BA9 linha da frente dos Nord, em 1974 |
Fiz o primeiro voo num Noratlas a 30 de Janeiro de 1969 e o último a 6 de Outubro de 1976.
Da minha experiência, (efectuei 3742:45 horas) posso afirmar ter sido um avião
extraordinariamente robusto e “alérgico” a avarias graves.
Uma ou outra anomalia mas, comigo, nada de especialmente grave, excepto a que de
seguida vou relatar, por inédita e inesperada.
Missões
“ferry” (transporte do próprio avião) e avaria.
Como se sabe,
durante o período da Guerra do Ultramar, as nossas relações com os países
africanos eram, como não podia deixar de ser, nulas e mesmo nada amistosas.
Isto significava que os nossos Nord em serviço em Angola e Moçambique, nas suas
deslocações para ida e regresso à Metrópole, para efeitos de grandes revisões,
obrigavam à instalação de depósitos suplementares para permitir autonomia
suficiente (ferry) para voar entre S. Tomé e Guiné e vice-versa.
Em Outubro de 1975, a pouco mais de um mês antes do Dia da Independência de Angola, levanta-se um problema para fazer recolher à metrópole os dois aviões Nord ainda ao serviço na BA9 – já não havia “kits” de depósitos para “ferry”.
Em Outubro de 1975, a pouco mais de um mês antes do Dia da Independência de Angola, levanta-se um problema para fazer recolher à metrópole os dois aviões Nord ainda ao serviço na BA9 – já não havia “kits” de depósitos para “ferry”.
Solução: pedir autorização aos americanos para utilizar as suas instalações na
Libéria – Robertsfield (actual Monrovia). Essa autorização foi conseguida mas,
não havia dinheiro em moeda estrangeira disponível em Angola para as viagens.
Para resolver o problema, eu mesmo, sou enviado a Lisboa para que a Força Aérea
me fornecesse duas coisas essenciais para as viagens: libras (não havia
dólares) e dois cartões de duas empresas gasolineiras para “pagar” os
reabastecimentos. Fui num dia e regressei no outro.Acabei por ser eu a trazer os dois Nord ainda em Angola: o 6401 e 6415.
Saí, com o 6401, de Luanda a 18 de Outubro para S. Tomé. A 19, de madrugada
rumámos a Robertsfield onde aterrámos, reabastecemos e, logo de seguida,
partida para o Sal (Cabo Verde).
Nesse dia fizemos 11:25 horas de voo.
No percurso, Libéria/Sal, voávamos um pouco antes de "abeam” (a 90º) de
Dakar, a 9000 pés, dentro de uma bruma terrível (poeiras do Saará) que nos
obrigava a voar em instrumentos (não tínhamos referências para voar à
vista).
Fazia o meu turno de pilotagem (piloto automático estava fora de serviço – há
já muito tempo deixara de trabalhar) quando o outro piloto se vira para mim e
apontando para o "gyro" (indicador de direcção) pergunta: "Para
onde vais?"
Surpreendido, pois o meu horizonte artificial indicava-me as asas niveladas,
reparo no gyro a rodar, a bússola a rodar e o pau e bola inclinado.
Conclusão: o meu horizonte artificial “pifou”! Entreguei-lhe o comando para
pilotar com os instrumentos do lado dele.
Assim se fez, corrigiu-se o rumo e seguiu-se em frente. Pelo meu lado bloqueei
o meu "horizonte" e recriminei-me por me ter distraído e não ter
feito cross-check (verificação dos outros instrumentos) mais vezes.
Sendo seguidor dum velho ditado que “um mal nunca vem só” fiquei com os
sentidos bem despertos e desconfiando do resto.
Passados cerca de 10 minutos, repete-se a cena.
O avião recomeçou a rodar. Olhei para o
horizonte artificial dele e pude verificar que estava nivelado mas, de facto, o
avião estava a rodar. Não queria acreditar, o outro horizonte também tinha
“pifado”! Pela primeira vez na minha vida de piloto, fui obrigado a voar a sério e por
necessidade com "pau e bola" (instrumento rudimentar mas seguro)
durante cerca de meia hora, até ficar com visibilidade para voo visual normal.Para
completar a história, devo dizer que o horizonte artificial da esquerda era
pneumático e o do lado direito com alimentação eléctrica, daí, independentes.
As fontes de energia eram diferentes exactamente para prevenir avarias
conjuntas. Nos reports que tínhamos da Segurança de Voo, não se conhecia um caso
duma anomalia desta ordem, ou seja, duas falhas quase em simultâneo com
sistemas diferentes. Inesperado, mas sucedeu. Na ilha do
Sal, onde fomos obrigados a ficar um dia para a reparação, aproveitámos haver
um C-47 encostado às “boxes”, ao qual retirámos o tubo pneumático (era igual) e
resolvemos o problema, colocando-o no Nord.Continuámos a viagem para Alverca via Canárias, só com um equipamento.Como era um voo de “ferry” aceitava-se voar com aquela limitação.
Por falar no
C-47 Dakota, foi um avião em que cheguei a voar também, apesar de poucas horas,
divididas em dois períodos: na Guiné em 1964/65 onde efectuei 138:05 horas e
anos mais tarde nas OGMA com 17:25 horas. Na Guiné fui algumas vezes a Cabo
Verde em missão, mas nunca cheguei a ser qualificado Comandante de bordo.Também fiz a minha “perninha” em C-54: num regresso de França, com mau tempo
perguntaram-me se queria pilotar. Aproveitei de imediato. Foram 3:20 horas de
“sacudidelas”, mas feliz pela experiência.
Também cheguei a "apreciar" ainda o Oxford, o DC-6 e o P2V-5, além do
Boeing 707.
Por especial deferância do Sr.
Cap. Pil. (Ref) Fernando Moutinho
Fantastic
ResponderEliminarTudo verdade. Também vinha como Navegador nessa viagem. E antes já tinha feito mais oito ferries. Dois de Alverca para Luanda e os outros de Luanda para Alverca.
ResponderEliminarNo segundo, de Alverca para Luanda devemos ter batido o recorde de permanência no ar do Nord-Atlas. 14:15 de Bissau a Luanda direto por teimosia do Cmdt de bordo.
Aterramos em Luanda a contar com 400 litros de combustível que não davam indicação nos instrumentos!…
Bem me lembro dessas viagens pois em Alverca rececionamos esses e outros aviões, grande amigo o Capitão Moutinho.
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