Camaxilo AM 42, leste de Angola, era uma noite daquelas quentes como tantas outros que se faziam sentir no Camaxilo. Como habitualmente, quase todas as 6ªs Feiras, íamos até ao aquartelamento do Exército que ficava perto da Sanzala que dava nome ao AM, para ver algum filme que por lá projectavam.
Do nosso Aeródromo até ao quartel do exército distavam cerca de 4 a 5 km, por caminho arenoso que serpenteava entre uma mata homogénea de árvores de médio porte e mata densa.
Nessa 6ª. Feira, terminado o filme, ocupamos os lugares no nosso velhinho Hunimog que o Pato (soldado SG) tão bem conhecia e fizemos o regresso ao Aeródromo. Chegámos por voltas das 00h30. Tínhamos praticamente acabado de nos deitar, com as nossas G3 penduradas nos beliches que cada um ocupava, quando fomos quase que de imediato surpreendidos por um matraquear intenso de tiros, saídos da mata que demarcava o Aeródromo. As chamas que envolviam cada projéctil, ao ser disparado, indiciavam que estávamos completamente cercados.
Por cálculo seriam cerca de duas dezenas de elementos aqueles que abriam fogo sobre as instalações do Aeródromo. Ficámos desnorteados obviamente, mas isso não nos tirou o discernimento suficiente ainda, para sairmos da camarata e ocupar-mos posições nas instalações do AM. Alguns ocuparam a torre que fica contígua ás camaratas e outros assim como eu, ocuparam o edifício de rádio transmissões onde tinha-mos aquelas “guaritas internas“ que nos permitiam abrir fogo sem nos expor-mos demasiado. Esta situação durou cerca de 30 minutos, 30 longos minutos.
Entretanto e assim como tudo começara, num ápice, tudo acabara. O silêncio fez-se sentir e percebemos que aqueles que nos haviam atacado haviam desaparecido como que por magia, o que até nem era difícil devido à enorme mata que envolvia o Aeródromo e à escuridão que era bem densa nessa noite. Entretanto, havia sido solicitado auxilio a Henrique de Carvalho, contando que estávamos debaixo de fogo e de lá disseram que de imediato ia partir um avião com pessoal para nos apoiar. Ouvi pessoalmente a transmissão pois estava no Posto de Rádio na altura. Também conseguimos contactar com o aquartelamento do Exército que ficava mais perto de nós, mas foi-nos dito que seria demasiado arriscado intervirem e depois porque necessitariam de ordens que nunca chegariam.
Era assim uma espécie de salve-se quem puder e nessa não me meto. A noite foi passando e o silêncio continuava. Ninguém dormiu nessa noite e de manhã cada um ostentava bem os indícios daquela directa.
Mas nós perguntávamos, e o avião que vinha de Henrique de Carvalho, onde está ? Não tinha vindo durante a noite mas depois e pela transmissão de bordo entre o Posto de Rádio e a aeronave ficamos a saber que haviam partido de Henrique de Carvalho por volta das 08h00 (só ?) da manhã . Era demasiado arriscado voar de noite foi o que nos disse o Sargento Serras (MMA), dado que os nossos aviões não estavam preparados para o fazer. Pois e se com muitos mas à mistura, se tudo tivesse sido diferente então teríamos sucumbido ali e seríamos mais uns quantos números a acrescentar à lista de baixas da 2ª. RA. Claro que ficámos a saber que apenas podíamos contar connosco. Depois claro e bem à portuguesa, fizeram-se valas de protecção em torno de todos os edifícios do AM, criou-se uma zona neutra de separação entre duas vedações com algumas minas implantadas e edificou-se 4 casas mato munidas de potentes holofotes e camarata na sua base. Um verdadeiro mini-forte.
Ainda e numa reunião nessa mesma manhã, como todo o pessoal ali em serviço no AM foi-nos pedido algum silêncio sobre o caso. Claro que e apesar do segredo solicitado, ainda um número significativo de militares vieram a saber deste acontecimento, mas muitos outros nunca chegaram a ter conhecimento do mesmo.
É pois para esses que aqui relato em traços sucintos o que aconteceu naquele noite de Verão no Camaxilo. Para aqueles que de alguma forma estão ligados a este acontecimento, sentirão que o coração se enternece ao recordar aqui e agora aquela noite, já tão distante.
Oliveira 1.º CABO ENF
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