sexta-feira, 21 de setembro de 2012

MOBILIZADOS PARA ANGOLA


Após a recruta, a especialidade PA e o curso de cabos, fui colocado na Base Aérea nº 2 – Ota. Pensei então: – Bem, muito provavelmente já me safei de ir “bater com os costados” no ultramar. A Base da Ota era, na altura, um bom sítio para o cumprimento do serviço militar, basta pensar na sua localização para chegarmos à conclusão de que não me podia ter calhado coisa melhor. Bem servida de transportes e muito perto de Lisboa, onde tinha familiares chegados, que me facultariam alojamento gratuito aos fins-de-semana, o que me dava bastante jeitoPassei, por assim dizer, na Ota, quase um ano sem preocupações de maior.
Porém, quando já começava a pensar na disponibilidade, um dia quente de Maio, veio ter comigo o Herlânder Neves, que me disse: – Zé Neto, sabes uma coisa? Fomos mobilizados para Angola, vamos em rendição individual. ( Foto do Herlander ao lado) É claro que eu, ao ouvir isto, ainda disse: – Estás a querer brincar comigo, não é verdade? Mas, vendo bem, bastou
olhar para a cara dele para perceber que tal notícia, vinda assim de uma cara tão amarelada e de uma voz tão sumida não podia deixar de ser verdadeira. Arrisquei então: – E para que Base é que vamos? Vamos para o AB4, disse ele. É um aeródromo que fica no leste de Angola, lá para o fim do mundo é certo, mas onde, por enquanto, não há “porrada”. 
Queria ele dizer que naquela zona de Angola ainda não havia guerra a sério nessa altura. Fomos de imediato aos Serviços de Pessoal da Base, onde nos confirmaram que, efectivamente estávamos mobilizados para Angola. Que só tínhamos uma coisa a fazer antes das despedidas: irmos a Alverca – às oficinas de fardamento – receber as novas fardas e restante material que equipava todo o pessoal que era mobilizado para o Ultramar. As “fardas do Ultramar” como lhe chamávamos nesse tempo, eram cremes, muito apreciadas por nós e também pelas raparigas que até se “passavam” quando viam uma farda tão bonita. Por consequência, assim fizemos, no dia seguinte rumámos a Alverca onde recebemos o respectivo fardamento, com o qual já nos apresentámos às nossas famílias e amigos para as despedidas. Foram, se bem me recordo, apenas cinco dias de férias. O tempo aqui contava muito: aos militares mobilizados nunca era concedido um prazo muito alargado, o que facilitava as despedidas, sempre dolorosas e evitava ou dificultava as coisas, não fosse o militar cair na tentação de “dar o salto” para a França ou Suíça.
Regressados à Base, ainda tivemos dois ou três adiamentos de embarque até que, no dia 5 de Junho de 1965, recebemos então as guias de marcha que nos permitiriam viajar até Angola. Para mim era o baptismo de voo, pelo que foi com alguma emoção e um certo nervosismo que me aproximei do velho DC6 da Força Aérea para embarcar. Era cerca da meia-noite quando o avião começou a deslocar-se para o fundo da pista onde permaneceu alguns minutos, poucos, ao mesmo tempo que os seus motores aumentavam a aceleração (assim como o meu coração, embora a um ritmo muitíssimo mais lento) ia rolando pela pista aumentando progressivamente a velocidade até que levantou voo, ou seja, quando comecei a notar que o chão me começava a faltar debaixo dos pés e o estômago me subia até à garganta, enquanto respirava fundo, mas já saboreando, deliciado, o prazer de voar e a maravilhosa paisagem nocturna que Lisboa oferece vista assim de avião. Estou convencido que só quem passou por uma experiência idêntica sabe avaliar verdadeiramente as emoções que sentimos num voo destes. O avião ganhou altura e, gradualmente, tudo ficou escuro como breu. Tentei então dormitar alguma coisa, o que acabei por conseguir, embora intermitentemente, talvez devido ao barulho e vibração que os motores da aeronave provocavam. Ao romper da manhã começámos a vislumbrar a África imensa, primeiro o deserto a perder de vista, depois a floresta serpenteada por grandes rios. Estes já em território da Guiné-Bissau. E foi assim que às nove horas da manhã estávamos a tomar o pequeno-almoço em Bissau, onde aterrámos para reabastecimento do aparelho. Foi tudo muito belo e emocionante, pese embora a minha decepção por não haver assistência de hospedeiras de bordo, o que talvez justifique (mal) o facto de não ter sido fornecida qualquer refeição durante a viagem.
Desembarcámos, então, na BA12 – Bissau, onde se encontravam alguns camaradas à nossa espera, a fim de saberem notícias frescas do “Puto” e também para nos desejarem boa sorte por terras angolanas, ao mesmo tempo que nos felicitavam por não termos que cumprir a comissão de serviço naquele inferno de calor, humidade e também de bombardeamentos esporádicos do PAIGC.
Reabastecida aquela máquina fabulosa, lá rumámos a Luanda, agora um pouco mais apreensivos e sem sabermos o que nos esperava. É que aquela história dos bombardeamentos ficou-nos a matraquear nos ouvidos. Mas pronto, no fim de contas, não havia de ser nada… optimismo acima de tudo.
Depois de voarmos toda a manhã e a tarde inteira, ao princípio da noite estávamos quase a chegar, pois já vislumbrávamos as luzes da cidade de Luanda, onde se destacava a baía de Luanda, mais linda do que nunca. O avião fez-se à pista do aeroporto de Luanda e surgiu uma excelente aterragem, premiada com uma grande e espontânea salva de palmas. Após o desembarque fomos transportados de autocarro para a Base Aérea nº 9, onde jantámos e nos acomodámos a descansar de tão longa viagem. No dia seguinte, após o pequeno-almoço e as apresentações da praxe, saímos à descoberta da cidade de Luanda. Pudemos comprovar que Luanda nem parecia a capital de um grande país em guerra. Era uma cidade maravilhosa, que fervilhava de gente por todo o lado. Aqui permanecemos uns dias, poucos, até termos vaga no avião NordAtlas que fazia o transporte para o Aeródromo Base nº4 – Henrique de Carvalho.
Tomámos finalmente este avião e, cerca de três horas depois estávamos a aterrar no AB4. Foi uma viagem para esquecer, é que fomos literalmente atafulhados entre as mais diversas mercadorias que aquela “fortaleza voadora” transportava. Os bancos de lona colocados longitudinalmente ao longo da fuselagem eram muito incómodos. O avião vibrava por todo o lado e o barulho dos motores era tão ensurdecedor que só mesmo “os poços de ar”, que fomos apanhando constantemente, nos podiam afligir mais ainda.
Pronto, mas lá chegámos em bem, graças à excelente perícia dos pilotos e mecânicos de bordo. Foi no entanto com um certo desalento que nos encontrámos pela primeira vez, tão longe da família e amigos, a matutar como iriam ser passados os próximos dois anos naquele ermo rodeado de arame farpado por todos os lados. Aquilo parecia ser muito pior do que havíamos imaginado.

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