Uma tarde no destacamento do Cazombo estava eu sentado à porta do hangar bebendo um Compal (era-nos distribuída uma embalagem por cada dia destacado e uma lata de fruta em calda por cada três dias), "bebendo" igualmente o sossego daquela tarde calma e a visão daquela “quase” planície, quando vislumbro na estrada de terra que ligava o Batalhão ao aeródromo um Jeep deslocando-se a grande velocidade na nossa direcção.
Adivinhando o que nos esperava, disse ao MMA, que penso ter sido o Rosado, que se preparasse pois íamos quase de certeza sair.
O condutor do Jeep informa-me do rebentamento de uma mina a poucos km do destacamento dos Fuzileiros de Chilombo, e que já voltaria com o pedido de missão.
Chilombo |
Passei sobre a área do incidente e aterrei no destacamento dos Fuzileiros.
O seu Comandante veio cumprimentar-me indagando o porquê da minha inesperada presença. Ao pô-lo ao corrente da situação o seu semblante mudou totalmente, pois desconhecia por completo o incidente.
Organizado um grupo de combate para recolha dos feridos e de um morto, se bem me recordo, fiquei a aguardar a sua chegada o que aconteceu muito perto do pôr-do-sol. A necessidade de prestar os primeiros socorros aos feridos e a premência de descolar para que o voo pudesse ser ainda realizado de dia, criou um clima de grande pressão sobre mim.
Vendo o estado dos feridos mais maltratados decidi que tinham de ser imediatamente transportados. Mas então como fazer o voo? De noite com certeza!
O voo durava cerca de 20 minutos. Seguiria ao longo do Zambeze, sobrevoaria uma pequena povoação que seria visível pelas suas fogueiras e, perto do Cazombo, já conseguiria sintonizar a ADF, bem como a povoação seria francamente visível.
Fiz o voo com as luzes de navegação apagadas para evitar ser alvo de algum "abonanço".
AM43 - Cazombo |
A pista do Cazombo foi preparada para a aterragem nocturna com os apropriados candeeiros. Lá descolei direccionado para o Cazombo e tudo correu como previsto.
Passei à vertical do aeródromo, identifiquei perfeitamente a pista, entrei no vento de cauda, na perna base e só na final acendi aquele farolete que o DO-27 tinha na ponta da asa esquerda, a que chamavam farol de aterragem.
Na parte final da aterragem, bem junto ao chão, vi algo azul a passar rapidamente à frente do avião. Intrigado com o facto indaguei junto do Comandante do Aeródromo o que poderia ter sido.
Um soldado da PA tinha sido mandado guardar os candeeiros, pois como quem conhece o Cazombo deve recordar-se, a pista era paralela ao aeródromo e do outro lado existiam dois kimbos, de onde quando havia voo nocturno vinham roubar os candeeiros e, como o melhor lugar para ver ambas as bermas da pista era estar bem no meio dela, aí se colocou ! Quando viu o avião quase a colidir com ele atirou-se para o chão e eu lá passei sobre o pobre coitado. O azul que vi era obviamente a sua camisa do uniforme da FAP.
Mandei chamar o PA e apareceu-me um jovem louro, de olhos azuis, de calças de camuflado e camisa azul, pálido como uma parede branca.
O PA lá me explicou porque estava no meio da pista. Perguntei-lhe se não “desconfiava” que eu iria aterrar exactamente no meio da pista, ao que ele me responde que pensava que não, pois ao ver o farol de aterragem, que julgava estar ao meio do avião, e não na ponta da asa esquerda, ficou com a ideia que iria aterrar ao lado da pista !!! Creio que só lhe disse para se ir embora.
Quando estava a estacionar na placa vi montes de gente junto a uma cancela que dava para a dita placa. Quem guardava a cancela e “comandava” toda aquela gente era um PIDE, que embasbacado me dizia que eu era o herói da noite !
Felizmente tudo acabou bem, com um pequeno senão.
Ao regressar do destacamento como era da praxe fui apresentar-me ao Oficial de Operações que, de modo agreste, me prometeu uma "porrada" por ter feito o voo nocturno. Ainda hoje recordo, chamando-me de modo ameaçador com o dedo indicador, as suas palavras: "Então você andou a fazer voo nocturno no Cazombo ?"
Perante a evidência fiquei obviamente calado. Ele acabou dizendo-me: "vá para casa antes que eu lhe dê uma porrada e você nunca mais é alguém na puta da vida".
E eu fui…
E eu fui…
Quando algum tempo depois voltei ao destacamento é que percebi onde tinha começado a minha "desgraça" em relação aos nossos chefes.
O Comandante do Batalhão, e isto foi-me dito por ele próprio com ar de grande satisfação, em virtude de eu ter descolado antes da chegada do seu pedido de missão, enviou para o Luso um louvor à minha rapidez e capacidade de decisão…
Restou-me a consolação de ter cumprido a missão a que me tinha proposto, evacuar os feridos mais graves, e felizmente com êxito.
E gostei mesmo. Boa malha.
ResponderEliminarÉ sempre bom "reviver" tempos e situações já longínquas, mas gravadas nas nossas memórias.
ResponderEliminarAbraço.
Também achei a história linda, conheci a pista do Carimbó, só com dúvida s em relação à Compal ainda não tinha nascido!... Não antes uma bebida achocolatada chamada Silva? Um Abração...
ResponderEliminarAdorei a historia porque sei o que isso porque tambem la estive em 1973, 1975
ResponderEliminarVa lá nessa altura tinham direito a um compal por dia e uma lata de fruta em cada 3 dias, no meu tempo tinhamos "raspas"
ResponderEliminarÉ com grande sentido de emoção que lei-o estas passagens verdadeiras, as lágrimas veem ao de cima.196471967
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