quinta-feira, 20 de junho de 2019

HENRIQUE DE CARVALHO, O PRINCÍPIO DO FIM, 11 E 12 DE JUNHO DE 1975.


Recolhemos dois relatos, do Manuel Vieira e do Carlos Sequeira"Mambo", dos acontecimentos vividos nesta data, que marcaram o inicio dos confrontos armados na cidade de HC.

O último “Dia da Unidade do AB4, o 11 de Junho de 1975”.
Faz hoje ao fim deste dia objectivamente 44 anos, que a rapaziada que como eu se tinha deslocado à cidade, na sua maioria o fizemos pela última vez..
Era prática ao fim do dia de “trabalho” no AB4, irmos à cidade passear e beber uns canecos, ir ao cinema e outros. Contudo nesse dia 11 de Junho de 1975, por volta das 19h00, hora prevista para regressarmos no autocarro da unidade, começou um intenso tiroteio entre o ELNA, exército da FNLA e as FAPLA do MPLA, o qual se prolongou por cerca de 28 a 30 horas
Só no dia seguinte, 12 de Junho e numa acalmia aparente, por volta das 11h00 da manhã, veio à cidade uma força da PA, para resgatar o autocarro da unidade e os militares da FAP que a ele conseguimos chegar. 
Contudo a noite anterior foi o de “assistir ao fogo de artifício” de tracejantes e ao ouvir o silvar de balas que cruzavam por cima das nossas cabeças, entre a sede das duas delegações do MPLA e da FNLA, bem como ao “assistir” impavidamente aos rebentamentos de obuses disparados pelo beligerantes, situados em lados opostos à rua adjacente e perpendicular à onde nos encontrávamos, pois já que o condutor e alguns militares nos tínhamos refugiado junto a um muro de uma vivenda próximo das traseiras do Cinema, depois de várias progressões desde a Pastelaria Bonina, até próximo do local onde normalmente estacionava o autocarro da Base.
Pastelaria Bonina
Ainda e já pela madrugada, os donos brancos de uma vivenda, para onde tínhamos saltado o muro e estávamos no seu quintal, ao aperceberem-se que éramos da FAP, nos chamaram e nos recolheram na sua casa até ser de dia. Depois como houve alguma acalmia no tiroteio, pois porventura as munições lhes estavam a faltar, passaram a patrulhar as ruas em grupos, o que conseguíamos ver pelas frestas das janelas e pelos sons das suas correrias e dialecto que pronunciavam e traduzidos pelos residentes, andavam à procura dos opositores, sabendo se os tinham morto ou se tinham fugido.
Deste dia reproduzo uma foto com a referida progressão, bem como uma foto tirada a bordo do C-47, 6164 que tinha tirado uns meses antes num voo local.

De igual modo e por pesquisas feitas publico por fonte: Arquivo Histórico Militar, zonas de implantação dos movimentos de libertação em Angola no primeiro trimestre de 1975 – estas duas imagens eram por nós desconhecidas dos comuns dos que por lá andávamos no terreno após os “Acordos de 15 de Janeiro de 1975 do Alvor”... 

Por:








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Nesse fim de tarde também vim para a cidade, de carro civil de um amigo, que me foi buscar à Base, para passar o resto do dia pela pastelaria Bonina e "picadeiro" lá do sítio. 
Foi em HC que tinha começado, em 64/65, o meu ensino secundário, no colégio de Saurimo, por detrás da igreja maritz...
Cine Chicapa

O tiroteio deflagrou ao entardecer e nós, antes do cruzamento da Bonina e do Cine Chicapa, fomos alertados pelas primeiras rajadas vindas do lado do MPLA, que tinha o quartel no armazém do Marques Dias Lda. 
Uma das rajadas  estilhaçou os para-brisas do nosso carro, quer o da frente quer o de trás! Saí ainda em andamento e baldei-me para o quintal contíguo à casa do presidente da Câmara, uma vivenda de esquina, pertencente à família Matos. O Carlos Matos, tinha sido Comando e já tinha saído da tropa. Embora mais velho do que eu, conhecíamo-nos dos tempos de escola, onde ele ia à saída das aulas para ver as "miúdas"!
Eu e o meu amigo Gorgulho, passamos até às 4 da manhã, com um cacimbo do caraças, deitados ao toro das árvores do seu quintal, ouvindo aquele zumbido das granadas a sair dos morteiros, que eram as que mais me preocupavam uma vez que se caíssem no quintal iríamos pelo ar. Quer as disparadas do quartel do MPLA, quer as que vinham do lado das (OP) Obras Públicas, onde a FNLA assentou arraiais...
Tínhamos por companhia, um pastor alemão pertencente à família dona da casa. O cão estava ferido e veio deitar-se entre nós...só às 4 da matina, já clareava e para nós, começávamos a ficar destapados, pois a noite ia levantar breve e ficaríamos expostos aos tiros directos do outro lado da rua, pois já tínhamos sido alvejados por 4 elementos que estavam no quintal oposto, ao lado do cinema, os quais foram destruindo o parapeito do muro...
Efeito dos combates

Aí, tomei a iniciativa de rastejar até à porta das traseiras, que como é uso em África, é sempre alta, havia uma escadaria de 4/5 degraus, que me punham ao nível do muro circundante e me exponham a ser baleado. Rastejei até lá, pondo-me encostado a dita escada, e esticando o braço, batia com o punho na parte de baixo da porta, chamando pelo Carlos Matos! Passado um bocado, ele perguntou, sem abrir a porta, quem era...identifiquei-me bem! Pois o meu apelido Familiar, era sonante naquela região. Ao entreabrir a porta, o pastor alemão de salto foi o primeiro a entrar, depois eu, rastejando e o Gorgulho que estava atrás de mim...
Das 4 da manhã até ao meio dia e tal ali permanecemos...os tiros pela manhã começaram a escassear, e de repente começamos a ouvir alguém com um megafone, com palavras de ordem em português, para cessarem fogo, ois que se estavam a matar entre irmãos.
Era um Capitão do Exército, do Batalhão de Cavalaria 8322, em pé num jeep Willys, apenas acompanhado do condutor...!
Entre o meio dia e a uma da tarde, houve uma acalmia, que deu tempo para que toda a cidade de Henrique de Carvalho, se mudasse literalmente para o AB4. 
Imagem do dia 12 de Junho, militares de uma das forças beligerantes

Ainda quero acrescentar, que no dia 10 de Junho, fizemos uma formação de 3 Alouettes III em continência à Bandeira, eu voava o héli canhão!
E no dia imediato, estava deitado num quintal da cidade a assistir ao que já foi reportado...ainda bem que alguém se lembra destes tristes episódios passados pelas nossas FAs..."Foxtrot"!
Depois disto, ainda fui ao Luso, várias vezes nesse carro que era um Ford Taunos 17M RS de cor verde, sem para-brisas nenhum...coisas dos 20 anos, idade da "imortalidade"....!

Manuel Vieira, fui o último piloto de Hélis que passou pelo AB4...saí do Luso a 16 de Agosto de 1975. Fui eu que fui com a delegação do MFA a Camissombo e Veríssimo Sarmento, para desarmar os Catangas...nem me deixaram aterrar dentro do quartel...!

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