quinta-feira, 6 de setembro de 2018

OS ÚLTIMOS DIAS EM HENRIQUE DE CARVALHO

Militares do B.Cav. 8322 na porta de armas em Agosto de 1975

O fechar de portas no AB4 foi antecedido na realidade de inúmeros "factos" que à distância nos arrepiam ainda. Não serei propriamente um traumatizado de guerra, mas ficaram "slides" a preto&branco que, embora incómodos, podem ser revelados.
O 12 de Junho de 1975 foi de facto o despertar para um "fim" que se sabia calendarizado, mas não tão rápido e violento. A cidade foi varrida programadamente por quase 30 horas de "guerra civil" e nos dias/semanas seguintes as noites eram escuras – fora da Base - e tracejadas por morteiros e projecteis que vistos de longe assustavam.
Descolar e aterrar eram contudo rotinas sem grandes condicionantes.
Pessoalmente a minha noite de 12/13 de Junho e todo o resto do dia, foi passado deitado no interior de uma banheira da casa de banho, pois "fui apanhado" em plena cidade e pude refugiar-me numa das casas que a Força Aérea ali tinha (Bairro). Horríveis 30 horas, pois não se adivinhava o que estaria a acontecer em redor. Só uma operação feita por Comandos do ME nos evacuou para o AB 4.
A destruição, com mortos à mistura (a maioria dos 3 "movimentos" envolvidos), era imensa e foi aí a debandada dos civis para perto dos "aviões" na ânsia de sair e de ter mais (aparente) protecção.
A enfermaria da Base parecia um bloco operatório, - porque não uma morgue - aonde chegavam também feridos de outras localidades. Era um caos absoluto. Talvez dos locais mais assustadores, quando se olha para trás. Um comandante da Fnla, recordo, apareceu em maca, consciente, com um grande "buraco" num dos ombros, tapado com uma rolha de papel…imagens que não saem.
As "oficinas" da Base tinham como única missão fazer "caixotes" em madeira, em primeiro  lugar para envio de haveres dos civis e militares da Base, para Luanda e depois via marítima da Portugal. Depois outros foram feitos para amigos e fornecedores do AB4. Eu próprio acompanhei a feitura de alguns. Também devo "confessar", neste contexto, que consegui que alguns amigos da Base "transferissem" legalmente algum dinheiro via Agência Militar para Lisboa. Como? Utilizando autorizações do COMRA2 de militares e civis que não possuíam o "total" que lhes era autorizado.
Em Lisboa em Setembro, andaria em contactos e viagens fazendo a distribuição, cá, dias depois e por essa altura a Agência Militar "falirá", é o termo. Houve ruptura absoluta, que só foi reposta suponho que em Dez/Janeiro desse ano. Os valores médios transferidos eram de 30/50 contos à época.
A situação de confronto armado na cidade
Em Henrique de Carvalho, entretanto, para quem tinha assuntos administrativos, bancários ou escolares…foi muito complicado. Recordo ter ido em princípios de Agosto, ao Banco de Angola, junto do Pinto e Irmão visar um cheque de 130 mil contos, do AB4, - saldo apurado na conta corrente-liquidação para entregar em Luanda, em 2 jeeps e havia "gente armada" e tiros avulsos em sítios diversos. O comércio estava fechado, quase literalmente. Um susto perfeito, que nem nos filmes.
A sensação na Base era de facto de "segurança", não nos passava - penso hoje - pela cabeça, que a guerra civil em HC chegasse ali. Havia de facto alguma "calma" e informalidade, a prova é de que se andava à civil depois das 17:00 horas.
Passámos a ser visitados por muitos aviões civis "não habituais", Boeings e outras "aves raras", que faziam evacuações quase diáriamente.
A cozinha da Base era grande…mas pequena para tentar alguma ajuda aos "civis’" acampados nas redondezas. O total de militares da FAP, em Agosto, não andaria pelos 50.
Tinham-se entretanto deslocado de HC para a Base, os militares do Batalhão de Cavalaria 8322, onde se mantiveram até à transferência da Base para o Mpla.

Militares do B.Cav.8322

Não registei nomes nem números, porque na realidade "todo o mundo queria cavar", e do outro lado da linha havia uma mensagem no ar: “nem mais um militar para as colónias”.
Agora a sinopse desta foto abaixo. Nas noites, um pouco frescas de Agosto, reuníamos e petiscávamos noite dentro à volta da "fogueira". Gin, whiskie, Casal Garcia e cerveja havia em quantidade e cozinhávamos na cozinha da Base. A fotografia foi feita junto dos alojamentos de oficiais e lá está o Maj. Fermeiro, eu próprio, todos sempre à civil o que não deixava de ser um hábito. 
Lembro ainda que a luz mesmo dentro do AB4 faltava muitas vezes, assim como a água… 
Pena não haver – penso que ninguém teve essa preocupação – uma fotografia de "família".
No verso desta dita escrevi à mão “Um final feliz…”
Talvez!


Por:


5 comentários:

  1. Eu também estive nessa data no AB4 e confirmo tudo o que foi escrito por alguém que neste período sofreu mais do que eu, gostaria de enviar um abraço ao major fermeiro e ao meu capitão Várzea

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  2. É verdade tudo o que foi disto nesta peça, eu estava no AB4 nesse período e fui eu que dei o alerta do que se estava a passar na cidade, polícia aérea, um abraço para o major fermeiro.

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  3. Então eu conheço te, estava também nessa data no AB4, eu era polícia aérea conhecido pelo Cacém, o capitão era o Várzea e o major fermeiro apoiava nos no desporto.

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  4. Estive no AB4 até Junho de 75, penso que o capitão Várzea já morreu, quanto ao major fermeiro, julgo que ainda tal como eu ainda pertence ao grupo dos vivos. Um abraço.

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  5. Saí do ab4 em Junho por terra para Luanda no autocarro da base, afim de salvaguardar o transporte das bombas que eram transportadas em camiões mais velhos do que eu, onde pára o alferes que acompanhou a coluna.

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