sexta-feira, 16 de setembro de 2011

ANTÓNIO LOBATO - O MAIS LONGO CATIVEIRO DA GUERRA


Com o subtítulo "O mais longo cativeiro da guerra", este impressionante documento humano relata os longos anos em que o António Lobato esteve prisioneiro na Guiné Conakry, após ser capturado pelas forças do PAIGC, durante a Guerra do Ultramar.
Ao longo de 200 páginas, o livro refere o drama físico e psicológico vivido por um jovem militar português, que durante mais de sete anos foi capaz de suportar um isolamento extremo num cubículo de dimensões exíguas, em condições sub-humanas, mas sem perder a esperança de alcançar de novo a liberdade. Aliás, por três vezes se evadiu, tendo a última escapadela durado ainda uma curta semana, mas tão longa para quem durante dias e meses a fio permanecia confinado numa fortaleza sombria e claustrofóbica.
Mas o aspecto talvez mais saliente neste testemunho heróico tem a ver com a reflexão interior que o protagonista deste drama nos dá a conhecer, durante as longas horas que era obrigado a permanecer quase estático num espaço acanhado de quatro por dois passos, na medida do próprio autor. Sem a vastidão ilimitada do céu por onde se habituara a voar, Lobato é forçado, para sobreviver psiquicamente a essa provação extrema, a explorar uma outra dimensão: a do seu próprio ser interior do qual vai aprender a conhecer os limites ou, melhor ainda, a sua infinita transcendência.
Recusando-se a desistir da vida e escudado na promessa que fez à sua jovem esposa, nos oito meses que ambos passaram na Guiné "Se algum dia desaparecer não te preocupes, voltarei sempre." o Lobato estabelece consigo próprio um diálogo interior que lhe conserva a lucidez e o vai ajudar a passar os dias sufocantes e sempre solitários.
Ao mergulhar nesta outra dimensão, comum afinal a todos nós, o prisioneiro revela não apenas a força inabalável do seu carácter, moldado também na dura disciplina militar, mas dá-nos sobretudo uma lição de sobrevivência e da admirável capacidade que o Ser Humano tem de se adaptar às condições mais inóspitas e adversas. Deste modo, e como ele próprio afirma, foi esta vitória sobre si próprio que o salvou e simultaneamente enriqueceu como Pessoa, fazendo jus às palavras milenares de Buda, que a proclamou como "a maior de todas as vitórias".
O livro baseia-se não só nas recordações do seu autor, mas também nos apontamentos que ele escreveu durante o cativeiro, quando outro preso importante de uma cela contígua lhe forneceu papel e lápis, o que permitiu inclusive o envio clandestino de algumas cartas para a família, e até informações sobre a prisão e várias outras de carácter militar. Parte destes documentos, incluindo desenhos da topografia local e um esboço do Forte de Kindia, encontram-se reproduzidos nas 26 páginas do anexo final do livro.
E é só em Novembro de 1970, que a operação secreta "Mar Verde", durante muito tempo não admitida oficialmente pelo governo Português, põe fim ao longo cativeiro de Lobato e outros jovens militares portugueses, entretanto capturados pelo PAIGC. O regresso à Pátria e à família é apenas ensombrado por essa obrigação de não revelar o "modus operandi" da libertação, a qual é apresentada como uma fuga bem sucedida, já que o segredo de Estado assim o determina. Em suma, trata-se de um relato empolgante pela sua veracidade e que nos revela a faceta oculta da nossa própria humanidade, quando confrontados com situações limite em que apenas nos podemos valer de nós mesmos e de mais ninguém. Uns desistem e abandonam-se ao desespero e à negação, mas outros sempre acalentam o eterno sonho da liberdade recuperada, se não nos espaços exteriores, pelo menos na ampla vastidão do querer indómito de uma alma que não se verga a nenhuma adversidade, porque em si a Vida sabe!

É impossível entender-se de uma só vez todo o muito que está escrito neste livro. À primeira vêz, devido ao ritmo e emoção dos acontecimentos relatados, somos tentados a ler rapidamente sem parar. Inevitávelmente velocidade da leitura tende a fazer-se perder a brilhante mensagem que vai nas “entre linhas”. 
Já tinha a 1ª Edição, a qual tinha lido pelo menos umas 4 vezes nestes últimos anos, donde foi óptimo relembrar tudo outra vêz nesta 5ª leitura. Especialmente relevante nesta edição é o novo Capítulo VII – “Post-scriptum” (pag. 233) no qual o António Lobato demonstra uma ilimitada grandeza ao perdoar os seus carcereiros. Leiam!

João M.Vidal (publicado em HUF do fb)

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