quinta-feira, 14 de julho de 2022

E DEPOIS...CUNENE !



Percorri centenas de quilómetros numa carrinha, sobre estradas escaldantes que se estiram através de florestas inóspitas ou de planuras selváticas, cobertas de capim, para chegar ao Forte-Roçadas.
Este povoado encontra-se a sul da província de Huila, uma das cinco em que se divide a vasta Angola.
Banhado pela margem esquerda do rio Cunene, o seu nome fala-nos do excelente militar Alves Roçadas que em 1907, tendo o comando de dois mil homens, derrotou os povos guerreiros de Além-Cunene…
É um povoado distante, erguido no cimo de um outeiro…

Calquei pela primeira vez o seu solo ardente, numa noite fantástica de escuridão, em que o brilho das estrelas tinha reflexos angustiosos. Levava o coração oprimido por certo temor, pois de alguns citadinos pessimistas, eu tinha ouvido as piores informações a respeito do Forte-Roçadas, tanto pelo seu clima insalubre como pela imensa variedade de animais selvagens que circundavam a sua vizinhança. Talvez por isso, apoderou-se de mim uma intensa emoção naquela hora.
Após ter atravessado o rio Cunene, numa jangada que pretos vigorosos conduziam, subi a uma pequena encosta.
E sob o negrume da noite eu apenas distinguia o lugar onde pisava. O mais, eram sombras e mistério…
De longe chegavam até mim gritos estranhos acompanhados de um tan-tan dolente - Era a sinfonia do batuque! Já tinha ouvido tais sons em outras latitudes, mas aqui, ao ouvi-lo, surgiu na minha mente uma visão trágica desta África misteriosa que eu tanto gostava e que que me pareceu quase desconhecida, apesar de tantos anos por lá vividos, tanto em Moçambique (aqui menino e moço) como em Angola, já como militar.
E tive algum receio.
Já lá vão alguns anos após aquela noite, e hoje passado tanto tempo, reconheço como eram exagerados os meus medos que se fundamentavam em perigos duvidosos e fantasiados. Na verdade, nós muitas vezes fazemos uma má impressão desses povoados longe do bulício das cidades, perdidos no isolamento da selva do Continente Negro.
E, contudo, lá vive-se bem. Tudo é tão simples, tudo é tão natural. Existem, é certo, as doenças tropicais, mas a assistência médica até não era má e com bastantes elementos preventivos para as combater. E se pensarmos um pouco, concordamos que não é só nos lugares mais recônditos de África que há doenças malignas. Elas existem em todo o mundo.
Quanto aos animais ferozes, não vi neles grande perigo a que muita gente se referia. As feras só quando estão feridas ou, em casos muito excepcionais quando têm fome, pois de contrário fogem do homem, como algumas vezes tive a ocasião de verificar. Se assim não fosse o que seria desses negros que ainda hoje caminham quase meio despidos, durante quilómetros e quilómetros por caminhos sinuosos através da selva.
Forte Roçadas
A principio experimentei uma profunda saudade do meu Portugal distante, mas também conhecia a Lunda, no Leste de Angola,onde cumpria o serviço militar como Especialista da FAP e acabei de sentir-me feliz naquela terra ardente!
Naquela solidão imensa interrompida só pelo vento da floresta e o ribombar dos trovões e o som inexplicável dos silêncios da noite, havia uma magia que nos prende e nos obriga a gostar desta misteriosa África.
Os dias ali iam decorriam calmos, (poucos) pondo em êxtase contemplativo os temperamentos românticos e sonhadores dos nossos poucos ainda anos.
Realmente o Forte Roçadas oferecia-nos panoramas lindíssimos. Muitas vezes ao pôr do Sol eu fui colocar-me num dos pontos mais elevados, experimentando a grandiosidade da paisagem. Lá para baixo para as bandas do poente, longos espaços cobertos de capim, substituídos em alguns pontos por bosques limitado. Onde predominava o embondeiro, essa árvore gigantesca que é como que a sentinela do sul.
E as horas decorriam serenamente…
O Sol, qual enorme globo de fogo movia-se com grande velocidade e à medida que se aproximava da linha do horizonte aumentava de diâmetro, espalhando colorações que iam do vermelho e amarelo ao roxo esbatido.


Que quadro maravilhoso…

Por: Aníbal Oliveira



1 comentário:

  1. Maravilhoso ler este texto recordando os tempos de Africa que saudades já pouco existe do nosso tempo vivido 21 aons antes (64) um grande abraço a todos os camaradas.

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