domingo, 28 de março de 2010

PILOTOS E FTs - 2ª. PARTE


Fiz a minha primeira Comissão no AB.3 Negage, no Norte de Angola, na inicialmente chamada ZIN (Zona de Intervenção Norte) mais tarde re-designada ZMN (Zona Militar Norte). Apesar de serem dos tipos de missão operacional menos gloriosas, as chamadas “voltas do peixe” davam-nos frequentemente um grande prazer pela sua utilidade.

Em Dornier DO 27, saíamos com destino a três ou quatro aquartelamentos no meio do mato, para levar correio, suprimentos, munições etc. 
Lembro-me bem de uma das voltas que era: Negage - Sanza Pombo, Massau, Quicua, Cuango e, na volta, Maquela do Zombo ou Toto (para reabastecimento de combustível) e regresso ao Negage. 
Dava gosto ver aquela rapaziada correr para o avião à espera de uma carta da Metrópole ou de uma simples boleia dali para fora. Quando a Companhia tinha mais de seis meses de mato, normalmente já estavam familiarizados com os “usos e costumes” do pessoal FAP: Tratem-nos bem e têm tudo – tratem-nos mal e... “lerpam”! Mas o pior eram os primeiros seis meses! Enquanto eram “checas” (novos na área) fazia-lhes uma enorme confusão verem aqueles miúdos (piloto e cabo MMA) vestidos com fatos de voo sem distintivos hierárquicos (tradição do Negage) que sempre se tratavam entre si por “tu” fossem eles praças, sargentos ou oficiais. E o pior é que acabavam por tratar por “tu” toda a gente! (sacrilégio dos sacrilégios entre FTs). 
DO 27 operando na zona de responsabilidade do AB3

Quem gostava de apertar com os “checas” era o Amaro, famoso furriel piloto do Negage, nos meados dos anos 60. 
Certo dia aterra o Amaro numa pista do mato e dirige-se a ele o capitão comandante da Companhia: “Capitão Fulano de Tal”, apresenta-se ele e, ao mesmo tempo, move a mão discretamente para a frente e para trás à espera que o Amaro dissesse o seu posto e nome para, caso fosse oficial, apertar-lhe a mão, caso fosse sargento não o fazer. O Amaro olha para a mão dele e diz: “Olha lá pá, pára lá de dar ao serrote diz lá o que é que queres!” 
O “prato favorito” do Amaro com os checas era descolar a olhar para trás (o DO 27 tinha um grande vidro traseiro pelo qual se podia ver bem a direcção). Durante a corrida de descolagem ia dizendo, enquanto os olhava nos olhos aterrorizados: “Amarrem-se bem que isto é um avião muito perigoso na descolagem e, se sai da pista, partimos todos o focinho. Não quero que lhes aconteça nada. Ainda na semana passada foram quatro...blablabla, blablabla!!!” Quando acabava o seu “briefing” aos passageiros já estava no ar a uns 500’ de altitude e estes certos que seria o último dia das suas vidas. 
O Amaro era um leitor fanático de “Tio Patinhas” que comprava aos quilos e, durante o voo, ia lendo e arrancando as páginas lidas, atirando-as fora pela janela de má visibilidade. 
Certo dia levava um Brigadeiro FT ao lado e este, desesperado pela “negligência” do Amaro na sua “rotina” vira-se para ele e diz: “Oh homem, páre lá com isso!”. “Sim senhor Sr. Brigadeiro!” e imediatamente corta a mistura e pára o motor! “Oh homem o que é que está a fazer” grita o Brigadeiro aterrorizado ao ver o avião descer em direcção ao mato cerrado” “Não disse para parar? Eu só parei!!!” Claro que logo recuperou o motor mas o coitado do Brigadeiro já não fez mais nenhum comentário aos procedimentos e “aculturamento” do Amaro.

João M.Vidal PIL

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