Hoje em dia, referencia-se e homenageia-se tanta
gente, alguns cujo percurso nunca nos disse nada.
Não é o caso do José Carvalho, nosso companheiro no leste de Angola, hoje e felizmente um piloto ainda no activo.
Não é o caso do José Carvalho, nosso companheiro no leste de Angola, hoje e felizmente um piloto ainda no activo.
Então, porque não prestar esta singela
referência, ao amigo, ao companheiro, que sem parangonas, sem alaridos, ultrapassou
há algum tempo a bonita soma de 18.000 horas de voo?!
(A melhor forma de o fazer
é transcrevendo o texto seguinte, muito recentemente publicado pelo próprio no
FB, sobre o mesmo tema)
Não me façam corar, vá.
Há aqui mais sorte do que mérito. Claramente, qualquer um poderia estar na minha situação. Era só questão de estar onde eu estive, quando eu lá estive. Não é nenhum "feito". Não vou dizer que não estou contente por ter chegado aqui. Estou!
Mas a minha satisfação, não é por ter voado todas estas horas. Estou contente por tantas alegrias que estas horas me trouxeram (também algumas tristezas, como em tudo na vida); contente pelos locais que visitei, pelas gentes que conheci, pelos amigos que fiz; contente porque estas horas de trabalho contribuíram para o bem de muitos; contente porque o meu trabalho foi apreciado por outros. Estou ainda mais contente por poder, ainda, continuar a fazer aquilo que gosto. Com fartura!
Quero no entanto dizer que não sou nenhum "artista" nestas coisas. Admiro - e invejo! - o que alguns sabem fazer. Nem sou especialmente qualificado, antes pelo contrário.
Apenas trabalhei muito. E gostei de o fazer. Assim possa continuar por mais algum tempo.
Não vem para o caso, mas vou recordar um daqueles momentos únicos que (quase) só esta actividade poderia proporcionar.
Andava eu, em companhia de um cientista da OMS, a "tratar" rios perto do Monte Nimba, ali onde as fronteiras da Costa do Marfim, da Libéria e da Guiné Conakri se encontram. Era hora de almoço, numa manhã radiosa do início da época das chuvas. O Sol brilhava e alguns cúmulos pequenos e brancos, não muito altos, salpicavam o azul do céu. O ar lavado pela chuva matinal estava transparente e a visibilidade era perfeita até onde a vista alcançava.
Resolvemos aterrar numa "plataforma" perto de um dos topos de uma cordilheira que sobressaía dos montes à volta, para comer as bolachas que seriam o almoço.
Num daqueles sítios "onde ninguém esteve antes". Não há nada a fazer lá em cima e o acesso "a pé" não deve ser nada fácil.
Parado o helicóptero, utilizámos pedras como assento improvisado.
O local era magnífico! Uma "varanda" na beira do precipício que descia quase na vertical até aos campos, de pequenas colinas roladas, bastante mais abaixo.
E lá ficámos durante algum tempo a comer e a olhar a paisagem que se estendia à nossa frente. A cor predominante era, claro, o verde do capim que começava a ganhar força trazida pelas primeiras chuvas. Faixas mais escuras formadas por árvores de grande porte, definiam os rios. O cheiro da terra quente e húmida era um verdadeiro banquete para o olfacto. Os sons que vinham das terras mais abaixo eram ecos esbatidos, quase o silêncio. A paz era total! Seria possível haver algum prazer melhor que este?
Surpresa! Foi mesmo possível! Um pequeno bando de andorinhas passou várias vezes perto de nós em voo planado. O silêncio era tal que se ouvia um "sopro" (o ruído das asas esticadas a passar pelo ar) a cada vez que passaram perto de nós. Os pilotos de planador sabem o que quero dizer com este "sopro".
Este acontecimento, inesperado, foi um momento único que eu nunca vou esquecer.
Todas as horas voadas seriam compensadas por um único destes momentos. E foram tantos. E tão diferentes.