AS TRÊS
TORRES
Nota Introdutória
No princípio era o “Verbo”, e o verbo estava com as Torres de Controlo, e uma das Torres era a nossa Deusa “Majestosa” – símbolo máximo do A.B.4.
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Marrador
– Neste
texto vamos apresentar a família “Torres”.
A avó, a mãe e a filha. Cada uma com a sua história peculiar fixada no tempo,
como se de uma verdadeira família humana se tratasse. A velhinha, a bonitona e
a bebé. A primeira, nasceu há longos anos!...
Vamos conversar com ela…,…
VITO – Minha
menina, qual é a sua “graça”?
GUIDA – Neste
futuro e já afamado A.B.4, deram-me o nome de Guida. Mas como ainda sou uma
criancinha, tratam-me por Guidinha.
VITO – Em
que ano nasceste, Guidinha?
GUIDA –
Em Novembro de 1962 e fui instalada
com base na minha mobilidade precoce.
VITO –
“Andor”, minha pombinha bailarina!...Quem foi o teu papá?
GUIDA –
Dizem as más-línguas que foi o Bem-Haja,
um dos pioneiros do A.B.4. Cansou-me tanto com as andanças pelas pistas que
aprendi a correr logo que vim ao Mundo.
VITO – E
o teu avô?
GUIDA – O
Capitão Trovão a quem chamam de Horta.
VITO –
Horta? Horta de couve ou, horta do Faial?
GUIDA –
Isso não está sob o meu controlo. Só controlo passarinhos…
VITO –
Passarinhos!... Que passarinho primeiro te saiu na rifa?
GUIDA –
Olha! Um Pê Vê. Um daqueles que mais parecia um vira latas da 2ª. Guerra
Mundial ou, da Coreia!... Tinha um “berlinde” na crosta para se guiar pelas
estrelas. No ar, parecia um navio de guerra!...
VITO –
Sentias DO dos passarinhos?
GUIDA –
Essas DO´s a quem apelidavam de 27, só apareceram em 1963. Pareciam umas “coquetes”
a esvoaçarem de Destacamento em Destacamento. Por essas bandas fora, não tinham
as minhas manas para falarem. Borboletas!...
VITO –
Com as borboletas não se lhes juntaram uns gafanhotos, também?GUIDA – Sim, em Abril desse ano
chegaram letras e algarismos… Tiveram o cognome de T-6. Grandes máquinas de
guerra!...
VITO –
Assististe a tudo, ou seja, viste nascer o “Verbo”!...
GUIDA – O “Verbo”!...
Eu era a Torre Móvel, eu era o
Radar, eu era a Casa de Campo!...
VITO –
Tipo capoeira andante!... Como “verbo”, o que vias em teu redor?
GUIDA –
Via, via o pessoal a trabalhar na construção deste AB. Dormiam no edifício das
“Infras” e comiam na casa do Vítor Sá. Eu, circulava, circulava e via tudo. Via
barracas e tendas e via a minha filha a ser construída, mas o controlo era
feito em cima de mim. E, eu, caminhava, caminhava e, por isso me apelidaram de Móvel…
Marrador: No
princípio era o “Verbo”, e o verbo nasceu assim!...Havia uma
pista de laterite que servia a DTA e continha um estacionamento para viaturas
junto da aerogare de alvenaria. Existia uma pista já aberta e em processo de
asfaltagem que viria a ser a pista do A.B.4. O pessoal das infraestruturas
esfolava-se a trabalhar e, os primeiros aviões a visitarem este aeródromo foram
os PV-2, DO´s e T-6. Em 1963 deram-se os fogos reais já com o Com. Agrup 11.
Foram os T-6 que nos treinos das guarnições ajudaram a definir rotas de
aproximação. Tiraram-se no ar fotos das posições a bordo dum T-6 e, na altura
dos ditos fogos, já havia a Torre fixa no A.B.4, próxima aos vizinhos dois T-6
e um PV-2 que participaram numa das sessões de fogos AA. Respeitante a esta
Torre- (a filha da mãe) – deixem a conversa para o VITO.
VITO –
Que linda “Majestosa” me saíste,
pomposa Torre!... Tua mãe Guida foi a tua briosa.
E o teu pai, algum
sanzaleiro?
MAJESTOSA –
Meu pai, foi o capitão que vagueava pelo “Quimbo”!...
VITO –
Nasceste ainda a tua mãezinha era uma criança, “matumbinha”!...Violação logo à
nascença?!
Majestosas – Havia
pressas!...Os combates estavam para ribombar. O reboliço impunha a “cobrição”
da guerra!...
VITO – A
Guidinha deixou o andarilho e, tu subiste até aos vinte e cinco metros. Comeste
muita “fubinha”!...Majestosa estática, bela raça!...Atravessada de “Black &
White”, és rija que nem uma pera. Aposto que durarás por décadas!...
MAJESTOSA – Aguentei
guerras infinitas e ainda me mantenho de pé. Flexível, mas sólida e resistente
ao tempo. Velhinha, e já visualizo a minha filhinha ao meu lado a dar os
primeiros passos!...
VITO –
Tens muitas histórias contidas nessa memória, adivinho.
MAJESTOSA –
Tantas, tantas como reais e fictícias. Lendas e cruéis, bonitas e aventureiras.
Mas…já as contei tantas vezes que os meus “residentes” estão fartos de as
ouvirem!...
VITO –
Aqueles que adormeciam no teu colo quando deveriam controlar o tráfego aéreo?!
Os faroleiros do ar?!...
MAJESTOSA –
Sim, esses bêbedos e sorvedores de “nocais” e “cucas”. Dorminhocos de maca e
comedores de chouriça do “puto”. Por isso, é que tenho a minha sala de estar a
cheirar a bafio!...
VITO –
Conta, conta as tuas histórias para os velhotes recordarem como se fossem
criancinhas inocentes.
MAJESTOSA –
Tantas, tantas, que só te darei uns tópicos. Vitinho meu, lembras-te do teu
primeiro cagaço? Tu que estás aqui armado aos cucos com as tuas perguntas…não
te lembras do teu 1º. dia nesta tua Majestosa? À noitinha tiveste um pesadelo
com os “turras” a assaltarem-te a gaiola. Cobardolas!... Recordas o roncar do
tal avião fantasma que nos sobrevoou e abanou pela calada da noite? E os Ovnis
que disseste que viste e, não viste ou, viste? Já zingavas por todos os cantos
que até desceste pelo para raios num dia de trovoada. “Corrécio”, maltrapilho
que até tremeste como varas verdes ao saberes que um Boeing iria aterrar no
A.B.4. Meteste-te debaixo dos equipamentos a fingires que não tinhas fonia!...
Só “caguefes”!...Só lias livros de “cowboyada” nas horas de ponta que nem viste
o T-6 do Corredeira a sair da “auto-estrada” com uma poeirada, tipo Formula 1.
Até a DO do Alex quis aterrar na tua careca fazendo escadinhas no ar.
Malandreco dum raio!... Para te despedires da tua “catraia”, o teu substituto
na Torre ia causando um choque aéreo. Olha, que sarilhos, meu fala-barato!... E
nos dias de trovoada?! Acoitavas-te no seio das minhas entranhas cagadinho de
medo, medricas!... Enfim, eu só servia de escritório para escreveres as tuas
cartinhas para as meninas do “puto”, feito valentão!...
VITO –
Gaita, não se pode falar contigo. Descartas tudo para cima dos “controlas”!...
MAJESTOSA –
E, ainda não acabei…meu “magarefe”. Escapaste-te de levares umas porradas do
capitão “gancho”. Desenroscavas as lâmpadas do tecto para dormires mais
tranquilo, anh!...
VITO –
Oh minha pombinha linda, estavam fundidas com o teu abanar constante. A tua
carcaça só bailava ao sabor do vento!...
MAJESTOSA –
Aldrabão. E os equipamentos? Baixavas-lhes o som para não te
incomodarem e, um dos mesmos ficava sintonizado no batuque dos merengues!... Eu bem ouvia o piloto Pinheiro todo aflito a chamar por ti lá para os lados de Gago Coutinho. Coitado, amedrontado com toneladas de nuvens a mijarem-lhe em cima e com um fogo-de-santelmo a lamberem-lhe as asas do “teco-teco”, e tu a ríres-te despregadamente.
VITO –
“Atão”, chamei Luanda!...
MAJESTOSA –
Chamaste Luanda ou, a Rosa? Seu capador de flautas!...Ligrinhas.
VITO –
Hoje acordaste com dores na garganta. Estás a ficar rouca de tanta asneirada.
MAJESTOSA –
Se não dormi foi porque te deu para apanhares borboletas às tantas da
madrugada. Sempre com o holofote ligado para as cegares e, eu, às
moscas!...Depois, como pisaste as formigas cadáveres trouxeste para o meu soalho
aquele cheiro a podre. A tua rendição só comentava: “Porra, esta Torre anda
podre”!...Pois, eu é que me tinha cagado, claro!...
VITO –
Bem, havia pior do que eu, certamente!
MAJESTOSA –
Havia, havia aquele que só se embebedou uma única vez, mas que durou dois anos.
Era ele e o Cossa da Meteorologia. Descia pela varão do para raios feito
bombeiro. Depois, pensando que tinha lá em baixo, encostado às minhas pernas o
cavalo, montava na “kinga” e começava a relinchar seguindo para o Bar dos
“sorjas”.
VITO –
“Cum caraças”. És cá uma “cusca” maldosa! Vê lá se não transmites esse veneno
todo à tua filha Deolinda. Pela tua barriga, estás prestes a desovar!...
MAJESTOSA –
Teria muito para contar… Ainda me lembro de quando estavas a vazar as tuas
águas lá do topo da minha garupa. O Comandante seguia no seu Volkswagen preto,
e teve que ligar o limpa vidros, interrogando-se donde é que se situavam as
nuvens num dia a descoberto. Faziam da Majestosa uma discoteca a céu aberto.
Tudo vosso!...
Marrador –
Meus caros leitores, não se excitem com a conversa desta venenosa pois, nem
tudo foi verdade…Só as questões piores! Agora, passamos à terceira Torre – a filha da Majestosa, neta da Guida.
Vive junto à sua mãezinha na
presente data.
LINDA – Quem
és tu, meu “matumbo”?
VITO –
Sou o “controla” dos brancos. Tua mãe não te falou de mim?
LINDA –
Olha-me este “xacala”, o “samuto” do “puto”!...Ainda és vivo, pacaça?
VITO –
Cangalho velho é a tua mãe e ainda não caiu!
LINDA –
Pensas que ainda tens “gungungo”, sua próstata entupida? Já olhaste para a tua
sombra?
VITO –
Olha, olha, eu que pensava que a Majestosa ensinava a filha a ter boas
maneiras!...Camafeu danada! Estás armada em senhora dos ares a controlares os
gafanhotos “dos brazuca”?
LINDA –
Já vi que ainda andas “malufado”. “Tweia kuno”. Sobe o elevador e saúda-me com
um “Moyo weno”, à maneira quiouca.
VITO –
Assim já gosto do teu falar, minha “tchenge”. Aprecio deveras as “tusulas”
deste Condado. Ehhh pá, ehhhh pá!... Vestiste o teu “quitengue” domingueiro?
“kukuata” a minha ofensa de há momentos!...
LINDA –
Os “lungas” de outrora pertencem ao passado. A guerra terminou e, os tempos são
outros, agora.
VITO –
“Kusakwila”. Acabemos com os “kukongas” de mal dizer.
LINDA –
Vês a minha “koi-koi” junto de mim? Aquela que te serviu de poleiro? Sempre
reguila, mas boa mãe!
VITO –
Ensinou-te as boas maneiras? Sofredora de tantas guerras!... E tu, jovem e
encantadora Torre, como te tens dado nestes tempos de Paz?
LINDA –
“Sepa liami”, os tempos são outros. Estamos no bom caminho. Já se construíram
novas instalações neste velho aeródromo e, por aqui se transacionam as
“kamanguitas”!... A par das novas modernices, caem as velhas e históricas
construções.
VITO –
Pois, o hangar já se avista sem telhas, a tua mãe já torta e cega. As Messes…ao
Deus dará, e os morais do Clube dos Especialistas?
LINDA –
“Zungo”, não digas nada. Vão servir como painéis nos corredores do novo
aeroporto!...Relíquias do passado, pinturas de celebridades!...
VITO –
Hummm!... “picada” asfaltada até à capital, “pó pós” à maneira. “Matumbos”…
mais cultos!...
LINDA –
Tudo vai rolando. Muitos “canhicas” falam do pai branco com certa nostalgia!...
Escrevam umas cartitas e organizem uma excursão para verem a cidade de Saurimo,
cada um por si. Eu, com a minha mãe “A Majestosa”, daremos as boas vindas aos
“Especiais” do A.B.4. Faremos uma grande festa com “malufo”, “catchipembe”,
“maconha” no “mutopa”. “Pwos” à fartazana, “gomas tchinguvos” a batucar,
maningue de “tusulas” “nu cafena”, e “funge” para comer!...
Nos
finais… a celebérrima “IACAMOKA”
para reatar as pazes eternas entre os guerreiros de ambas as partes. Fiquem-se
com os versos dum piloto que se inspirou lá para as serras de Montesinho!...
“MOYO UÉ, TWEIA KUNO”, com “GUNGUNGO”!...
VOZES AMIGAS
Ouço as vozes tão perto e tão distantes,
Que me chegam repletas de amizade,
A despertar em mim uma saudade
Cujo pungir eu não sentia antes.
Batem os corações mais anelantes,
Que aliviam minha alma em ansiedade,
E suavizam a dura soledade,
Em noites preguiçosas, fatigantes.
E pra além da distância no espaço
Acompanha-me sempre o vosso abraço
Refeito de calor e simpatia.
Ó amigos que amo e compreendo!
Também eu, tantas vezes, vos relembro
Em horas de tristeza e alegria.
Ouço as vozes tão perto e tão distantes,
Que me chegam repletas de amizade,
A despertar em mim uma saudade
Cujo pungir eu não sentia antes.
Batem os corações mais anelantes,
Que aliviam minha alma em ansiedade,
E suavizam a dura soledade,
Em noites preguiçosas, fatigantes.
E pra além da distância no espaço
Acompanha-me sempre o vosso abraço
Refeito de calor e simpatia.
Ó amigos que amo e compreendo!
Também eu, tantas vezes, vos relembro
Em horas de tristeza e alegria.
Língua Quioca
Matumbo – inculto
Fuba – farinha de mandioca
Xacala – grande chefe
Samuto – homem
Gungungo – com força, cheio de energia
Malufado – embriagado
Tweia kuno – vem cá, chega aqui
Moyo weno – saudação respeitosa
Tchenge – mulher bonita
Tusula – rapariga
Quitengue – pano colorido
Kukuata – desculpa
Lunga – homem
Kusakwila – obrigado
Kukonga – disparate, ditotes
Koi-koi – velha
Sepa liami – meu amigo
Kamanga – diamante
Zungo – cala-te
Canhica – criança
Catchipembe – aguardente
Maconha – liamba, tabaco
Mutopa – cachimbo de água
Pwo – mulher
Goma tchinguvo – tambor
Nu cafena – dançar
Funge – farinha cozida
Iakamoka – grito de guerra
Kinga - bicicleta
Recolha histórica:
Manuel Flórido Bem-Haja e Mário Arteiro
Fotografias:
Recolha no “nosso” Blogue
Versos:
Pil. Júlio Corredeira
Até Breve
O
Amigo
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