quinta-feira, 14 de outubro de 2021

OS VENTOS



Esta belíssima fotografia (autor desconhecido) mostra o Aeroporto do Funchal pouco depois da sua inauguração em 1964.
A pista de 1600 metros de extensão estava desenhada numa espécie de "mesa de ping pong" que começava e acabava num precipício. Não havia margem para erro.
Mais luzes menos luzes, mais sinais menos sinais, assim se manteve até à década de 90, altura em que foi aumentada para o comprimento que tem hoje.
Apesar de todas as evoluções ocorridas desde 1964 a pista do Aeroporto do Funchal (hoje Cristiano Ronaldo) continua a fechar ao tráfego quando os ventos excedem determinados valores em direcção e intensidade. Esses limites foram estabelecidos em 1964 depois de testes realizados com um Dakota DC3 da Direcção Geral de Aeronáutica Civil. Um belo avião, sem dúvida, só que produzido durante a II Guerra Mundial e por isso já muito antiquado à data da inauguração do aeroporto. Era o que havia na altura mas não pode servir de referência para os dias de hoje.
Dada a enorme evolução por que passaram os aviões comerciais desde então, penso que estes limites já não fazem sentido. Tal como acontece em quase todas as pistas do mundo, deverá competir aos pilotos decidirem se têm ou não condições para aterrar ou descolar. É para isso que são pagos e treinados.
Fiz centenas de aterragens bem sucedidas na Madeira mas também falhei algumas (que atire a primeira pedra aquele que nunca "borregou"...); no entanto, não me lembro de ter falhado alguma por excesso de vento. Pelo contrário, foi com ventos calmos ou quase que fui forçado a dar mais uma voltinha. É nessas circunstâncias que por vezes ocorrem surpresas (o célebre "pontapé no rabo" que nos atira para longe do alvo...) mas para isso não há limites estabelecidos. Não há nem pode haver.
Também não faz sentido considerar o aeroporto do Funchal como "um dos mais perigosos do mundo". Pura lenda. Não é, nem pouco mais ou menos. Tem características próprias e obriga a um treino especial, mas talvez por isso mesmo acabe por se tornar mais seguro que a maioria.
Em quase 60 anos de operação intensa ocorreu apenas um acidente grave, infelizmente com um Boeing 727-200 da TAP. Estou em crer que se na altura houvesse vento moderado a forte na pista 24 a tragédia não teria acontecido.
Meses depois um Caravelle da Suiça entrou pelo mar dentro, mas esse nada teve a ver com o aeroporto.
Para terminar falta apenas dizer que nunca conheci um único piloto que não gostasse de operar na Madeira. Era das poucas oportunidades que tínhamos para pilotar à moda antiga e ninguém se fazia rogado.
Tenho saudades.
Artigo de "O Aviador", Comt. José Correia Guedes

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