Declaração da Independência de Angola no Palácio do Governo, em 10/11/1975.
“Das areias de Portugal, anunciadas pelo gajeiro, ninguém presente, além dos presentes. Quão poucos! Não davam para encher dois navios de passageiros.
Foram entretanto chegando o Brigadeiro Telo, o Capitão de Mar e Guerra Gabor Patkoczi, mais alguns oficiais. E muitos jornalistas da televisão, rádio e imprensa, angolanos, portugueses e estrangeiros, convocados para ouvirem a declaração da independência de Angola.
O Alto-Comissário tinha o discurso preparado.
E proferiu-o, com inicio às 12 horas e 10 minutos, no imponente salão nobre do Palácio do Governo, rodeado de todos os seus colaboradores mais directos e de alguns membros do Governo de Transição tendo como única audiência os jornalistas ai presentes.
E proferiu-o, com inicio às 12 horas e 10 minutos, no imponente salão nobre do Palácio do Governo, rodeado de todos os seus colaboradores mais directos e de alguns membros do Governo de Transição tendo como única audiência os jornalistas ai presentes.
Após breves palavras de abertura dirigidas a Angolanos e Portugueses concentrou-se nos órgãos da comunicação social: "Dirijo-me também, por vosso intermédio, ao resto do mundo para que tome conhecimento da forma pela qual Portugal se viu na necessidade de proceder à concretização do importantíssimo acto que hoje se realiza.
Lamento sinceramente não me ser possível tomar parte em qualquer cerimónia comemorativa da hora maior na vida do Povo Angolano, dado que, fazê-lo, nas actuais circunstâncias, equivaleria da parte de Portugal a uma ingerência no sagrado direito que assiste àquele Povo de decidir o seu próprio destino."
E mais à frente. "A única recriminação que (Portugal) poderá aceitar é a ter dado provas de extrema ingenuidade política quando concordou com certas cláusulas do Acordo do Alvor. Daí em diante os acontecimentos foram progressivamente fugindo ao seu controlo, à medida que o conflito se internacionalizava e melhorava rapidamente a qualidade e aumentava a quantidade do material de guerra que entrou em Angola por todos os meios.
As cúpulas dos três Movimentos, reunidos em Nakuru, há pouco mais de quatro meses - desta vez sem a presença de Portugal - fizeram uma honesta autocrítica em que unanimemente se consideravam os únicos responsáveis pelos insucessos na execução do que acordaram no Alvor. Mas foram demasiado austeros para consigo próprios pois as culpas cabem menos aos Movimentos do que às potências que colocam nas suas mãos armas mortíferas com que o povo angolano se destrói".
Seguidamente proclamou a independência de Angola, nos seguintes termos: "Portugal nunca pôs, nem poderia pôr em causa a data histórica de 11 de Novembro, fixada para a independência de Angola, que não lhe compete outorgar, mas simplesmente declarar. Nestes termos, em nome do Presidente da República Portuguesa, proclamo solenemente - com efeito a partir das 0:00 horas do dia 11 de Novembro de 1975 - a independência de Angola e a sua plena soberania, radicada no Povo Angolano, a quem pertence decidir as formas do seu exercício."
Acrescentou ainda: "E assim, Portugal entrega Angola aos angolanos depois de quase 500 anos de presença, durante os quais se foram cimentando amizades e caldeando culturas, com ingredientes que nada poderá destruir. Os homens desapareceram mas a sua obra fica. Portugal parte sem sentimentos de culpa e sem ter que se envergonhar. Deixa um país que está na vanguarda dos estados africanos; deixa um país de que se orgulha e de que os angolanos podem orgulhar-se".
E a concluir, depois de exprimir os mais profundos e melhores votos pelo fim da luta fratricida, também pela paz, felicidade e justiça social do povo angolano e ainda pela perenidade de laços fraternos e de respeito mútuo entre os dois povos, declarou: "São estes os votos muito sinceros do último representante da soberania Portuguesa em Angola que, hoje, à meia noite, partirá sem celebrações, mas de cara levantada.
"VIVA PORTUGAL ! VIVA ANGOLA INDEPENDENTE ! "
Seguiu-se uma refeição privada, a última, na sala de jantar da residência,
finda a qual houve a comovente despedida de todos os empregados ali em serviço,
destacando-se o profissional competente e dedicado, de seu nome Gaspar.
Nos jardins traseiros do Palácio havia-se concentrado um destacamento do
Agrupamento Blindado do Major Moreira Dias que, ao princípio da tarde,
escoltava o Alto-Comissário e todos os seus colaboradores até ao largo
adjacente à entrada da Fortaleza de S. Miguel, onde se encontrava hasteada a última
bandeira portuguesa.
A cerimónia do arriar da bandeira foi feita com todas as honras por uma força
conjunta de Fuzileiros, Cavaleiros e Pára-quedistas, na presença do Almirante
Leonel Cardoso, que tinha a seu lado o General Heitor Almendra, o Brigadeiro
Telo, o Capitão de Mar e Guerra Gabor Patowski, o Coronel Pil. Av. Ferreira de
Almeida, eu e o Tenente-Coronel "pára-quedista" Ramos Gonçalves.
Arriada a bandeira, às 15h30, por um marinheiro enquadrado por dois cabos, um de cavalaria e outro pára-quedista, foi de seguida depositada nas mãos do Almirante Leonel Cardoso, que a passou ao ajudante de campo.
Arriada a bandeira, às 15h30, por um marinheiro enquadrado por dois cabos, um de cavalaria e outro pára-quedista, foi de seguida depositada nas mãos do Almirante Leonel Cardoso, que a passou ao ajudante de campo.
Seguiu-se um cortejo automóvel até à Base Naval situada na ilha de Luanda. Dali
saímos, às 16h15, em lanchas da Armada até ao "Niassa", onde embarcámos.
A bordo, também, o Batalhão de "paras" do Ten-Cor. Ramos Gonçalves.
No "Uíge" embarcava o Agrupamento Blindado do Major Moreira Dias e a
pequena Força de fuzileiros constituída pela Companhia do 1.° Tenente Mateus e
pelo Destacamento do 1.° Tenente Correia Graça.
Jantámos a bordo, ouvindo o som cavo dos motores dos navios e paquetes
ancorados na baía de Luanda.
Poucos minutos antes da meia noite foram levantadas as âncoras, pondo-se o
conjunto dos navios em movimento para a saída da baía e, depois, rumo ao norte.
E na serenidade da noite escura angolana, quente, acolhedora, como se fora um
filme, o espectáculo de luz e som que, à meia noite em ponto, irrompeu
subitamente na cidade de Luanda, traduzido em miríades de rajadas de balas
tracejantes, à míngua de fogo de artifício, enquanto um pouco mais a norte,
junto à foz do rio Bengo, na região de Quifangondo, a escuridão era rasgada por
autênticas "mangueiradas" de fogo trocadas entre a organização
defensiva do MPLA apoiada por cubanos e a coluna da FNLA, integrando
mercenários e soldados zairenses, que procurava, sem sucesso, chegar à capital
angolana no dia da independência.”
Almirante Leonel Cardoso