sexta-feira, 11 de junho de 2021

ENFERMEIRO EM S. TOMÉ.



Quando me apresentei ao Comandante Silveira, logo depois de ter aterrado em São Tomé, no Aeródromo de Trânsito nº2 em Agosto de 1972, tentei fazer as apresentações tal como tinha aprendido na escola da Ota, na disciplina de Instrução Militar Teórica (a que nós chamávamos “arre macho sentado” – a instrução militar prática ou ordem unida era “arre macho em pé”- alguém se lembra?).
- Apresenta-se o primeiro cabo MM….
- Ó Carlos Gato, deixe lá as formalidades e diga-me o que é que fez na base do Montijo.
- Trabalhei na electricidade e instrumentos do P2V5 durante um ano e depois cerca de sete meses nos motores e hélices do mesmo avião.
- E antes da tropa o que é que fez?
- Era estudante e andei nos escuteiros.
- E o que aprendeu nos escuteiros que possa ser útil?
- Fiz um curso de primeiros socorros, aprendi orientação…
Muito bem. Seja bem-vindo ao aeródromo. Como não temos aviões vai ficar na secretaria como os outros MMA. O seu chefe vai ser o Sargento Oliveira, etc, etc.
Algum tempo depois chamou-me ao gabinete e fiquei alarmado. O que é que eu fiz?
- Carlos Gato, O nosso enfermeiro vai deixar-nos. Precisam dele em Luanda. Fale com ele pois ele vai passar-lhe a chave do armário dos medicamentos. Você é o novo enfermeiro.
- Quê? Mas eu não percebo nada disso.
- Percebe sim, você tem um curso de primeiros socorros dos escuteiros.
Não sei se ele acreditava muito nos escuteiros ou se foi uma forma de me incentivar ou mesmo dar o armário a guardar a alguém.
Levei a coisa a sério e tentei fazer o que pudesse. Dava comprimidos (aspirinas) aos cozinheiros (um caboverdiano e um santomense) frequentemente, pois queixavam-se de dores de cabeça. Pequenos curativos aos cortes que faziam com as facas.
Só me lembro de uma ajuda a sério que dei a um camarada. O 1º. cabo Silva, especialista mecânico de rádio.
Um dia chegou ao pé de mim e perguntou-me:
- Será que podes ajudar-me? Tive um acidente e tenho as costas feridas. Fui ao médico do exército e este mandou por tintura e andar com as costas ao ar.
Não era um camarada com quem tivesse grandes relações. Infelizmente na juventude, temos pouca maturidade e criamos grupos de amigos relegando outros grupos. Em adultos é que percebemos os erros cometidos.
Mas voltemos à estória que vinha a contar.
Efectivamente os enfermeiros do exército “pintavam” as costas do camarada com tintura de mertiolato, um desinfectante bactericida muito usado nas zonas tropicais. Veio a seguir ao mercuro-cromo e era muito parecido com tintura de iodo.
Ele tinha escoriações enormes no tronco (escoriação é um misto de ferida e queimadura causada pela fricção), resultantes de uma queda de motociclo na estrada. Acho que ele tinha uma Kavasaki ou uma coisa parecida.
A camisa andava sempre tingida daquela mistela que lhe aplicavam e ele sofria dores horríveis quando da aplicação. Resolvi ajudá-lo e falei com o capitão Silveira.
- Sr. Comandante, posso ajudar o nosso camarada que está a sofrer muito mas, não tenho material para isso.
- O que é que pretende fazer e quanto custa?
Lá expliquei – era um balúrdio, caríssimo. O melhor que havia no mercado daquele tempo e já tinha aplicado na metrópole a conselho da minha namorada que sabia destas coisa.
- Está bem, se tem a certeza que é bom, mande comprar e ponha o camarada em condições.
Vieram caixas e caixas de Topi-furazona. Eram uns pensos vaselinados com produto antibacteriano que se aplicavam directamente sobre queimaduras de 2º. e terceiro grau, dando uma sensação de frescura (ao contrario da tintura que dava ardor) e um poder curativo muito mais rápido.
Penso que o tratamento durou duas semanas, mudávamos os pensos de dois em dois dias. Era toda a região dorsal. Imaginem a quantidade de pensos com cerca de 15x15cm.
Ficou impecável. Eu próprio me admirei. Sem cicatrizes. Trabalho de enfermeiro feito à pressa.
Ficámos amigos.
O bichinho ficou e, em 1981, tirei um curso de instrutor de primeiros socorros na Cruz Vermelha Portuguesa e andei pela região de Setúbal, a ensinar a arte aos bombeiros e população. O INEM só existia em Lisboa.
Fiz formação em todas as empresas por onde passei. Socorri vários camaradas acidentados, uns mais graves que os outros. Sempre que havia desgraça no trabalho, lá me vinham chamar.
Graças ao incentivo do Grande Capitão Silveira, um senhor que respeitava os seus colaboradores ajudando-os quando precisavam e repreendendo-os quando mereciam.
Esta estória é uma pequena homenagem e agradecimento a ele, esteja ele onde estiver.
Obrigado Sr. Comandante!

Por: Carlos Gato






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