quinta-feira, 22 de maio de 2025

A FAV-FORMAÇÕES AÉREAS VOLUNTÁRIAS EM ANGOLA



AQUELA SITUAÇÃO … MEU DEUS!!!
Convém situar no tempo a formação da FAV, para aquilatar da dimensão da tragédia do conflito e as suas consequências.
Angola, a 4 de fevereiro de 1961 dá-se o ataque à cadeia de Luanda, sendo esta a data que marca o inicio do que seria o conflito armado da chamada Guerra Colonial em Angola.
As Formações Aéreas Voluntárias (FAV) - ocasionalmente referidas como "Forças Aéreas Voluntárias" - constituíram uma organização de milícia aérea criada em 1962 como corpo auxiliar da Força Aérea Portuguesa na Guerra do Ultramar.
As FAV eram constituídas por civis (pilotos e pessoal de terra), normalmente pertencentes a aeroclubes, que operavam aeronaves ligeiras pertencentes aos próprios.
Este relato que aqui deixo é o meu testemunho para que fique registada uma parte da história aérea de Portugal que nunca deverá ser esquecida. 
Aeroporto de Luanda, 1962


A história e factos vividos na primeira pessoa.
Nas primeiras semanas do início do conflito e dada a pouca capacidade da Força Aérea Portuguesa (FAP) pela surpresa dos fatos, foram os pilotos da DTA - Direção de Transportes Aéreos (hoje TAAG) em conjunto com os pilotos do Aeroclube de Angola e os proprietários dos aviões, que com um esforço titânico e eficiente socorreram os sitiados, principalmente nas fazendas dos Dembos (o município dos Dembos foi concelho do distrito de Cuanza Norte até à independência), que, por terem armas e os trabalhadores serem “bailundos” não alinharam com a UPA, e conseguiram resistir sitiados e cercados por todos os lados.
Os “Rapazes” aterravam com os seus “magníficos” Piper Cub’s de 65 CV em terreiros de café, picadas, campos de futebol, e sei lá aonde mais!
Eu sei o que isso é, pois também fui à fazenda Beira Alta onde aterrei no terreiro de secar o café, levando comigo uma metralhadora e um cunhete de balas…e uma garrafa de champanhe enviada pelos donos para ser bebida lá, caso lá chegasse!
Na volta, descolei com a cauda do Cub dentro de um armazém para conseguir assim um pouco mais de pista. Aterrei em Luanda de noite e sem luzes, sem instrumentos, sem nada e cheio de fome!
Era assim que aqueles “Meus Rapazes” faziam todos os dias e sem esperarem uma condecoração. Fizeram isto meses seguidos com uma atitude de coragem, eficiência e valentia e sem esperarem o obrigado da população.
António Carvalheira
Eu era piloto da DTA, saído da Força Aérea em 1957, vindo dos jatos F84 Thunderjet a voarem a 900km/h, para Dakotas e Dragon Rapide a voarem a 280km/h, e isto apenas porque não podia casar com a minha e atual mulher, por ser estrangeira (espanhola).
O diretor da DTA, T.C. Jacinto Medina “mandou” que eu fosse Diretor da Escola de Pilotagem do Aeroclube de Angola, do qual ele era Presidente, tendo eu obedecido…que remédio!
Tenho muito orgulho de ter liderado aquele punhado de Rapazes Novos e fazer deles pilotos competentes, disciplinados e cumpridores. Não foi uma missão fácil ao princípio, mas que resultou muito bem.
Foram eles que fizeram a FAV, colaborando com a Força Aérea, largando os empregos, praias, família, para servirem o Próximo (há quem diga Pátria). Que orgulho eles tinham e mesmo muitos anos depois já com muita idade de terem participado aquele grupo dos “Gloriosos Malucos das Máquinas Lusitanas”.
E agora vamos à FAV.
A imprensa da metrópole espalhou pelo Pais a coragem e eficiência dos “rapazes” do Aeroclube e outros.
Alardeou-se diariamente que eram comandantes de aviões de linha, advogados, um juiz, médicos, um farmacêutico, um comissário da PSP, até um Padre, e um engenheiro que tinha o seu próprio Super Cub de 90CV, um luxo, um eletricista, um professor, um negociante de maquinas agrícolas, e sei lá que mais.
BA9 1965

Na verdade, era gente com muito nível, sei disso pois convivi muito com eles.
Com a imprensa a colaborar, o Rádio Clube Português fez uma subscrição nacional e comprou sete Austers 160 (modelo feito em Alverca) e ofereceu-nos os aviões, que foram enviados via marítima.
Foi um bonito gesto do Povo Português.
Metemos os aviões novos no hangar, pois não tínhamos autorização para os operar e havia receio de serem danificados.
No hangar do AB3-Negage

Explico; o avião oferecido não era um avião com uma performance de qualidade. O Aeroclube de Luanda tinha um Auster com 90CV, que era muito bom e um Auster com 160CV, igual aos oferecidos e que ninguém queria pilotar, já que era obrigado a fazer um exame, tal era a dificuldade de o pilotar. 
Informei o T.C. Medina e sugeri que se fizesse algo se não iria correr mal.
Sugeri que se criasse uma espécie de esquadrilha dentro do Aeroclube, sugeri apenas !! e a resposta foi “Vou ver!! “
E passados uns dias “viu”, viu a FAV, eventualmente claro, e assim se fez a FAV. 
O T.C. Medina falou com o Brigadeiro Fernando Pinto Rezende (Comandante da 2ª. RA da FAP) e entre eles assentaram a criação da FAV, tendo a FAP nomeando o T.C. Manuel Diogo Neto (Comandante da B.A.9) e o Cmte Carvalheira pelo AeroClube.
Fiquei muito contente !
Falo do General Diogo Neto, que em 1975 foi promovido por distinção a General e a Membro da Junta de Salvação Nacional e que foi sempre um grande Homem!
Tive o prazer de voar com T.C. Diogo Neto em F84 na OTA, em missões tanto em Portugal como no estrangeiro ao abrigo da NATO. Considerava-o como um extraordinário Piloto e Comandante, tendo os dois mantido uma mutua amizade para sempre.
Assim com o T.C. Neto do lado da FAP foi muito fácil resolver os problemas da organização da FAV (Neto) e dos Pilotos (Carvalheira).
E pronto, assim foi criada a FAV 201 - Formação Aérea Voluntária, sob o comando da FAP e a colaboração do Aeroclube com sede na BA9 e sob o comando dum Piloto da FAP.
Passados meses, e com tudo a correr bem, deu-se o primeiro acidente mortal (sem pés nem cabeça). 
 Nambuangongo, 5/4/1962
Acidente Auster  do Aero Clube
de Angola ao serviço da FAV 
No funeral o T.C. Diogo Neto deu-me um abraço e disse apenas “Você tinha razão”.
Aconteceu que eu não escolhi aquele piloto. Este foi nomeado através de uma “cunha” vinda do Governador Geral, logo o dito piloto nomeado. Coisas do nosso Portugal.
Por causa do acidente foi preciso integrar os pilotos na FAP devido à pensão de sangue, que normalmente era devida à viúva.
E foi um tema muito bem resolvido! Os pilotos FAV foram “graduados” em Tenentes e Sargentos Ajudantes (de acordo com as habilitações).
Com o aumento da Força Aérea e normalização dos serviços a FAV deixou de ter o interesse pelo qual apareceu.
1975 restos de Auster da FAV

Antes, porém, depois de destruídos todos os sete Auster’s oferecidos à FAP, esta ofereceu dois Dornier’s 27 e foi neles que a FAV acabou. 
Paz à sua alma!
Alguns pilotos da FAV e do Aeroclube estiveram em todas as “Festas do Pilotaço” vindos desde Bragança a Faro. Que grandes momentos e alegrias foram o recordar aqueles tempos!



Texto de António Carvalheira, que foi Piloto da FAP (F84), Comandante na DTA e na TAP.
Autorizado por seu filho Francisco Noriega Carvalheira




2 comentários:

  1. Na 3a foto o meu pai João Carlos Duarte

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  2. Quando em Outubro de 1965 fui para a BA9, fui colocado na manutenção de DO27 e linha da FAV voando com os pilotos civis até Dezembro, onde ainda voei bastantes horas nestes 3 meses na FAV. Depois fui para a Esquadra 94, helicópteros onde terminei a comissão em Novembro de 1967 e voei 642 horas.

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