOCA – Vamos até ao Quiouco
pois, está lá o Pinheiro, o Torres, e outros tantos…
VITO – OK, meu!... Ainda
estou a pensar em quantas “falangas”
deu o Juli ao Soba para poder estar na cubata a viver com a…
JOCA – Esquece. Águas
passadas não moem farinha!...
VITO – Tens razão. Olha,
estás a ver aquele edifício todo decorado, tipo Discoteca?
VITO – O Borges,
meteorologista, aquele que estudou Belas Artes, foi convidado pelo dono para
decorar o interior e exterior com o propósito de criar um local recreativo à
imitação da Metrópole.
JOCA – O Borges…da cabrita?
Aquele que namorisca o docinho lindo e gostoso como o milho?
VITO – Esse, e essa mesma.
Os olhos dela, verdes de matar, assemelham-se à bela decoração da Discoteca. Colocou
nas paredes umas peças feitas de sarapilheira, douradas, folheadas. Nas
paredes, pinturas surrealistas. Balcão moderníssimo e mobília feita com arte
indígena. Tudo…a matar!
JOCA – O rapaz também fez
algumas coisas no nosso bar dos Especialistas!...
VITO – A FAP tem artistas
que ainda virão a ser revelados. Este, será um deles. Tem gosto para a beleza.
JOCA – Não fosse ele…de
Belas Artes, e belas moças!...Mulatinhas, cabritinhas,
matumbinhas…nhas…nhas…!...
Marrador - Chegados ao Bar Quiouco, depararam-se com o
Pinheiro e o Torres- em conversa
animada. O Torres tinha acabado de chegar do “puto”. Iniciava a sua comissão.
PINHEIRO – O que é que
estas duas P…andam a fazer por aqui?
VITO – “Nos passear”,
meu!...
JOCA – “As ver minina”,” y usted”?
PINHEIRO – A mamar uns
acepipes. O Torres, maçarico nestas paragens…está nos ajustes.
VITO – Uihhh…a praxe dos
graduados é mais requintada!
JOCA – Pudera, ganham
mais!...
PINHEIRO – Eu só mandei vir
um passarinho, mas o Torres diz que um só…não lhe chega para a cova dum dente.
TORRES – No “puto” comia
uma dúzia de passarinhos…e ficava com fome!...
PINHEIRO – Deixa vir só um.
Depois, mandas vir os que quiseres.
TORRES – Ehhh…pá!... O
passarinho é grande?!...
PINHEIRO – Pois, estamos na
savana africana. Aqui não há pardais…ou, melhor, há…mas são mais gordos.
TORRES – Isto é um frango
inteiro?!...
PINHEIRO – É o passarinho
da casa. Comias uma dúzia? O passarinho do Quiouco Bar…é assim! Tens muito que
aprender em Terras Africanas. Paga, paga e não bufes…
Guloso, pensava que o seu “acabadinho” de chegar, seria o substituto.
Enganou-se pois, era o substituto, não dele, mas do Rego. …,… Tudo gente
fina!...
JOCA – Tudo isso deu aso a
quê?
VITO – Ameaças, ameaças.
Num tom ríspido, severo como as cobras, ripostou: “Eh pá!... se cá estivesse o
meu amigo Rego, esfolava-te vivo”. “Está a lerpar há quatro meses e anda
cacimbado de todo”. “Enfim, eu vou representá-lo nas praxes devidas!...”.
JOCA – Continua com a
narração. Sempre quero comparar com a praxe dos Sargentos.
PINHEIRO – Só isso? Praxe
feita?
VITO – Espera. Depois do RN
ter ido à camarata colocar as coisitas saudosas do “puto”, dirigiu-se para a Messe
na intenção de almoçar. Ao entrar no Clube, o Agante, já avisado da sua
chegada, pediu total silêncio à multidão ali prostrada. O Rui Neves foi
apresentado como sendo um intruso, invasor, causador das tonturas do Rego…que
andava passado dos “carretos”. O Juiz suplente…tinha que o julgar. E, as vozes
dos carrascos fizeram-se ouvir… Castigo, castigo atroz!...
JOCA – A mesma praxe que me
calhou?
VITO – Pior. Ou, talvez
igual…eu, é que estou a “jingundar” a história!...Mas, as vozes aclamaram…”Um das Caldas cheio” ou, “Um banho turco na piscina dos alfaiates”…
JOCA – O que é que o Rui
Neves escolheu?
VITO – A “litraça” da
Nocal, bebida pelo “pipinho” vermelho…e ao som do “TERI-TERI”. Tudo num só gole. Ffff…
JOCA – Fala em Quiouco e
não digas obscenidades!...
VITO – Mas a praxe tinha
mais “piri-piri”.
PINHEIRO / TORRES – É
melhor ficarmos por aqui. Ainda teremos mortes!...
JOCA – O pessoal caiu por
terra a rir?
VITO – Ahhh…também caíste? Pois,
o suposto Capitão era simplesmente o Fiel de Armazém, Civil, e amigo o
estimado Mário Capitão!...
TORRES – Livrei-me de
boa!...
VITO – E a praxe continuou,
continuou… Passou-se para a cidade. Cubata Bar, “bjecas”. E a troupe danada
composta pelos “magníficos” Ezequiel, Antonino, Agante e tantos mais,
prolongaram a noitada!...Fardados a amarelo, tal foi a poeirada que apanharam
pelo caminho na Mercedes destapada!...
JOCA – E as coisinhas
trazidas do “puto”, comeram-se?
VITO – Acompanhadas com
duas grades de cerveja…
PINHEIRO – Com essa
praxe…já o Torres diria: “okutué”…
VITO – “Okutué” e “sujanouko”.
JOCA – Posso fazer de
tradutor…mas, o Torres terá que pagar-nos uma rodada!...
VITO / PINHEIRO / TORRES –
Olha… o “Passarinho”!…
Marrador - De frente para a
Avenida secundária que se dirigia para o Hospital, Cubata Bar, Hotel Pereira
Rodrigues, estavam os quatro numa conversa sem tempo contado. Falavam das
meninas, das sanzalas e “sanzaleiros”. África, cacimbo – savana e leões. Tempo
perdido numa infância agitada!... De repente, já bebidos, entranha-se-lhes uma
nostalgia medonha, que o VITO arremessa com estes versos…de
alguém!...Pronunciava-se o silêncio…para escutarem, a SAUDADE!...
As noites são tão
quentesComo a febre dos
doentes.
São tão quentes as
noites!
Tão vermelhas, das
queimadas,
Tão negras…tão
revoltadas…
Tão sequiosas…tão belas…
Como
as mulatas deitadas
Nas Cubatas sem janelas.”
Língua Quioca
Xacala – Grande chefe
Muata – Patrão
Tahí – Bruxo
Nganga – Feiticeiro
Quimbo – Aldeia
Muquixe – Mascarado
Kanawa – Como convém
Pwo – Mulher
Muatchianvua – Senhor universal
Jimbo – Machado
Falanga – Dinheiro
Okutué / Sujanouko – Obscenidades
Anotações:
Juli – Nome fictício – mas com factos reais
Borges – Facto real
Pinheiro / Torres – Facto real
Rui Neves – Facto real
Fotografias:
Recolha no “nosso” Blogue
Versos:
Filipe Raimundo (alteração na conjugação de um verbo)
Até Breve
O Amigo Vítor Oliveira – OCART