sexta-feira, 14 de maio de 2021

COMBOIO MALA DE BENGUELA



Na estação do Lobito, antigas carruagens relembram os tempos áureos do Caminho-de-Ferro de Benguela. A viagem era longa e (para alguns) cheia de luxo e “glamour”. Um breve passeio turístico entre Lobito e Benguela no antigo Comboio Mala é um agradável regresso no tempo.
“Partiiiiiiidaaaaaa!”
O comboio sempre foi fascínio puro. Em Angola, cruza terra de lés-a-lés, liga cidades, vilas e aldeias. É motivo de festa e celebração nos breves minutos que para nos apeadeiros e estações. Caminho-de-Ferro de Luanda, do Amboim (há muito desactivado), do Namibe. E, claro, o impressionante Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB), percorrido pelo tantas vezes cantado Comboio Mala, como é conhecido por todos.
Luso - Moxico, 1968

“Comboio Mala vou apanhar
Para o Moxico vou viajar
Os meus amigos vou visitar
Vamos saudades mandar
Ai ai mamã!”
No Lobito, as velhas carruagens forradas com painéis de madeira relembram os inícios do CFB. As mesas e cadeiras do restaurante, as paredes forradas com velhas fotografias a preto e branco que contam a história do Comboio Mala são o que resta desse comboio de estilo inglês e nobre. Estética que remonta às origens do próprio CFB, em 1899.


Foi neste ano, já quase entrado o século XX, que o governo português decidiu ligar Lobito ao interior africano, animado pela descoberta de minérios na Katanga, actual República Democrática do Congo. A 27 de Novembro de 1902 a obra foi concessionada ao inglês Robert Williams (daí vem o tal estilo britânico) e o CFB passou a ser propriedade maioritária da famosa Tanganika Concessions LTD.
Em Teixeira de Sousa-Luau - 1970 

As obras começaram a 3 de Março de 1903. Cinco anos depois, chegava ao Cubal; em 1912, atingia o Huambo. Vinte e cinco anos mais tarde, a 6 de Junho de 1929, apitava na antiga Teixeira de Sousa, actual Luau. E a 1 de Julho de 1931, ligava-se finalmente ao então Congo Belga. Começava então o grande negócio do transporte de minérios e outros produtos do interior africano que em 1973 atingiria o recorde de 3,3 milhões de toneladas!
Nesses tempos, os comboios partiam do Lobito às segundas e sextas-feiras, chegando à fronteira leste três dias depois. Três carruagens transportavam os passageiros de terceira e quarta classe. A segunda classe viajava nos três vagões seguintes. Vinham depois a cozinha, a copa e o lindíssimo restaurante alimentado pelos padrões do Hotel Términus. Finalmente, seguia a carruagem da primeira classe. Luxuosa, espaçosa, com camas confortáveis, assentos de pele de alta qualidade. E com empregados impecavelmente vestidos de branco. É esta experiência que se pode reviver na visita às carruagens ou numa breve viagem entre Lobito e Benguela, disponibilizada por agências de turismo locais (confira previamente a disponibilidade).


Ao longo dos seus 1345 kms, a viagem passava por montanhas, planícies, escarpas. Cruzava rios, savana e os enormes eucaliptais plantados ao longo da linha, que abasteciam de lenha os fornos do comboio a vapor. O tempo era passado em jogos de carta, descanso, leituras, conversas ou pura contemplação. Dia e noite, o comboio avançava por terra angolana. Lobito, Catumbela, Cubal. Caála, Huambo, Kuito-Bié. Camacupa, Luena e Luau. Apenas algumas das 67 estações do Comboio Mala, onde as populações locais aproveitavam os breves minutos da paragem (normalmente não mais de 10) para vender todo o tipo de artesanato e bens.
Na actualidade em Luena - Moxico

O melhor de tudo é que esta viagem não é coisa do passado e pode ser novamente vivida. As carruagens inglesas, essas sim, ficaram lá atrás no tempo. Mas desde 12 de Março de 2015 que o CFB está aí com toda a força, saindo do Lobito e terminando no Luau. 90 anos depois do apito inaugural (pouca- terra, pouca-terra) olhos postos de novo nos recantos fantásticos da nossa terra que o serpenteante Comboio Mala conhece como ninguém.

Ai ué, Kurikutela!

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