HISTÓRIA DO BATALHÃO
O Batalhão de Cavalaria 8322/74 foi mobilizado nos termos da nota número 5153/PM, de 12 de Outubro de 1974, da 1ª. Repartição do E.M.E., sendo constituído com base no 4º. turno de 1974, tendo como unidade mobilizadora o Regimento de Cavalaria Nº.3 de Estremoz, onde no dia 5 de Março de 1975, começou a sua organização sob o comando do Tenente Coronel de Cavalaria Luís de Lorena Birne. Este período decorreu até 4 de Abril de 1975, seguindo-se depois períodos sucessivos de licença até ao dia 11 de Maio, foi portanto em pleno P.R.E.C. (Processo Revolucionário em Curso), em que a frase mais ouvida era “Nem mais um soldado para as Colónias”, que seguiu para Luanda o Comandante Luís Birne, acompanhado do Oficial de Operações Major Jesus da Silva.
PARTIDA PARA LUANDA
C.C.S - Dia 18 de Maio de 1975 às 23H00, chegada no dia 19 de Maio de 1975 ás 07H25.
1ª. Companhia - Dia 19 de Maio de1975 ás 23H00, chegada no dia 20 de Maio de1975 ás 07H30
2ª. Companhia - Dia 21 de Maio de1975 às 23H00, chegada no dia 22 de Maio de1975 às 07H30
3ª. Companhia - Dia 22 de Maio de1975 ás 23H00, chegada no dia 23 de Maio de1975 ás 07H30
No Grafanil |
Durante quatro dias o batalhão esteve “hospedado” no Grafanil, seguindo depois em coluna motorizada para Henrique de Carvalho, primeiro a CCS no dia 23 de Maio, comandados pelo capitão Avelino Alves Pereira. No dia 25 de Maio, com destino a Henrique de Carvalho e Camissombo e sob o Comando do capitão Rolim Oliveira e Barbosa Soares, saiu a 1ª. e 2ª. Companhia. A 28 de Maio, com destino ao Camaquenzo (Dundo) saiu a 3ª. Companhia sob o Comando do Major Correia de Araújo.
A zona de destino do Batalhão tem como característica principal o facto de ser dominante o grupo étnico Lunda-Quioco, sobejamente descrito em várias publicações.
SITUAÇÃO EM MAIO DE 1975
ELNA (FNLA) - Comandante Filipe - 1.100 Homens
FAPLA (MPLA) - Comandante Orlog - 1.100 Homens
FALA (UNITA) - Comandante, Aurélio - 500 Homens
Por esta altura estavam instalados no terreno forças da ELNA (FNLA), FAPLA (MPLA) e FALA (UNITA), onde procuravam a hegemonia no campo politico e militar, tendo já realizado uma série de acções inconvenientes, tais como ocupações de instalações, roubo de viaturas e justiça privada que se traduzia por um processo de degradação da situação que inevitavelmente conduziria ao confronto armado entre ambos.
HENRIQUE DE CARVALHO/SAURIMO
Foi neste contexto revolucionário que o Batalhão de Cavalaria chegou à Lunda “O Batalhão de Cavalaria 8322 tinha muito boa gente, nomeadamente alguns graduados muito bons, tanto do quadro como milicianos. Um inesquecível exemplo, entre outros foi o 1º sargento de Cavalaria António Delfino Roque. Um excelente ponto de apoio para a acção de comando no Batalhão, sempre pronto a dar bons conselhos aos mais novos e a ampará-los, em especial quando as cabeças andavam desorientadas e os disparates estavam à solta.”
(Mário Jesus da Silva – “Sortilégio da Cobra”)
SITUAÇÃO EM 30 DE MAIO DE 1975
Comando e CCS - Quartel de Saurimo
1ª. Companhia - Quartel de Saurimo
2ª. Companhia - Camissombo
Grupo de Combate - Cacolo
3ª. Companhia - Camaquenzo (Portugália)
Grupo de Combate - Saurimo - Reforço à 1ª. Companhia
“O incumprimento dos acordos de Alvor e os excessos já eram prática diária dos Movimentos de Libertação, nesta fase, mais frequentes pelo MPLA e pela FNLA do que a UNITA. (…) O MPLA e a FNLA estavam a receber do exterior bastante Armamento, tanto ligeiro como pesado, que as autoridades Portuguesas não conseguiam controlar, nem pouco nem muito.
Acostavam Navios cargueiros em Ponta Negra no Congo Brazzaville, com bastante material soviético para o MPLA. O material Americano para as FNLA chegava por meios aéreos a Kinshasa, sendo encaminhado para a Base Kinkusu."
(Mário Jesus da Silva – “Sortilégio da Cobra”)
Este era o cenário que nos esperava na Lunda, que na língua dos Ambungos significa “terra abandonada”, e que fora em tempos antigos território do lendário reino do Muatiânvua. Nas margens do Rio Cuango está a sua principal riqueza, os diamantes.
Nos primeiros dias de Junho a situação na Lunda agravou-se progressivamente, vindo a culminar com dois dias (11 e 12 de Junho) de violenta confrontação armada entre a ELNA (FNLA) de Holden Roberto e as FAPLA (MPLA) de Agostinho Neto, que resultou na destruição dos quartéis da FNLA. Alguns elementos desta força com receio de nova ofensiva refugiaram-se no nosso Quartel.
MPLAs |
TESTEMUNHOS
“A guerra que começou em Saurimo a 11 de Junho, levou para sempre os meus sonhos de adolescente, tinha 16 anos em 1975. Nesse dia terrível, muitas pessoas morreram. Muitas casas ficaram marcadas pela fúria da guerra. Dentro da Igreja onde nos encontrávamos, quando fomos surpreendidos pelo intenso tiroteio, alguns projécteis entraram, não atingindo ninguém, graças a Deus. A meu Pai infelizmente, coube uma tarefa não muito agradável, como ele trabalhava na Câmara Municipal de Saurimo, e manipulava uma máquina escavadora, foi designado a abrir valas para enterrar os corpos daqueles que haviam sido vitimados. Foi triste. Infelizmente, são factos que não poderia ocultar, pois fazem parte da história.
Depois de passarmos o primeiro confronto dentro da Igreja, vimo-nos obrigados a refugiar nas matas, nós dormíamos dentro dos carros. Meu Pai ia à cidade pegar mantimentos. Até que um dia, um amigo de meu Pai, avisou-o de que o pessoal que lutava, sabe-se lá porquê, estava disposto a atacar as matas. Então nós, como muitos Saurimoenses, procuramos refúgio na Base Aérea de Saurimo.
Foi difícil, pois as autoridades militares não queriam que nós entrássemos na área da Base. Do lado de fora do arame farpado estavam famílias que temiam por suas vidas. Inconformados por não podermos entrar, acampamos do lado de fora. Mas, a certa altura foi autorizada a nossa entrada na Base. Cada um se virou como pôde, nós e uns amigos fizemos barracas de chapas de Zinco, e durante a noite dentro delas nós dormíamos. Durante o dia, ficávamos por ali, olhando todos que deixavam para traz toda uma vida. Para tomarmos banho e fazermos nossa higiene pessoal, contávamos com o carinho dos soldados do exército português, que permitiam que usássemos os banheiros. Fizemos alguns amigos do exército Português, um deles que marcou muito nossa vida foi o "Benfica", um soldado muito legal, este não era o nome dele, mas era assim que o conhecíamos, por ser natural de Benfica em Lisboa.
Foram dias difíceis, mas de uma certa forma, todos ali estavam felizes, pois suas vidas haviam sido poupadas.
Enquanto aguardávamos, o avião que nos levaria para Luanda, meu Pai e outros civis, acompanhados de uma escolta militar, levavam em camiões, as coisas que havíamos conseguido pegar de dentro das nossas casas.
Entretanto o avião que nos levaria a Luanda chegou .
(Texto de Isabel de Barros em
http://www.isabelbarros.hpg.ig.com.br/principal.htm)
Sobre as 17:00. O meu amigo Alberto Ucawenhi e eu fomos ao liceu para ver se tinham saído as notas. Naquele tempo as aulas terminavam no dia 10 de Junho "Dia do nosso poeta Camões". Não conseguimos o nosso objectivo porque os professores ainda estavam reunidos para pôr as notas.
Bom, como nós éramos acólitos da catedral, então decidimos acudir ao rosário das 17:45 e depois à Missa.
Naquele dia celebrava um padre capelão da força aérea, porque o padre Moreira estava ausente. Além disso para nós era bom que celebrara o padre capelão da força aérea, porque depois da missa sempre dava-nos 20 escudos a cada, e naquele tempo era muito dinheiro. Às 18H00 começamos a preparar as coisas da missa porque a celebração começaria as 18H15. Estávamos já preparados para sair exactamente as 18H15, quando começou um ruído estranho que o Alberto pensou que era um problema do microfone. Mas como aquilo aumentava o padre celebrante disse-me que fosse a ver o que estava passando. Naquele momento vi como pessoas que estavam na rua entravam na Igreja. Naquele preciso momento estalou o que seria o início da miséria que o povo angolano sofreu durante 30 anos. Estivemos na Igreja até as 14H00 do dia 12, com fome, crianças chorando de fome e sede...Saímos da Igreja, as ruas estavam cheias de cadáveres de militantes da FNLA, porque a guerra nesse momento era entre o MPLA e a FNLA. Lembro-me que fomos a casa e não encontramos ninguém e saímos correndo até a estrada do aeroporto, apanhamos uma boleia e fomos ao aeroporto onde estivemos 2 dias e depois voltamos andando até Terra Nova, na casa do Alberto. Eu estive praticamente 4 dias sem ver a minha família. Era situação terrível, de desconfiança, morreu muita gente, algumas foram vítimas de ódios e vinganças entre angolanos. Não foi um problema de tribalismo ou racismo mas sim de ódio contra aquelas pessoas que pensávamos de distinta forma o que pertencíamos a opções políticas que não era o grupo marxista do MPLA. Eu sou katokue, mas fui expulso do colégio e fui a continuar os estudos no Seminário Mayor do Huambo onde estive até a minha saída para a Europa, quando tinha apenas 19 anos.
(Texto de Katxoukue
em http://groups.msn.com/ComunidadeVirtualdeSaurimo)
NO CAMISSOMBO
A 2ª. Companhia que estava no Camissombo tinha como missão controlar e dar apoio aos refugiados Catangueses (cerca de 300), chefiados pelo General Natanael Mbumba, que estavam instalados no mesmo quartel, e maior efectivo numa “ferme” a 20Km a norte. Na “ferme” permanecia o Capitão Elísio Figueiredo, oficial de ligação do Alto Comissário junto dos refugiados, a quem competia a responsabilidade primária de orientar a conduta dos mesmos.
Não obstante, todo o apoio logístico era dado pelo Batalhão de Cavalaria 8322.
Aquando do tiroteio de 20 de Julho os Catangueses pretenderam tomar de assalto a arrecadação do material de guerra para se apoderar do Armamento, que só não aconteceu por firmeza da parte das nossas tropas.
NO AERODROMO BASE Nº.4 EM SAURIMO
No dia 22 de Junho de 1975, a CCS deslocou-se para a Base Aérea Nº4, a 4 Km de Saurimo, o mesmo sucedendo à 1ª. Companhia, no dia 30 de Junho.
EMULUNDA (Estado Maior Unificado da Lunda)
ELNA - FNLA - Major Afonso Jovelino
FAPLA - MPLA - Major João Ernesto Liberdade
FALA - UNITA - Major António Pinheiro Canjundo
Este Comando deslocou-se várias vezes aos mais variados sítios para acalmar a situação, nem sempre com sucesso, mas foi possível pelo menos atenuar as consequências dos conflitos e manter uma posição de dignidade para as nossas tropas.
Em todas estas acções foi sempre recebido o máximo de apoio do Governador do Distrito, Coronel T. Ramos.
Após as confrontações armadas, elementos dos Movimentos derrotados foram acolhidos no AB4, tratados os feridos, alimentados e depois evacuados: cerca de 100 ELNA e outros 100 FALA.
Estas acções provocaram situações de grande tensão com as FAPLA, que, apesar dos acordos, pretendiam apoderar-se de alguns elementos sob nossa protecção, ameaçando atacar o quartel, o que nos obrigou a um serviço esgotante, por se ter intensificado as medidas de segurança e algumas vezes o ocupar de posições.
A 3ª. Companhia que estava no Camaquenzo reuniu-se ao batalhão em 29 de Julho e a 20 de Agosto foi a vez da 2ª Companhia deixar o Camissombo e juntar-se às restantes Companhias que já estavam na AB4.
No final de Julho só persistiam alguns elementos da UNITA na região Mussuco-Luremo, altura em estas forças se concentravam em Saurimo. Deste facto resultou um novo crescente de tensão que culminou com novos confrontos em 7 de Agosto, ficando o MPLA com predomínio total do distrito da Lunda.
SITUAÇÃO EM 4 DE SETEMBRO 1975
Comando e CCS - DONDO
1ª. Companhia - CAMBAMBE
2ª. Companhia - DONDO
3ª. Companhia - CATETE
NO QUANZA SUL
As nossas actividades foram nesta altura bastante reduzidas, visto que toda a zona se encontrava sob domínio do MPLA, e a poucos dias da independência.
Texto e fotos extraído do Blog do B.Cav. 8322/74
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