quarta-feira, 16 de junho de 2010

O DEHAVILLAND COMET

CONTRIBUTO PARA A HISTÓRIA DA AVIAÇÃO

O deHavilland Comet
(Único no Mundo a funcionar!)

Como um relógio numa gaveta

O primeiro avião a jacto de passageiros começou mal a sua carreira, com inúmeros acidentes fatais. Mas na sua quarta versão, tudo já estava solucionado e a aeronave voou milhares de Milhas até à sua retirada. Fomos experimentar o último Comet ainda em funcionamento no Mundo...


O deHavilland Comet apareceu nos céus pela primeira vez em 1949, no show de Farnborough, mas apenas entrou ao serviço em 1952 pela mão da transportadora inglesa British Overseas Airline Corporation BOAC, antecessora da British Airways. O Comet conseguia voar a uma velocidade o dobro dos aviões normais, mas em contrapartida a sua autonomia era reduzida, sendo apenas utilizado em vôos europeus.  Desde o início da sua carreira que diversos acidentes e tentativas falhadas de descolagem se sucediam, até que em 1954 o primeiro de uma série de acidentes mortais acontece, quando após ter descolado do aeroporto italiano de Ciampino, o vôo 781 partiu-se em dois e despenhou-se no Mediterrâneo,próximo da ilha de Elba. Sem razão óbvia para o desastre, toda a frota Comet é paralizada. A Royal Navy recupera parte dos destroços no Mediterrâneo, e um comitê dá início aos trabalhos de investigação. Entretanto outro acidente acontece num vôo entre Roma e o Cairo, com a perda total dos passageiros e tripulação. Algo de grave se passava com os Comet, e até ser descoberto o motivo, nenhum Comet levantaria vôo!
Mike Silva e o Comet


Resultados da Investigação:

A empresa deHavilland e a BOAC, não pouparam dinheiro nem esforços para descobrir o que afinal se passava com os Comet. Para isso, utilizaram um avião em boas condições ( G-ALYU) perfeitamente operacional, e submetêram-no a uma sessão de testes que acabaram por destruir o aparelho. O aparelho foi submerso dentro de um tanque de água, e posteriormente pressurizado e despressurizado  mais de 3000 vezes. Estes ciclos demonstraram que  junto à escotilha de saída de Estibordo a fadiga metálica originava fissuras na fuselagem. Outro facto descoberto,foi que nas esquinas dos vidros das janelas dos passageiros, de formato quadrado, a pressão  era demasiada e originaria mais tarde ou mais cedo, um acidente grave como os anteriores. Para ajudar ao facto, o modo como as janelas eram aplicadas na fuselagem, por meio de rebites, originava uma facilidade de aparecimento de fissuras junto aos rebites, e posterior colapso da estrutura. Os Comet foram modificados nas suas versões posteriores, tornando-se maiores, com janelas ovais, e com motores mais eficazes. A deHavilland estava desesperada por limpar a reputação do Comet, mas por volta de 1958 a Boeing já disponibilizava o 707 e o DC8, e a empresa inglesa nunca mais conseguiu rentabilizar o Comet. Foi idealizada uma versão V, mas nunca saíu do papel.

Bem vindo a bordo!

O Comet é basicamente, do mesmo comprimento de um Boeing 737 actual. A última versão, onde nos encontramos hoje, já tinha uma capacidade de 74 passageiros, em vez dos 36 do modelo original.  Os motores desta última versão, quatro Rolls-Royce Avon possuem o dobro da potência dos originais RR Ghost. Possui também dois depósitos nas pontas das asas, que possibilitava ao Comet atravessar o Atlântico, concorrendo com a sua rival Pan Am. Mas comercialmente, já era demasiado tarde.
A entrada dá-se por intermédio de uma porta invulgar, bastante pequena. Lembremo-nos que foram os problemas de pressurização nesta zona da fuselagem que se deram os acidente. A sensação de estar num avião de passageiros a jacto com quase 60 anos é indescritível. A napa dos bancos permanece intacta e os motores ronronam lá fora. A ventilação da cabine há muito que entregou a alma ao criador, e cheiro a mofo é permanente. Também há muito que na cozinha nas traseiras não se arrecadam sandes caríssimas e chocolates para os passageiros, mas não faz mal,porque hoje não iríamos viajar para longe.
Nunca é de mais repetir: Este avião onde nos encontramos hoje, é o avião a jacto de passageiros mais antigo do Mundo ainda em funcionamento, e  o único Comet no Mundo que se move pelos seus próprios meios.Como parte da "encenação" a esposa de um dos voluntários que mantém este aparelho, dá as intruções aos passageiros e mostra as saídas de emergência,distribuíndo fotocópia de um folheto original  aos passageiros. O sistema de som do aparelho ainda funciona, e em som roufenho recebemos as instruções para colocar o cintos.Os Rolls Royce Avon acordam de repente, e a insonorização de um aparelho com praticamente 60 anos, mostra todo o seu esplendor. Não fôssem as janelas ovais e a napa dos bancos, juraria estar a bordo de mais um vôo na "Squeezyjet" a caminho de Liverpool. Taxiamos em direcção a Sul do Aeródromo de Brunthingthorpe, e invertemos a marcha nesta pista privada com três quilómetros de extensão. O ranger medonho por todos os lados, demonstra que este avião nunca poderia jamais voltar a voar, mas isso não assusta os cerca de dez passageiros e cinco membros da tripulação a bordo. Com um rugido vulcânico ( Nada a ver com a crise do vulcão da Islândia), os bancos estremecem como se estivesse a acontecer um tremor de terra. Toda a fuselagem estremece como se uma baleia tivesse sido colocada por cima do aparelho. Por momentos, por breves momentos, um pensamento deve ter atravessado a mente de todos os passageiros: Como é que raio eu me meto nestas coisas? Dentro de um avião  com 60 anos que não voa a acelerar a fundo numa pista como se fôsse a descolar...
De a quererem levantar vôo. O nosso piloto de hoje, um profissional de uma companhia aérea que repente, os nossos pensamentos são interrompidos quando observamos as pontas das asas colabora como voluntário no museu, está " de folga" por causa da crise do vulcão da Islândia. Por isso acedeu vir até cá e "esticar as pernas" ao Comet. Ele não deixará o Comet levantar vôo,apesar de todos nós acreditarmos que o faria sem dificuldade. O aparelho chega ao ponto de não-retorno ao meio da pista, e subitamente a aceleração baixa repentinamente, com os flaps "portão de armazém" a baixarem na totalidade atrás da asa. Antes de arrecadar o " brinquedo", ainda voltámos para trás na mesma pista, acelerando mais um bocadinho. O Comet regressou deste "vôo" pelo mesmo caminho, detendo-se junto aos hangares onde mais uma vez foram necessários alguns ajustes e os motores desligados.

Sim, este avião não voa. Seria incontrolavelmente oneroso e mesmo difícil em termos operacionais, por falta de sobressalentes,por exemplo. Então qual é a vantagem de manter um avião que não voa? Não sei responder. É como perguntar porque é que mantemos a Central Tejo pois já não produz energia . Ou porque não deitamos fora aquele relógio de pulso avariado que guardamos numa gaveta.  A resposta a isto, tento encontrar na face das pessoas que saem do Comet de 1958. Não me lembro de ver expressões de incredulidade, felicidade, satisfação e querer repetir ,como estas à saída de um Airbus na Portela...

Os Comet que sobreviveram até aos nossos dias.
Apesar do fim da carreira do Comet, o aparelho não desapareceu. As unidades que restaram do Comet IV foram modificadas nos anos sessenta para se tornarem numa aeronave completamente diferente e com outra função. O Nimrod! Estas aeronaves de detecção anti-submarina da Royal Air Force permaneceram no activo até...Abril de 2010, onde o último Nimrod aterrou...precisamente neste mesmo aeródromo onde nos encontramos hoje! A RAF guarda porém um Nimrod de reserva, levando assim ,pelo menos teoricamente , a carreira do Comet até à segunda década do Séc.XXI. Mais de setenta anos após ter sido produzido o primeiro modelo.


Texto e fotos: Mike Silva
Portuguese Aircraft Restoration Group

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