Nota Introdutória
No périplo acostumado dos “azulinhos” e depois de terem colocado os “trens” no
asfalto, sucediam-se sempre as mesmas passadas. Repetiam-se vezes sem número
pelos vinte e tantos meses de comissão. Do Hotel Pereira Rodrigues, farejavam
os diversos bares espalhados pela grandiosa “urbe”: Cubata, Estrela D´Alva,
Mobil, Lux, Quioco, Clube de Saurimo, Cinema Chikapa, etc.
Faziam-se
tangentes à Igreja, Palácio do Governo, Correio, campos da bola, piscina,
cinema – tudo à caça das pombinhas. E, de tiradas duvidosas … rumavam para as
sanzalas, projectados para missões humanitárias!...
Mas, deixem o “marrador” situar melhor a rota infinda
dos más-línguas.
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Marrador – Saudosos, naquela noite quente como a febre do doente,
lá estavam os nossos “magalas aéreos” a curtirem no Bar Quiouco. Porém,
lembraram-se das mulatas deitadas nas cubatas sem janelas, e eis que se
impulsionam para outras paragens da cidade.
VITO – Vamos à vida?
JOCA – “Let´s e kamón”.
VITO – Estás armado em
“bife”?
JOCA – Bruxito. “Kultura”
meu…
VITO – Vamos em frente,
passamos pelo Cubata, mas sem parar.
Só miramos o pessoal por via aérea e desandamos como uma “bufa”.
JOCA – Perto do Cubata vive a família magnata da
cidade!...
VITO – Eu sei. O OLIV
namora a filha.
JOCA – Porra!... Sabes
tudo!...
VITO – Então, ele anda no
Liceu com ela. Até soube que levou a balança de pesar “kamangas” para uma aula
de química.
JOCA – Ehhhh….pá! Essa, é
forte! Experiências!...
VITO – Aqui em frente do
Hotel mora a família Soeiro. Pessoal meu conterrâneo. Já se encontram aqui
desde os primórdios e têm muitas histórias interessantes.
JOCA – Sabes alguma?
VITO – Há dias atrás não
viste um leão morto num jipe?
JOCA – Vi. Foram caçadores
que o mataram.
VITO – Pois bem. O Soeiro
contou-me que no final da década cinquenta não existia matadouro na cidade. Os
animais eram colocados numa cerca de madeira e abatidos a tiro de caçadeira por
um dos cidadãos. Essa acção até servia de espectáculo à população. Um dia, o
caçador apontou a espingarda para a vaca a abater porém, desviou a mira sem se
saber o porquê… E a multidão logo se interrogou com o gesto do mata rezes.
JOCA – Estava louco?
VITO – Louco? Apontou a
arma para além da cerca e abateu um leão que se preparava para comer a vaca!...
JOCA – Leões na cidade?
VITO – Aprende… o leão da Lunda foi muito afamado e
circundava a cidade há meia dúzia de anos atrás. Frequentemente eram avistados
junto ao Clube de Saurimo.
JOCA – Já não vou à
Barragem do capelão!...
VITO – Podes ir… os leões não andam de carrocel!... Tens
“miúfa”?
JOCA – Olha, enveredemos
pela Avenida do cinema. Por aqui não há leões. Só… leoas.
MARRADOR – A cidade era
pequena e fazia-se bem à pata. Do Hotel Pereira Rodrigues, tomam o rumo Oeste na direcção do cinema Chikapa.
Eles lá sabem o porquê!...
VITO – Queres ver o filme
“A Dama das Camélias” da Sara Montiel?
JOCA – Sabes tudo. Até as
fitas que correm?!...
VITO – O OLIV informou-me
pois, estará lá com a filha do magnate, proprietário do cinema.
JOCA – O sortudo!... Estes
ases do Leste namoram tudo o que é rico!... É a filha do Governador, é a filha
do Secretário, é a filha do pedreiro…
VITO – Essa última, não.
JOCA – Foi a que te gozou?
VITO –
Amélia…trá…la…rá…la…rá…
JOCA – Canta, canta, que o
teu mal espanta. Depois do filme preciso de comprar umas coisas no “fardex”.
VITO – “No problem”. Temos
o tempo todo por nossa conta. Vamos visitar o Jesus na estalagem do cripto, e o
Sargento Baptista que vive num apartamento alugado. Depois, vamos ao “fardex”.
Seremos os primeiros a desfazer o fardo para escolhermos a roupa. O filho do
proprietário já combinou com o pai a fim de sermos os primeiros a escolher as
peças…antes do pessoal da sanzala.
JOCA – Tudo por tua conta. És o “BIG”!
VITO – “BIG BEN” !...
MARRADOR – Gozões… Sempre
na “carneirice” do costume. Viram a “fita” como dois adolescentes, miraram o
namoro do OLIV e a sua TER – lá para os confins dos balcões, e foram visitar o
Jesus e o Baptista. Depois, seguiram para os lados da Junta Autónoma de
Estradas, começos da estrada para o Luso.
JOCA – O Jesus estava todo
entrapado!
VITO – Não soubeste que ele
deu cabo da ponte do Chikapa?
JOCA – Como, se ela é de
ferro?!...
VITO – Pois, por isso mesmo
é que ele esteve em coma e quase partiu deste mundo para visitar o S. Pedro…
JOCA – Já estou a ver que
ele ia de mota!
VITO – Parece que foi
atacado. A coisa esteve mal!...
JOCA – E o Baptista? Alugou
apartamento na cidade mas… ele é solteiro?!
VITO – “Atão”… Lá tem os
seus esquemas e ideias. Olha, de vez em quando vou beber umas cucas com a malta
conhecida e, por vezes, temos lá umas “coelhinhas”. Tudo boa gente.
JOCA – Estou a vê-las!...
VITO – Vês…vês aquela placa a sinalizar a entrada para H. de
Carvalho?
JOCA – Sim, e depois?
VITO – Foi nas proximidades
dela que se deu o ataque ao Sargento Carvalho aquando do negócio das “Kamangas”.
JOCA – Tive pena pela morte
desse companheiro!... Tanta gente no negócio e foi aquele o mártir!...
VITO – Segundo reza a
história, antes da nossa comissão houve um soldado que conseguiu “exportar”
umas boas “Kamangas” para o “puto”.
JOCA – Como?
VITO – Pagas para saberes?
JOCA – Pago. Até posso ter
conveniência nisso.
VITO – Colocou as “Kamangas” num tubo da pasta de barbear,
e ala que se faz a mala.
JOCA – E não acusou nada?
JOCA – O invólucro tem
chumbo… aprende.
JOCA – Ahhh!... Há pouco
tempo soube que o PIN e mais três, foram às compras desse “material” lá para as
sanzalas do Oeste.
VITO – Fizeram negócio?
JOCA - Ora, montados em
duas motas, palmilharam alguns quilómetros. A sanzala estava em festa com os “canhicas” ou, “cilongos”, na “wino” com
saias de palha e a pedirem umas “falangas”
à malta. Os “gomas tchinguvos”
arrufavam juntamente com a melodia dos “quissanjes”.
Tratava-se da “tchisela”, uma dança
muito conhecida pelos autóctones. Foi difícil encontrar o negociador. Depois de
algumas incertezas… compraram-se umas pedritas que ficaram na posse do SOI.
VITO – Deu alguma coisa?
JOCA – Segundo informações…
bem, as pedritas tinham carvão e foram vendidas por pouca coisa. Quem lucrou
foi o SOI pois, como era o mais teso ficou com a “falanga” toda para tirar a
carta de condução. Os restantes três concordaram…
VITO – Muita gente anda
metida nisto!...
JOCA – A “rusga” já anda a
investigar professores, polícias, e que mais?!...
VITO – Cautela, meu!
JOCA - Nesta estrada para o
Luso, contou o OLIV que em viagem num T-6 com o PIN meteram um “cagaço” a um
negro que vinha de “kinga” na recta.
VITO – Como assim?
JOCA – Meteram o avião a
pique direitinho ao “carvão” e só tiveram a ocasião de ver a “kinga” deitada no asfalto e o sujeito a
fugir pela “nhara” fora!... Disse
que lá de cima…foi um espectáculo!...
VITO – “Malandrecos” esses
“pilotaços”. Parecem o “Major Alvega”…
da banda desenhada!
JOCA – Então, e o “fardex”?
Preciso de roupa e o “tangwa” já vai
alto.
VITO – Vamos lá ter com o
meu amigo para saber se o pai já desatou o fardo.
MARRADOR – Volteando os
fardos, lá escolhiam as calças e camisas enrugadas, provenientes da África do
Sul. Eram “magotes” de roupa cedida gratuitamente para os candongueiros do
comércio local. Ainda se conseguiam umas peças chiques e baratas que até faziam
figura. Lembravam a roupa vendida em segunda mão, nos “Américas” nas Lajes.
…,… …,…
Aqui, na tasca do
comerciante, desenhava-se o convívio para o jantar. Já se falava na “muamba” de galinha regada com “marufo” ou, “malufo”… da “tapioca”
como sobremesa, e no célebre digestivo da “catchipembe”.
Para finalizar… umas “liambadas” ou,
umas baforadas na “mutopa”… se o
nosso “Nzambi” deixar!...
Maravilha… das maravilhas, esta África enfeitiçada!... Enfim!...
Língua Quioca
Kamanga – diamante
Canhica / cilongo – jovens
Wino – dança
Falanga – dinheiro
Goma tchinguvo – tambor
Quissange – instrumento musical de palhetas
Tchisela – dança da circuncisão
Kinga – bicicleta
Nhara – savana
Tangwa – sol
Muamba – pirão ou funge com dendén
Quiouco – O pensador |
Marufo – vinho feito da fermentação da seiva da palmeira
Malufo – vinho
Tapioca – papa de farinha de mandioca granulada e doce
Catchipembe – aguardente
Liamba – tabaco
Mutopa – cachimbo de água
Nzambi – Deus
Anotações:
Oliv, Ter, Pin, Soi – Nomes fictícios – mas com factos reais
Soeiro, Baptista, Jesus, Carvalho – Factos reais
Fotografias:
Recolha no “nosso” Blogue
Versos:
Hino dos Saltimbancos – Letra de Franklin Santos (uma quadra)
Até Breve