quinta-feira, 25 de setembro de 2025

“ABONADELA” EM MUEDA



Dia 13 de Março de 1972.
Último dia do meu primeiro "destacamento", esquadra: “Índios”; Mueda, Planalto dos Macondes, Cabo Delgado- Moçambique.
O Sol, depois de uma “lânguida e demorada espreguiçadela” e após uma noite quente e húmida, mas calma, preparava-se para despontar no horizonte.
Respirava-se um ar absolutamente contaminado pelos gases de escape expelidos pelos motores das aeronaves, a rodar, ao ralenti.
Na placa do AM-51, o frenesim próprio que, inevitavelmente, se gera nos preparativos de saída, destinados ao transporte de militares – combatentes, para mais uma operação, (ataque a uma base IN, helitransportada), misturava-se com o ruído inconfundível, dos rotores dos “hélis”- Alouette III, numa simbiose perfeita com o silvo, “rouco” e estridente das turbinas do, sempre fiel, Artouste IIIB e desafinavam com o “roncar soberbo” daqueles nove cilindros em estrela, nos procedimentos de “ponto fixo”, dos velhos, mas sempre leais T6, Harvard.
Por determinação de alguém, com poderes e competência para o efeito, foram, nos helicópteros a operar em Mueda, montadas metralhadoras ligeiras MG, em bipé e municiadas com quatro ou cinco caixas de munições.
Ordem para descolar e, …“lá vamos; cantando e rindo, levados, levados sim…”, com destino ao local onde se encontravam concentradas as tropas que iriam fazer o “assalto à base IN”, (julgo que a base Gungunhana… mais uma vez!).
Terminado o embarque para a primeira “leva”, (num total de três), com cinco militares-combatentes, lá tomei eu a posição como operador/atirador da MG que, montada à retaguarda da cadeira do piloto e com a porta traseira aberta, permitia disparar, em rajada, no “varrimento” da zona, no caso, um descampado na periferia de uma “machamba, nas proximidades do objectivo, garantindo a protecção e segurança, ao desembarque da “tropa”.
Descolagem; percurso relativamente curto, voo rasante às copas das árvores, estacionário a baixa altura, rajadas de MG à zona e, à ordem, desembarque efectuado sem problemas, tal como com os outros “zingarelhos”, (cinco ou seis, já não recordo).
Na parte final do percurso da primeira “leva”, tive a sensação de ter avistado palhotas, á direita da rota seguida.
Como não tive a certeza, memorizei o local e aguardei para, na “viagem” seguinte, dedicar especial atenção e avisar o piloto que, se a memória não me atraiçoa, seria um alferes miliciano, piloto, militar que não me inspirava grande confiança, nas “lides piloteiras”, de resto, cedo confirmadas, pelo seu afastamento dos hélis e transferência, creio que, para os Dakotas.
Repetidos os procedimentos da primeira “leva”, lá vamos nós, de novo, a caminho do local de largada.
Talvez porque tivesse havido um ligeiro desvio da rota, não consegui verificar e confirmar as suspeitas da existência das ditas palhotas que, a existirem, teriam enorme probabilidade de fazerem parte do complexo militar da “base IN”, em objectivo.
De novo, chegados ao destino, em aparente normalidade de voo, tal como no anterior, também a baixa altura do solo, o piloto preparava a estabilização do estacionário, quando o helicóptero, de safanão, começa a rodar, em torno do seu eixo vertical. Rapidamente, percebi que ficámos sem comando do rotor de cauda, (anti-binário).
De imediato, o “héli” ainda não tinha girado meia volta, já o piloto, sem qualquer hesitação, leva o manche de passo geral ao fundo e faz uma aterragem de emergência violenta.

Enquanto se executam os procedimentos de desligar o motor e imobilizar o rotor principal, já os militares/combatentes se encontram apeados, em posição de protecção ao helicóptero. Imediatamente nos afastámos, ligeiramente, do local e corremos para um espaço, onde a aterragem de outro “heli” fosse possível, na esperança de que, quem voava na retaguarda se tivesse apercebido da situação e nos viesse recuperar. Poucos minutos após o “incidente”, surge o “anjo da guarda”, o héli” que nos sucedia e que, tendo presenciado os factos, nos recolhe. Já refeito do “cagaço”, reparo que o mecânico do helicóptero que nos recupera, é o Cabo especialista/MMA, Leitão, o ”sapito, assim tratado e acarinhado pelos “besuntas” e noto-lhe vestígios de sangue na testa. Ao meu gesto “inquiridor”, com toda aquela calma do mundo, que o caracterizava, passa a mão na testa, sobre o arranhão ligeiro, enquanto aponta para um vidro da frente/direita, onde se via um buraco de bala e parte do “vidro” estilhaçado e responde: “foi o que ainda sobrou da tua “abonadela”.
Regressados a Mueda, cumpriu-se, mais uma vez a praxe, com bar do “clube dos especialistas” aberto, ao pessoal da “besuntice”, por conta cá do “felizardo”.
O helicóptero foi atingido, na cauda, com três tiros, um dos quais fez rebentar o cabo de comando do rotor de cauda; outro provocou danos numa chumaceira do veio de transmissão traseiro. O terceiro só danificou blindagens.
Da aterragem resultaram danos no trem e nas blindagens inferiores.
Uma equipa de mecânicos, deslocou-se ao local e conseguiu remediar as avarias, permitindo que a “MÁQUINA” regressasse à Base pelos seus próprios meios.


Joaquim de Campos Pinheiro
1º CB MMA/Hélis – “Índio”


quinta-feira, 11 de setembro de 2025

UMA HISTÓRIA DO HOSPITAL DE TERRA CHÃ

 Hospital da Terra Chã
 

Uma estória da BA4, isto é do antigo hospital da FAP.

Orlando Coelho primeiro da direita
Após a conclusão do meu curso de MMA, fui colocado da Base Aérea N.º4, na ilha Terceira Açores, em Outubro de 1967.

Esta estória foi-me contada pelo então sargento Carrapiço, mecânico de material aéreo. Um retrato do grande atraso, e não só, que imperava naquele arquipélago.
Todos os anos na época havia varias incorporações no Regimento de Infantaria de Angra do Heroísmo, e quando havia  pessoal vindo da ilha do Pico, o Hospital da Força Aérea reservava uma enfermaria, porque se previa que os mancebos daquela ilha, nas primeiras semanas da recruta, sofreriam de insolações, motivado por na ilha do Pico e durante quase todo o ano haver uma espécie de guarda-sol formado pelas nuvens a volta do pico o que fazia com que os habitantes da ilha fossem vulneráveis aos ambientes soalheiros das outras ilhas.  

Entretanto no Hospital (da Força Aérea) de Terra Chã na ilha Terceira, havia um cabo/rd condutor de origem africana, creio que da Guiné, quando após uma das incorporações, a referida enfermaria já se encontrava cheia de jovens “picorotos” com problemas de insolações, o nosso cabo condutor necessitou de se deslocar a essa enfermaria, a fim de tratar de um assunto, que não vem para o caso, e ao entrar na enfermaria provocou um reboliço de tal ordem, que deu a impressão que as insolações ficaram curadas. Não é que os mancebos ficaram aterrorizados por verem um homem daquela cor, é que o cabo era mesmo muito escuro, e os mancebos não faziam ideia de que havia pessoas daquela cor.

Orlando Dias Coelho