quinta-feira, 26 de julho de 2018

UM RASGÃO NO DO 27

Aeródromo de Cabinda - foto de António Manuel Carmo Rocha

Mais uma vez me deslocava a Cabinda, o que fiz inúmeras vezes, sempre com prazer.
Agora num avião militar, um ”Dornier”, aparelho muito ligeiro que aterrava em qualquer sítio (quase), e tinha espaço apenas para seis passageiros. Três sentados de costas para os tripulantes, e outros tantos em frente destes.
Nesta viagem de cujo objectivo me não recordo, iam também três sobas de Cabinda e Lândana (suponho) e que levavam uns gorros de “mateba” (*) muito coloridos, e com uma espécie de "maçarocas" igualmente coloridas e da mesma “mateba”, pendentes dos lados do gorro.
Tratava-se certamente de alguma distinção especial – os sobas eram muito velhos – e eu apenas conhecia aqueles gorros por tê-los visto no Museu.
Os velhos iam impassíveis, não falavam e tinham um ar de quem não se encontrava muito feliz.
Os tripulantes eram, o Alferes Alvarenga, piloto e um sargento rádio/mecânico.
A meio da viagem, uma lona do tecto do aparelho rasgou-se e começou a bater com o vento, fazendo muito ruído, além de sacudir bastante o aparelho.
Era incómodo de facto, mas não perigoso.
Em todo o caso a tripulação resolveu acabar com a anomalia.
O mecânico levantou-se e virando-se para o nosso lado, sacou de um enorme navalhão que introduziu entre as juntas metálicas do tecto.
Começou a cortar literalmente o avião ao meio, ficando ele com a metade da frente e deixando-nos abandonados nos céus com outra metade. Deve ter sido isto que os sobas pensaram a avaliar pela "brancura" dos seus rostos.
Finalmente a lona soltou-se, mas não abandonou o avião: agarrou-se à antena do rádio, que era vertical.
Era um grande pedaço que ficou drapejando como uma bandeira ao vento e continuando a provocar ruído.
Mas o pior, é que os sobas viam-no, e o susto manteve-se, se não aumentou.
Corria-se o risco de que antena que já ía bastante curvada, se quebrasse.
Então assistiu-se, ou por outra assisti, porque os sobas iam de olhos fechados e sabe-se lá que deuses evocariam pois o piloto Alvarenga fez com o avião o mesmo que uma dona de casa faz para despejar o feijão duma panela : inclinou-o para o lado e sacudiu-o com violência.

A “bandeira” respondeu positivamente, escorregando um pouco para o topo do improvisado mastro.
O piloto repetiu as sacudidelas, e os sobas iam ficando cada vez mais “brancos”. Devo confessar que não ficaram pálidos sozinhos.
Finalmente a lona soltou-se, a antena endireitou-se, os rostos recuperaram as cores naturais escurecendo umas e outra.
Só que estava escrito que aquela viagem iria ter outros motivos para recordar.. 
Algumas milhas à frente avistámos uma cortina de chuva tão densa que não seria possível entrar nela sem forte risco de partir o avião, ou ainda, por desconhecimento da extensão da chuvada, poderíamos perder-nos, pois vínhamos fazendo “navegação à vista”.
Isto nos foi dizendo o comandante com quem a comunicação era fácil dadas as dimensões e a simplicidade do interior do Dornier..
Ambrizete
Assim, demos meia volta fugindo a grande velocidade da chuva que só veio a alcançar-nos quando aterrámos na pista do Ambrizete e o piloto continuou pela povoação até parar à porta do Hotel onde esperámos que a chuva parasse.
Curiosamente não me recordo se almoçámos e continuámos até Cabinda ou voltámos para Luanda.
Enfim tive uma "branca".. . mas também, depois das emoções daquele vôo, para quê falar de um outro rotineiro, sem história ?
(*) “mateba”capim muito fino e resistente, com o qual se “tecem”
reposteiros, cortinas, adornos (como os gorros), peças de artesanato,
e o meu Pai encadernava livros.

Por: João Silva Blog Roxa Xenaider


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