quinta-feira, 13 de setembro de 2018

MISSÕES "FERRY" NA DESPEDIDA DE ANGOLA

BA9 linha da frente dos Nord, em 1974


Fiz o primeiro voo num Noratlas a 30 de Janeiro de 1969 e o último a 6 de Outubro de 1976.
Da minha experiência, (efectuei 3742:45 horas) posso afirmar ter sido um avião extraordinariamente robusto e “alérgico” a avarias graves.
Uma ou outra anomalia mas, comigo, nada de especialmente grave, excepto a que de seguida vou relatar, por inédita e inesperada.
Missões “ferry” (transporte do próprio avião) e avaria.
Como se sabe, durante o período da Guerra do Ultramar, as nossas relações com os países africanos eram, como não podia deixar de ser, nulas e mesmo nada amistosas. Isto significava que os nossos Nord em serviço em Angola e Moçambique, nas suas deslocações para ida e regresso à Metrópole, para efeitos de grandes revisões, obrigavam à instalação de depósitos suplementares para permitir autonomia suficiente (ferry) para voar entre S. Tomé e Guiné e vice-versa.
Em Outubro de 1975, a pouco mais de um mês antes do Dia da Independência de Angola, levanta-se um problema para fazer recolher à metrópole os dois aviões Nord ainda ao serviço na BA9 – já não havia “kits” de depósitos para “ferry”.
Solução: pedir autorização aos americanos para utilizar as suas instalações na Libéria – Robertsfield (actual Monrovia). Essa autorização foi conseguida mas, não havia dinheiro em moeda estrangeira disponível em Angola para as viagens. Para resolver o problema, eu mesmo, sou enviado a Lisboa para que a Força Aérea me fornecesse duas coisas essenciais para as viagens: libras (não havia dólares) e dois cartões de duas empresas gasolineiras para “pagar” os reabastecimentos. Fui num dia e regressei no outro.Acabei por ser eu a trazer os dois Nord ainda em Angola: o 6401 e 6415.
O 6401 no Cazombo em 1971

Saí, com o 6401, de Luanda a 18 de Outubro para S. Tomé. A 19, de madrugada rumámos a Robertsfield onde aterrámos, reabastecemos e, logo de seguida, partida para o Sal (Cabo Verde). 
Nesse dia fizemos 11:25 horas de voo.
No percurso, Libéria/Sal, voávamos um pouco antes de "abeam” (a 90º) de Dakar, a 9000 pés, dentro de uma bruma terrível (poeiras do Saará) que nos obrigava a voar em instrumentos (não tínhamos referências para voar à vista). 
Fazia o meu turno de pilotagem (piloto automático estava fora de serviço – há já muito tempo deixara de trabalhar) quando o outro piloto se vira para mim e apontando para o "gyro" (indicador de direcção) pergunta: "Para onde vais?"
Surpreendido, pois o meu horizonte artificial indicava-me as asas niveladas, reparo no gyro a rodar, a bússola a rodar e o pau e bola inclinado. Conclusão: o meu horizonte artificial “pifou”! Entreguei-lhe o comando para pilotar com os instrumentos do lado dele.
Assim se fez, corrigiu-se o rumo e seguiu-se em frente. Pelo meu lado bloqueei o meu "horizonte" e recriminei-me por me ter distraído e não ter feito cross-check (verificação dos outros instrumentos) mais vezes.
Sendo seguidor dum velho ditado que “um mal nunca vem só” fiquei com os sentidos bem despertos e desconfiando do resto.
Passados cerca de 10 minutos, repete-se a cena. 
O avião recomeçou a rodar. Olhei para o horizonte artificial dele e pude verificar que estava nivelado mas, de facto, o avião estava a rodar. Não queria acreditar, o outro horizonte também tinha “pifado”! Pela primeira vez na minha vida de piloto, fui obrigado a voar a sério e por necessidade com "pau e bola" (instrumento rudimentar mas seguro) durante cerca de meia hora, até ficar com visibilidade para voo visual normal.Para completar a história, devo dizer que o horizonte artificial da esquerda era pneumático e o do lado direito com alimentação eléctrica, daí, independentes. As fontes de energia eram diferentes exactamente para prevenir avarias conjuntas. Nos reports que tínhamos da Segurança de Voo, não se conhecia um caso duma anomalia desta ordem, ou seja, duas falhas quase em simultâneo com sistemas diferentes. Inesperado, mas sucedeu.  Na ilha do Sal, onde fomos obrigados a ficar um dia para a reparação, aproveitámos haver um C-47 encostado às “boxes”, ao qual retirámos o tubo pneumático (era igual) e resolvemos o problema, colocando-o no Nord.Continuámos a viagem para Alverca via Canárias, só com um equipamento.Como era um voo de “ferry” aceitava-se voar com aquela limitação.
O 6415 em Maquela do Zombo, em 1962

Por falar no C-47 Dakota, foi um avião em que cheguei a voar também, apesar de poucas horas, divididas em dois períodos: na Guiné em 1964/65 onde efectuei 138:05 horas e anos mais tarde nas OGMA com 17:25 horas. Na Guiné fui algumas vezes a Cabo Verde em missão, mas nunca cheguei a ser qualificado Comandante de bordo.Também fiz a minha “perninha” em C-54: num regresso de França, com mau tempo perguntaram-me se queria pilotar. Aproveitei de imediato. Foram 3:20 horas de “sacudidelas”, mas feliz pela experiência.

Também cheguei a "apreciar" ainda o Oxford, o DC-6 e o P2V-5, além do Boeing 707.   


Por especial deferância do Sr.
Cap. Pil. (Ref) Fernando Moutinho

3 comentários:

  1. Germano Marta14 dezembro, 2022

    Tudo verdade. Também vinha como Navegador nessa viagem. E antes já tinha feito mais oito ferries. Dois de Alverca para Luanda e os outros de Luanda para Alverca.

    No segundo, de Alverca para Luanda devemos ter batido o recorde de permanência no ar do Nord-Atlas. 14:15 de Bissau a Luanda direto por teimosia do Cmdt de bordo.
    Aterramos em Luanda a contar com 400 litros de combustível que não davam indicação nos instrumentos!…

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  2. Bem me lembro dessas viagens pois em Alverca rececionamos esses e outros aviões, grande amigo o Capitão Moutinho.

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