quinta-feira, 13 de julho de 2023

LISBOA, ANATOMIA DE UM AEROPORTO


Com pompa e alguma circunstância em 15 de Outubro de 1942 era inaugurado o novo Aeroporto de Lisboa, de facto o primeiro aeroporto digno desse nome a ser construído em Portugal. Uma vez mais era Duarte Pacheco a dar vida a um projeto fundamental para o desenvolvimento do país.
No dia da inauguração do Aeroporto da Portela, como ficou conhecido, funcionavam as três pistas e pouco mais. Sim, três pistas. Os pilotos agradeciam porque sempre podiam escolher a pista mais favorável em função da direção e intensidade do vento. Com o tempo as três pistas deram lugar a duas e depois a uma, que é o que acontece hoje. Se tudo correr bem em breve não haverá nenhuma.
Antes da Portela existiam duas opções na área de Lisboa: o Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo, para operação de hidroaviões, e o Campo Internacional de Aterragem situado em Alverca. Como o nome sugere, era mesmo um campo mais ou menos plano de terra batida e muitas ervas onde os aviões aterravam e descolavam.
Com o fim da II Guerra Mundial, a partir de 1945 o Aeroporto da Portela de Sacavém vai conhecer um rápido crescimento em termos de movimentos. Nesse mesmo ano a TAP é fundada por despacho de Humberto Delgado e muitas outras companhias de aviação estrangeiras passam a adotar Lisboa como destino.
Em 1969 é criado o Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa. A Portela não ia aguentar muito mais e era preciso pensar num novo aeroporto para servir a capital e o país.
Em finais de 1970 teve início a minha carreira na TAP.
Em 1972 os estudos preliminares realizados pelo GNAL apontavam Rio Frio, na margem sul do Tejo, como a melhor opção.
Com o 25 de Abril de 1974 tudo voltou à estaca zero. O país iria passar por uma grande transformação e havia outras prioridades. Compreensível.
Fast forward para finais de 2006 e atingir o final da minha carreira profissional 36 anos depois de a ter começado. Comecei e acabei num aeroporto em trânsito.
Fizeram-se estudos para a Ota, Alcochete, eu sei lá, mas nada de definitivo. Entretanto a Portela ia crescendo, um remendo aqui outro acolá e as coisas lá iam andando de mal a pior. Nos períodos de Natal e férias de verão, principalmente, instalava-se o caos absoluto no que respeita ao processamento de passageiros e bagagem. Era preciso ter nervos de aço para trabalhar ali.
Só o número de pistas não crescia. Das três originais já só restava uma. Era preciso espaço para estacionar mais aviões e as pistas estavam ali mesmo a jeito. Os pilotos protestaram mas não adiantou. Eles que se virassem se os ventos estivessem fortes e cruzados que é para isso que lhes pagam. Ora nem mais.
Passei à reforma, fui avô, viajei, escrevi livros, toquei piano, fiz ralis e mais trinta por uma linha. Muito bem. E onde estamos agora, mais de meio século após a criação do GNAL?
Na Portela. Ou melhor, em Humberto Delgado, que afinal sempre mudou qualquer coisa nos últimos 54 anos.
E agora? Será desta que vamos ter um novo aeroporto?
Bom. Pelo menos criou-se mais uma comissão a que deram o nome de Comissão Técnica Independente, CTI. Choveram propostas de localização, algumas bastante bizarras. Era preciso alguma criatividade para fugir ao contrato de concessão da Vinci que tem o exclusivo das operações aeroportuárias num raio de 75 quilómetros de Lisboa, Porto, Faro e Beja. Dentro dessas áreas só se faz o que a Vinci permitir, fora delas podem fazer o que quiserem. Ainda sobra bastante espaço mas a verdade é que não é muito conveniente para os fins em vista.
Que acho então disto tudo, que foi a pergunta que me fizeram?
Um dia, Deus sabe quando, haverá uma decisão que será necessariamente política. O Ministro das Finanças, seja ele qual for, terá a última palavra. No limite poderá até não haver decisão nenhuma.
Como assim?
Simples. Basta que seja o consórcio a que pertence a Iberia a comprar a TAP. Qual "hub" qual nada, vai tudo direto para Madrid e será uma sorte se não nos mandarem os Filipes de volta. Ficamos com o que temos e ponto final.
Agora a sério, não tenho opinião formada sobre as propostas apresentadas à Comissão Técnica Independente. Com exceção de Santarém, não conheço os estudos feitos agora ou há anos atrás o que, obviamente, condiciona qualquer avaliação. Além do mais não me compete avaliar seja o que for.
Apenas sei o que não quero.
O que não quero é a continuação da Portela / Humberto Delgado por muito mais tempo. Porquê? Por várias razões, a saber:
1) Tem uma única pista, o que à partida limita a sua capacidade operacional. Da forma como a cidade "envolveu" o aeroporto não vejo solução para este problema.
2) Apesar da evolução registada nos novos motores turbofan high bypass ratio o ruído continua a ser um fator. Quem tenha dúvidas dedique-se a passar um par de horas na Biblioteca Nacional ao Campo Grande. Como em todas as bibliotecas, não se pode falar nem sequer arrastar uma cadeira. Pede-se silêncio absoluto. Só que de dois em dois minutos passa um avião a 500 pés e tudo aquilo chocalha com a vibração e o barulho.
3) Durante o dia centenas de quilos de CO2 são despejados sobre a cabeça dos lisboetas. Andamos a comprar automóveis elétricos para não poluir as cidades mas depois vem um avião com potência de descolagem e estraga tudo num par de minutos.
4) Deixei para o fim propositadamente a questão da segurança. Um aeroporto no meio da cidade pode sempre causar uma catástrofe de proporções bíblicas. Já esteve para acontecer mais que uma vez. Alguns aviões aterraram fortemente limitados, outros tiveram sérios problemas à descolagem. Sei do que falo porque um desses casos aconteceu comigo. Não teve graça. Valeu-nos o nosso Santo António mas o santo um dia distrai-se e é o cabo dos trabalhos.
Texto publicado no nº 11 da revista DIURNA dos alunos da Universidade Católica Portuguesa
Foto: o DC3 da British Airways que foi o primeiro avião a aterrar no Aeroporto da Portela em 15 de Outubro de 1942, dia da inauguração.
Por: Comandante José Correia Guedes, em FB

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