quarta-feira, 26 de maio de 2010

APANHANDO UM GUERRILHEIRO "Á UNHA"

Alouette III - foto de José Carvalho
Em homenagem ao Piloto Rui Jofre

Enquadramento: Estas Histórias são muito importantes, por um lado, servem para registar memórias que ajudam a perceber uma fase importante da nossa História como País e Nação, e por outro, despertam as nossas próprias memórias e reflectindo, ajuda-nos a perceber o nosso passado, lembrando-nos de camaradas de armas que marcaram a nossa formação como pilotos e como homens.
Localização: No Leste de Angola, pelos anos 70 do século passado, nós os pilotos milicianos, na sua maioria, dividíamo-nos pelos aviões, T6 e DO 27, e Helicópteros, Aluette III, a Base dos Aviões era Henrique Carvalho, a dos Helis era o Luso.
Protagonistas: Eu próprio que represento o papel do Piloto de Aviões e uma figura mítica do Leste de Angola da altura, o Jofre. Piloto de Helicópteros. 
Algumas noções para se perceber a História de Guerra que ficou registada na minha memória: Nós os Pilotos de Aviões tínhamos missões que de certa forma nos afastava das operações mais ligadas ao solo, eram RVIS (Reconhecimentos Visuais) TGER (Transportes Gerais) TIR(?) (Bombardeamentos, Metralhadoras ao solo e Foguetes ao solo), reabastecimentos (aos militares destacados) e Evacuações Sanitárias (de doentes e feridos). Isto fazia com que os nossos contactos com o solo fossem essencialmente e preferencialmente com as pistas. 
Houve quem tivesse outras experiências longe das pistas mas, certamente, involuntárias. 
Os Pilotos dos Helis, no meu tempo, eram mais guerreiros e tinham um contacto mais físico com a Guerra, andavam no meio dela quando transportavam as tropas especiais, paras, comandos e fusos (pára-quedistas, comandos do exército e fuzileiros). Faziam evacuações em pleno teatro de guerra, o Heli-Canhão era uma arma muito eficiente e imprescindível em certas situações mais quentes.

A História: Numa das missões (a memória já foi apagada) que julgo ter sido uma evacuação de um doente entre o Cazombo e o Luso em DO 27, detectei actividade IN (Inimigo) através da visualização de um acampamento com várias lavras (campo cultivado) que seria um campo de apoio a zonas de infiltração de guerrilheiros do MPLA. 
Registei no relatório de voo como era das NEPS (Normas de Execução Permanente). Semanas depois fui chamado pelo meu Comandante, Capitão Neto Portugal, que me disse, “Prista vais com o Jofre fazer um reconhecimento à zona daquele acampamento que registaste há 3 semanas quando vinhas do Cazombo, ”já tinha tido a grata experiência de ter feito um destacamento no Cazombo com o Jofre, sessões de acrobacia em T6, Stall turns em Aluette III, lançamento de pára-quedistas (O Jofre) em DO 27 foram, entre outras, as actividades desenvolvidas nesse destacamento.
Prista diz o Jofre, “trás a carta onde marcaste o acampamento, vai buscar a G3, e vai ter comigo à placa que eu vou pondo o Heli em marcha” ,fiquei surpreendido, íamos de Heli?, eu pensava que íamos de DO 27, vai buscar a G3? Para quê? Enfim, pode ser que não seja nada mas, com este maluco, é de esperar tudo!!!
Cheguei à placa e o Aluette III já estava com a turbina a assobiar. O Jofre aos comandos com a G3 ao lado e o Mecânico atrás com a sua G3 nos joelhos. 
-“Prista senta-te aqui ao lado e dá-me o rumo para o acampamento, vamos dar cabo deles”.
-“Ó Jofre aquilo é muito grande, podem lá estar muitos e bem armados”. 
-“Não há problema eles quando ouvirem o Heli até se cagam, só tens que fazer o que eu te disser, vamos a eles!!!”. 
Descolamos e pusemo-nos a caminho “Luso, Força Aérea 9123 em Ops Mil, até breve”.
Rui Jofre e Rui "Mamute"(mecânico)
Será até breve pensei eu !!!
Identificamos o acampamento (aquelas cartas topográficas sul africanas eram um espectáculo) felizmente, diz o Jofre “para eles” digo eu “para nós” já desactivado.
-“Porra” diz o Jofre “é sempre assim, devíamos ter vindo logo no dia seguinte a tu tê-los visto, agora é tarde mas olha, já agora, vamos fazer uma pistagem, para tu veres como é de perto, lá de cima nunca vês nada” e começou de volta ao Luso a seguir pistas no capim a rapar com o Heli.
Estávamos no fim da época das chuvas e sobrevoava-mos vários charcos com alguma dimensão, a paisagem era normal mas muito mais perto do chão do que eu estava habituado, cheirava-se o capim húmido.
De repente o Jofre dá um grito “olha o filho da p…” e vejo do lado direito do heli, a uns 100 metros, um guerrilheiro armado de uma espingarda, vejo-o largar a espingarda e correr desenfreadamente para o charco mais próximo.
O Jofre fez uma volta apertada à direita puxou o manche e parou o heli no ar e aterrando de imediato gritou: “vamos a ele”, agarrou na G3 e saiu a correr em direcção ao charco, o mecânico ficou impávido sentado atrás e eu, tirei o cinto peguei na G3 e saí atrás do Jofre em correria.
-“Prista, eu vou pela esquerda e tu pela direita vamos apanhar o gajo à unha”, assim fiz e comecei a ouvir a G3 do Jofre a disparar, a adrenalina a subir a níveis impensáveis, rodeei o charco pela direita com a G3 apontada e à espera de ver o guerrilheiro aparecer o que felizmente diz o Jofre “para ele” digo eu “para mim” não aconteceu, apesar de eu também ter gasto as 20 balas do carregador.
“O gajo deve ter-se afogado” diz o Jofre “vamos buscar a espingarda que ele largou e voltamos para o Luso”. 
No voo de volta o Jofre disse-me que tinha gostado da minha atitude e ía propor-me para me passarem para os Helis, que era muito melhor do que andar lá por cima.
E foi assim que dois pilotos, no meio da chana africana, deixaram um Héli com o motor ligado e gastaram dois carregadores de G3, para tentarem apanhar um guerrilheiro “à unha”.
Mas trouxeram um troféu, uma espingarda automática de fabrico russo de que não me lembro o nome.(Klasnikov ?)

Fica aqui uma homenagem  ao Rui Jofre, um Piloto destemido que me ensinou muito. 
Rui Jofre Soares Dias Ferreira PIL
Infelizmente deixou-nos num estúpido acidente de Heli há poucos anos.



Por: José Carlos Prista PIL 71-73

6 comentários:

  1. Só agora vi este post.
    Embora esteja na foto, não participei na operação.
    A arma, era uma Simonov.
    Rui "Mamute" Rodrigues.

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  2. Fabulosa descrição de um acontecimentos de que ouvi contar no Luso em 1971. Eu era o cabo MARME na altura. O piloto Jofre era já uma lenda viva.

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  3. Tive o prazer de lidar com esse grande Homem eu como P A foi ele que me deu o batismo de vou num Aluett 3 Tancos Penamacor Orion 1979

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  4. Ainda Voei com ele em Piratarias Aéreas No Leste de Angola um grande Piloto Que Descanse em Paz Mamã Suma

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  5. Conheci o piloto Jofre no Cazombo...
    I

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  6. Tudo oque se possa dizer, escrever ou exprimir sob qualquer outra forma, nunca será suficiente para retratar com um mínimo indispensável de realidade o que foi o JOFRE
    ou a forma como marcou diferentes gerações da "tribo dos Alouettes.
    Um Saltimbanco
    A:M: 43 Cazombo - Natal / 71

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