Publiquei no
grupo de Especialista da Força Aérea um episódio passado há muitos anos e que
penso que pode ser interessante para os meus amigos do FAP.
Por isso aqui vai.
Por isso aqui vai.
Decorria o
ano de 1973, quando, em São Tomé ocorreu um acontecimento que me ficou na
memória para o resto da vida e que tenho todo o prazer em recordar.
Um Nordatlas da Esquadra 92 "dos elefantes", com base na BA9 em Luanda, fazia a sua missão
mensal de transporte de pessoal e abastecimento ao Aeródromo de Trânsito nº 2 (AT2)
e também para o exército baseados na ilha. Estes aparelhos chegavam carregados
de carne e outros víveres, que eram raros por ali. O pessoal tinha uma máxima
para a Esquadra que operava estes aparelhos. “E se mais houvera, mais
levara!”. O aparelho na gíria menos técnica era o “barriga de ginguba”.
Quando o avião se aproximava, desabou uma chuvada tropical muito intensa, de
tal ordem que as referências visuais foram perdidas e a única orientação em
relação à ilha era o rádio-farol. Lembremo-nos que naquele tempo não existiam
os actuais meios de navegação nem algo de parecido.
A alternativa era o aeródromo na ilha do Príncipe e foi para lá que a
tripulação levou o aparelho. Na ilha do Príncipe, a situação era igual e
voltaram para trás na esperança que o tempo melhorasse.
Ouvia-se em terra o ruido dos 2 potentes Bristol Hercules com cerca de 2000
cavalos de potência, enquanto o Nord fazia círculos esperando que a chuva
parasse.
Não parou.
Na altura estava a ser reparado o sistema GCA (Ground-controlled approach) que
tínhamos no aeródromo. Um sargento especialista do qual não me lembro o nome e
que tinha sido destacado para lá precisamente para reparar o equipamento, foi
abordado pelo Capitão Silveira.
“Chefe, preciso do GCA agora. Tenho que por em terra um aparelho e uma
tripulação!”
“Sr. Comandante, mas só aterrámos dois aviões civis e com boa visibilidade!”
“Temos alternativa?”
O equipamento foi ligado e, frente ao tubo de raios catódicos (agora seria um
qualquer monitor de computador) tomou assento o Sargento Lemos, Controlador de
Tráfego Aéreo no aeródromo. Por trás dele o Capitão Silveira ansioso como todo
o grupo que estava na Sala de Transmissões, observavam o que acontecia.
A imagem apresentada no visor ao controlador, era dividida em duas partes, superior
e inferior.
Uma linha horizontal luminosa representava a direcção ideal que o aparelho
deveria seguir para alinhar com a pista. Um ponto luminoso, a posição relativa
do avião detectado.
Uma linha inclinada luminosa representava a trajectória ideal de descida que o
aparelho deveria seguir para tocar com as rodas no início da pista. Outro ponto
luminoso a posição relativa a essa trajectória do avião.
Nord no AT2, foto de e com Carlos Firmino |
O sargento Lemos, com a voz muito calma, mesmo numa situação aflitiva como
aquela, ia transmitindo ao piloto as atitudes que este deveria tomar:
“Força aérea 64?? corrija a sua direcção para 291 graus”
“Força aérea 64?? Mantenha uma taxa de descida de X pés por minuto”
“Força aérea 64?? Corrija a sua direcção para 290 graus”
Depois de uma aflição e um nervosismo enorme causado pelo movimento daqueles
pontos afastando-se e aproximando-se das linhas referenciais, o chefe Lemos
declara:
“Força aérea 64?? Dentro de três segundos verá a pista 29. Bem-vindo a São
Tomé”
Quatro a cinco segundos passaram e há resposta do avião:
“Aerofap S.Tomé 64?? , qualquer coisa que não me recordo, tal era o ruído de
palmas e ruídos emitidos pela tripulação.
Da mesma forma nos manifestámos com cumprimentos e abraços fazendo lembrar
cenas de filmes americanos onde o herói cumpre a missão.
O Capitão Silveira vira-se para mim e diz:
“Gato, vá buscá-lo!”
Claro, eu estava de serviço nesse dia. Coloquei sobre mim uma capa de oleado,
camuflada, daquelas que o pessoal que andava no mato usava e que também serviam
para fazer uma mini tenda, e avancei para as pistas.
Continuava a chover torrencialmente e coloquei-me sobre a linha do taxiway
mesmo na entrada do estacionamento. Ouvia o ruído dos potentes motores a
aproximarem-se cada vez mais mas sem qualquer referência visual. Depois de
alguns momentos que me pareceram uma eternidade, aparece-me a cerca de 15
metros mais ou menos um monstro enorme. Estava de braços abertos e lembro-me de
os ter abanado para cima e para baixo para que os pilotos me vissem. Assim
aconteceu, vi um sorriso na cara do piloto tal era a proximidade e também
porque o Nordatlas tinha uma boa visibilidade frontal. Cumprimentá-mo-nos com
uma palada e lá encaminhei o aparelho para o seu lugar no estacionamento mesmo
debaixo daquela chuva intensa.
A tripulação fez os seus procedimentos e entregaram-me o avião para
descarregar.
A chuva parou nesse instante, e digo instante porque em S.Tomé era mesmo assim.
Passado pouco tempo não havia água na placa e o céu apresentava um azul lindo.
A tripulação assim que abandonou o aparelho dirigiu-se para o bar onde
comemoraram com o pessoal de terra a vitória de terem conseguido aterrar
naquelas condições.
Como esta, existirão com certeza muitas aventuras passadas pelo nosso pessoal
durante o serviço que prestaram na sua vida militar.
Nunca esquecerei esta estória, que conto aos meus amigos muitas vezes,
salientando a coragem da nossa gente e o profissionalismo dos elementos que
formaram e formam a nossa Força Aérea.
Por: Carlos Gato
Por: Carlos Gato
FB grupo FAP 17/7/2015
É isto. O que eu sempre disse: Na FAP tudo o que tiver asas ... voa. Ainda hoje quando voo num dos modernos aviões comerciais, penso e sinto que era mais seguro voar num avião da FAP preso com arames.
ResponderEliminarAconteceu-me o mesmo mas em treino de pilotos com cortina fechada de toca/anda com o P2V5 na Ba11,tendo o treino acabado mais cedo por um dos motores ter accionado o detector de limalhas
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