quinta-feira, 28 de abril de 2022

ZECA AFONSO, RUI PATO e SALGUEIRO MAIA


Na EPC de Santarém, em 1969:

Você é que anda a acompanhar o Zeca Afonso nos discos?"
- Sou, sim, meu tenente!
Então fica já uma coisa combinada - sempre que eu estiver de serviço, o meu amigo leva a viola para o quarto do médico de serviço.

Como a maior parte de vós saberá, o Rui Pato, que tocava com o Zeca desde 1962, foi impedido de o acompanhar na viagem a Londres para a gravação do disco Traz Outro Amigo Também, por se ter envolvido nas lutas dos estudantes durante a crise académica de 1969. Também por isso, tal como todos os outros estudantes afetos à AAC (50!), foi expulso da Universidade - frequentava já o 4.º ano de Medicina - e castigado com o serviço militar.
Depois da recruta, em Mafra, Rui Pato foi enviado para Santarém, para o quartel de cavalaria, onde acabou por conhecer Salgueiro Maia. A seguir aos comandos, a cavalaria "era a pior arma porque estava preparada diretamente para a guerra na Guiné, tinha uma instrução própria", explicou ao DN em abril de 2019.
"Aí, foi um período duríssimo, porque foi instrução a sério, mas também teve os seus aspetos interessantes, que começou logo no dia em que fomos apresentados ao tenente Salgueiro Maia, que mandou destroçar a parada e se dirigiu a mim e ao João Pais Brito, que depois acabou por fugir".
"Você é que anda a acompanhar o Zeca Afonso nos discos? 'Sou sim, meu tenente'. Ora bem, vocês sabem que têm aqui um estatuto especial e que nós somos obrigados a vigiar-vos de uma maneira muito mais apertada do que aos outros recrutas que aqui temos?".
A resposta de Rui Pato e de João Pais Brito não se fez esperar: "Sabemos, sim". O espanto vem a seguir com o pedido de Salgueiro Maia: "Então fica já uma coisa combinada - sempre que eu estiver de serviço, o meu amigo leva a viola para o quarto do médico de serviço".
"E assim foi. E passámos umas noites animadas e nessa altura fiquei a saber quem era o Salgueiro Maia, isto ainda em 1969, quando ainda faltava bastante tempo para a revolução de 1974, em que já no posto de capitão teve um papel importantíssimo", contou ainda ao DN o RUI PATO.

E, já agora acrescento eu que, numa tertúlia em casa de amigos comuns, em Amiais de Cima, concelho de Santarém, ouvi o Fernando Salgueiro Maia cantar e tocar Zeca Afonso muito bem, com a sua voz tonitruante, enchia todo um salão sem precisar de microfone. Isto em 1980, já depois do regresso dos Açores, para onde tinha sido transferido em 1976.
(esta história tinha de ser contada com o devido destaque, o Rui Pato já a contou no seu mural, não sei se alguma vez aqui também em comentário, autorizou-me a contá-la aqui, tanto mais que é pública, consta num artigo do DN de há dois anos)

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